Em seu primeiro discurso como senador, o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, vai criticar FHC e Itamar e pedir mais privatizações

O presidente do PFL, Jorge Bornhausen, é conhecido no seu partido como "O Alemão". Não só por causa da ascendência familiar que o nome não esconde, mas principalmente pela sua rigidez nas negociações tanto com adversários como com aliados. Eleito por Santa Catarina, Bornhausen promete fazer justiça ao apelido no seu discurso de estréia no plenário do Senado, marcado para a próxima terça-feira 2. O Alemão vai bater duro. E o primeiro alvo da polêmica será Fernando Henrique Cardoso a quem não se rendeu pelas declarações contrárias às privatizações da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. Pelo contrário, Bornhausen insiste em que elas são inevitáveis e que o próprio FHC é quem vai voltar atrás em suas idéias. Depois a polêmica será com os governadores. O presidente do PFL considera improdutivas as reuniões entre eles e o presidente e diz que o foro adequado para o pacto federativo é o Congresso. Tanto assim que já anuncia uma proposta de acerto de contas entre União, Estados e municípios, com previsão de receitas e despesas para os próximos 20 anos, beneficiando apenas aqueles que dobrarem a aposta nas privatizações. Itamar Franco, portanto, ficaria de fora. Em entrevista a ISTOÉ na terça-feira 23, o senador reafirmou sua profissão de fé liberal, afirmando que não aceita a criação de nenhum novo imposto depois da aprovação da Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF). Ou seja, abre nova guerra no seio dos partidos aliados de FHC, desautorizando, como presidente do PFL, as negociações do líder de seu partido na Câmara, Inocêncio Oliveira, para a aprovação do imposto sobre os combustíveis. O presidente do PFL já está escrevendo um segundo discurso para daqui a duas semanas. Desta vez, tratará da reforma política. Vai propor uma nova estratégia para os grandes partidos: fazer a reforma por um caminho mais rápido do que os projetos de emenda constitucional. A idéia é desarquivar um dos projetos de lei do então senador Fernando Henrique Cardoso que institui o voto distrital misto. A fidelidade partidária seria alcançada por um atalho na legislação: outro projeto de lei vai propor que, a partir de setembro de 1999, quem mudar de partido fica fora das próximas eleições.

ISTOÉ – O presidente indicado para o BC, Armínio Fraga, parece ter total apoio do PFL. Mas ele foi funcionário de George Soros e agora surgiram essas acusações do economista Paul Krugman, segundo as quais o megaespeculador se beneficiou do vazamento de informações do governo. Houve o pedido de desculpas, mas o sr. não acha que ficou a desconfiança no ar?
Jorge Bornhausen

Armínio Fraga é um homem honesto. O importante é que ele conhece o riscado, conhece os dois lados do balcão. Essa restrição ao fato de ele ter trabalhado com o Soros é pueril. Isso só mostra que ele foi pinçado por um empresário internacional devido a suas qualidades profissionais. E num país como os EUA, onde há milhares de profissionais de altíssima qualidade.
 

ISTOÉ – O sr. concorda com essas taxas de juros que estão aí?
Jorge Bornhausen

Elas já poderl:m estar em níveis mais baixos. EÑ,tão excessivas e evidentemente não há economia que possa prosperar com essas taxas de juros. É absolutamente indispensável que elas baixem, e muito, para qualquer retomada do desenvolvimento. Para isso, precisamos reformar o Estado, baixar seus custos, demonstrar que existem ações para corrigir os problemas estruturais da economia.

ISTOÉ – Até o presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), já afirma que o FMI não pode se intrometer no dia-a-dia da economia do Brasil, como está ocorrendo. Mas o PFL nunca foi de criticar muito o Fundo.
Jorge Bornhausen

A utilização dos recursos do FMI é necessária e legítima, pois somos sócios do Fundo. Há regras que não se podem evitar, mas, como disse o senador Antônio Carlos, cabe ao governo defender ao máximo nossa autonomia na área econômica. É preciso, por exemplo, preservarmos mecanismos de defesa cambial. O dólar com flutuação livre pode trazer problemas. Não defendo uma intervenção a priori, mas, em casos excepcionais, precisamos de autonomia para intervir no câmbio.
 

ISTOÉ – Parece que hoje ACM é a grande voz do PFL e que está se colocando como candidato a presidente.
Jorge Bornhausen

Sem dúvida, ele é uma grande voz no PFL e no País. Mas o próprio senador Antônio Carlos tem dito que é precipitado falar de candidaturas neste momento. Seria até uma atitude impatriótica. Mas tanto o PFL como outros partidos têm nomes em condições de ser candidatos. Evidentemente o senador Antônio Carlos é um desses nomes e tem todas as condições para ser presidente da República.
 

ISTOÉ – Então o presidente Fernando Henrique foi precipitado ao falar que Itamar Franco é candidato?
Jorge Bornhausen

O Itamar não tem acertado em nada até agora. Só acertou na testa do Brasil, causando um grave prejuízo econômico para o País com sua declaração de moratória. Se isto é uma maneira de construir uma candidatura, o Itamar está num caminho completamente errado. Os brasileiros vão enxergar isso.
 

ISTOÉ – Apesar do desconforto que o aumento da carga tributária causa ao liberalismo do PFL, o seu partido vai votar a favor da CPMF.
Jorge Bornhausen

É uma necessidade de momento, não é um desejo. Temos de completar o ajuste para enfrentamento da crise. Agora, votada a CPMF, não há mais o que falar em aumento da carga tributária, que já ultrapassou 30%.
 

ISTOÉ – Mas o líder de seu partido na Câmara, Inocêncio Oliveira, já está negociando com o PMDB uma fórmula para a aprovação do imposto sobre os combustíveis, o chamado imposto verde. Uma parte vai para o Ministério dos Transportes, que é do PMDB, e a outra fica com o Meio Ambiente, cujo ministro é do PFL.
Jorge Bornhausen

A aprovação desse tipo de imposto não conta com o aval da presidência do PFL. Como senador, posso garantir que eu votarei contra se ele for aprovado na Câmara. É um compromisso que já assumi com os eleitores de meu Estado e do qual não abro mão. A não ser que ele venha como parte de uma ampla reforma de todo o sistema de impostos para diminuir a carga tributária sobre o cidadão e as empresas. Não há mais como aumentar impostos no momento!
 

ISTOÉ – No ano passado, o sr. fez duas intervenções que tiveram uma resposta do presidente em direção oposta. A primeira, quando o sr. se pronunciou contra a criação do Ministério da Produção. No dia seguinte, FHC anunciou publicamente que iria criar a pasta, hoje chamada Ministério do Desenvolvimento. Depois, o sr. defendeu a privatização da Petrobras, da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil. E novamente o presidente veio a público dizer que isto não ocorrerá no seu governo. O sr. não se sentiu agredido?
Jorge Bornhausen

Ele foi eleito e, por isso, tem autoridade para exercer com plenos poderes a Presidência da República. Nós somos co-participantes dessa eleição e, por isso, temos o dever de externar nossas opiniões. Entendi que o Ministério da Produção não correspondia ao que devia ser feito naquele momento, pois defendo uma diminuição do número de ministérios. Depois afirmei que estávamos com problemas na economia e precisávamos dar um sinal para a área externa que nos recriasse credibilidade no mercado. Essas privatizações de grande porte criariam as condições de credibilidade externa para o País. Sem isso, acabaríamos caindo na liberação do câmbio, que consistiria numa diminuição geral do poder aquisitivo do real ou na inflação. Acho que não errei. Mais tarde o presidente terá necessariamente de fazer essas privatizações.
 

ISTOÉ – O que o sr. acha agora do Ministério do Desenvolvimento?
Jorge Bornhausen

Ele apenas mudou de nome em relação ao antigo Ministério da Indústria e Comércio. Trouxe o BNDES para dentro e tem um homem respeitável à sua frente. Não é o tal novo ministério que se pensou.
 

ISTOÉ – O sr. continua achando que foram criados muitos ministérios neste segundo governo?
Jorge Bornhausen

Vou apresentar projeto de emenda constitucional limitando a 12 o número de ministérios, na mesma linha da proposta que apresentei à Constituinte de 1988. Pode-se montar um bom governo até com menos pastas do que isso.
 

ISTOÉ – Como o sr. está vendo essa crise na economia?
Jorge Bornhausen

 No dia 10 de outubro do ano passado, convidamos o professor Paulo Rabelo de Castro para fazer uma exposição no PFL sobre a situação econômica do País. Ele deixou claro que o Brasil já estava atravessando grandes dificuldades. Não conseguia renovar os seus papéis no Exterior e mesmo as linhas de crédito de adiantamento de câmbio estavam desaparecendo. Como naquela época não tinham sido anunciadas as medidas do governo, eu, por precaução, recolhi os documentos que o professor havia distribuído e pedi que o assunto não fosse comentado externamente. Foi o momento em que o PFL abriu os olhos para a dificuldade. Segundo o professor, tornava-se urgente um ajuste fiscal que teria de chegar a R$ 45 bilhões. Desse total, havia uma participação de Estados e municípios de R$ 9 bilhões. O governo anunciou depois um ajuste de R$ 28 bilhões, entre aumento de impostos e cortes. Ou seja, faltam aí R$ 8 bilhões. Se não partirmos para privatizações, virão novos cortes.
 

ISTOÉ – Mas o presidente já disse que é contra essas privatizações.
Jorge Bornhausen

Calma! As pessoas mudam de opinião e insisto que acabaremos chegando lá. Já ouvi falarem em fusão do BB com a CEF. Não entra na cabeça de ninguém termos dois bancos praticamente semelhantes. Se houver a fusão, vai haver um grande desemprego e vamos vender os ativos isoladamente, o que trará um resultado financeiro menor. Então, por que não vender um banco de cada vez? Não estou defendendo a privatização de um momento para o outro. Isso deve seguir um cronograma. Pode-se privatizar imediatamente, por exemplo, a BR-Distribuidora, a Sasse, que é uma seguradora pertencente à CEF, e a Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM), do Banco do Brasil. Estaríamos sinalizando que vamos completar as privatizações. Em vez de fazermos cortes naquilo que é compromisso de campanha, em projetos do programa "Avança Brasil", na área social.

ISTOÉ – Vocês defendem a privatização da BR, mas estão indicando o Luiz Carlos Santos para comandar a empresa.
Jorge Bornhausen

Não trato de indicações para o segundo escalão. Isso fica com as lideranças. Pode ser o Luiz Carlos Santos ou outro. E o PFL deve preencher esses espaços até para encaminhar a privatização.
 

ISTOÉ – Também vai ser difícil os Estados cortarem R$ 9 bilhões. Os governadores estão se reunindo com o presidente, mas sem grandes resultados.
Jorge Bornhausen

O único foro para a solução da crise é o Congresso. As negociações entre os governadores e o presidente pouco podem progredir. Só têm valor na medida em que resultem em acordos para o BNDES financiar privatizações nos Estados e sugestões na forma de leis e emendas constitucionais. Fico assustado quando escuto: "Vamos derrubar a Lei Kandir." Então quer dizer que vamos voltar a taxar os produtos agrícolas agora que eles podem reativar as nossas exportações. Vamos voltar a exportar impostos? Não é por aí o caminho. Se isso for uma proposta do governo, o governo está errando! O elemento ativo dessas negociações para acabar com a crise tem de ser o Congresso.
 

ISTOÉ – E o que o Congresso pode fazer?
Jorge Bornhausen

Toda crise pode ser positiva. O real nasceu numa crise de hiperinflação. Estamos vivendo um momento semelhante e temos de aproveitá-lo para encontrar soluções. Pretendo colocar na agenda positiva do Congresso uma proposta do professor Rabelo de Castro que trata do acerto geral de contas entre União, Estados e municípios. Primeiro verificam-se os débitos e créditos de cada um e depois projeta-se por 20 anos tudo aquilo que vai ser transferido constitucionalmente a Estados e municípios. Aí faz-se um encontro dos débitos e dos créditos. Os Estados credores, que são aqueles que fizeram seu dever de casa, receberão títulos da União que eles terão de negociar no mercado dentro de prazos, juros e condições previamente discutidos. Os Estados devedores pagarão à União também através de títulos, mas que terão como garantia seus ativos, que serão colocados diretamente no mercado. A partir desse acerto, é possível então fazer o novo pacto federativo, rediscutir a distribuição de competências, encargos e recursos, desembocando na reforma tributária e na segunda reforma da Previdência.
 

ISTOÉ – O sr. já fala numa segunda reforma da Previdência?
Jorge Bornhausen

Ela é absolutamente necessária para tornar a Previdência, por capitalização, um instrumento de poupança interna. A primeira reforma foi para conter o rombo. Mas ainda temos problemas na Previdência oficial e precisamos abrir o setor a uma maior participação da iniciativa privada, através da concretização de fundos que possam se transformar em instrumento da alavancagem do desenvolvimento.