Baron Burr (1756-1836) é o elo perdido da história dos Estados Unidos. Herói da revolução americana, vice-presidente de Thomas Jefferson, matou o esnobe Alexander Hamilton num duelo em 1804, sendo mais tarde julgado por traição à pátria. Acabou no ostracismo quando as lendas se transformaram em história oficial. Ele é o personagem título de Burr (Rocco, 534 págs., R$ 42,50), volume de abertura da magnífica crônica ficcional da história americana escrita por Gore Vidal, lançado nos Estados Unidos em 1973 e que só agora chega ao Brasil. Narrado em parte por Aaron Burr no final da sua longa vida e em parte por um jovem jornalista de sua confian-ça, o livro trata das intrigas políticas da nascente república americana como se fossem manchetes dos jornais de hoje.

O romance é uma divertida contra-história construída com brilhantismo e maestria até a chocante surpresa da última página. Figuras históricas dos Estados Unidos – que muita gente só conhece das notas de dólar – vão surgindo de forma cativante. A beleza da linguagem e o prazer de saborear a prosa de Vidal fazem com que fatos ocorridos há um século e meio pareçam acontecimentos de ontem. Sua ironia e seu sarcástico senso de humor estão afiadíssimos e ele vai baixando o cacete nos fundadores da grande nação americana sem dó nem piedade. Para se ter uma idéia, Burr descreve George Washington como um incompetente e Jefferson como um político desumano, só para citar os mais lendários. Foi Jefferson, aliás, quem maldosamente perseguiu Burr e o levou a julgamento, acusando-o de conspirar para criar seu próprio império nos territórios ocidentais.

A narrativa teve por base fatos reais, mas a excelente recriação das cenas é produto da imaginação do autor. Elas são tão constrangedoras que poderiam muito bem passar por relatos de testemunhas oculares. Burr foi senador da República e era uma estrela em ascensão no cenário político americano, mas caiu em desgraça quando suas ambições fugiram de controle. Ainda assim é ele quem sobrevive a todos os seus opositores. Vidal o retrata como um sujeito adorável, de mente aberta, que durante sua vida foi um Tom Jones (o do livro, não o cantor), um herói militar, um oportunista e um patriota cujo estoicismo o tornou um cínico charmoso. Uma vida incrível, transformada em leitura imensamente agradável. Talvez o maior elogio que se possa fazer a este livro é desejar que ele nunca termine. É gostoso de ler, divertido e instrutivo.