Que o álcool é um combustível nacional, renovável e menos poluente que a gasolina todo mundo já sabe. No entanto, se os benefícios desse combustível são tão conhecidos e os empregos gerados pelo cultivo da cana-de-açúcar também, por que depois de anos em estagnação o álcool voltou a dar sinais de vida? “O único fato novo é a safra recorde de cana”, garante Sérgio Bajay, professor do departamento de energia da Unicamp, indicando que a volta do carro a álcool seria uma forma de escoar o excedente produzido. O secretário-adjunto da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, Lourival Carmo Monaco, discorda. “O programa é uma excelente maneira de preservar os empregos do setor sucroalcooleiro, que gera 600 mil postos de trabalho no Estado.” Luiz Carlos Correia Carvalho, superintendente da Única – União da Agroindústria Canaviera de São Paulo –, admite que “o mercado vive uma falta de liquidez”, mas ressalta que ainda assim o açúcar é mais rentável que o álcool. Qualquer que seja a explicação, é inegável que todos os envolvidos no processo estão lucrando: dos usineiros aos novos proprietários de carros a álcool.

Para os consumidores, a tentação de engatar um modelo a álcool é grande. Em São Paulo, graças a um pacto proposto pelo governador Mário Covas, estão isentos do pagamento do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) até o ano 2000 veículos a álcool adquiridos em 1999, e o proprietário ainda leva como “brinde” mil litros de combustível. Nos postos, o preço é outro atrativo: o álcool custa praticamente a metade da gasolina. Em termos tecnológicos, os modelos de hoje são muito superiores aos do passado. A principal vantagem é que agora eles contam com injeção eletrônica no lugar do jurássico afogador. Assim, eliminou-se a antiga dificuldade da partida a frio. “Atualmente, o carro a álcool é mais econômico e tem melhor rendimento que o a gasolina”, explica Ronaldo Bianchini, da filial brasileira da SAE, sociedade que reúne engenheiros automotivos. Bianchini é um dos entusiastas do combustível. Tem três carros na garagem, todos a álcool. “Desde que comprei o primeiro, em 1985, não vol-tei mais pa-ra a gasolina.”

A indústria automobilística, que por anos assistiu ao desinteresse do consumidor pelo carro a álcool, começa a sentir o reaquecimento desse mercado. A Volkswagen vendeu 3.199 unidades entre janeiro e agosto, um crescimento de 450% em relação ao total comercializado em 1998. A Fiat, entre vendas e pedidos em carteira, soma 2.100 unidades. Ainda não é muito – o equivalente a um dia e meio de trabalho da montadora –, mas sinaliza um avanço. A GM lança em novembro o Corsa 1.0 a álcool e a Ford deve entrar no jogo no primeiro semestre do próximo ano. Cauteloso, José Carlos Pinheiro Neto, presidente da Anfavea (a associação dos fabricantes) assegura que a indústria está capacitada a suprir a demanda, mas é importante que o álcool tenha um papel definido na matriz energética do País.

Mesmo com a euforia de agora é bom não se esquecer dos solavancos do passado. “A curto prazo este parece um jogo ‘win-win’, em que todos os lados saem ganhando, mas é preciso também pensar no que vai acontecer no futuro”, opina o professor da Unicamp. “O consumidor não pode correr novamente o risco do desabastecimento.” Paulo Augusto Zanin, operador de mercado de commodities agrícolas da corretora Hedging Griffo, acrescenta que em dois anos o preço do açúcar no mercado internacional estará estabilizado, o que pode incentivar os produtores a deixar o álcool em segundo plano. “Hoje as cotações estão muito baixas devido à diminuição do consumo mundial e ao excesso de oferta, mas a situação deve se inverter e aí será preciso ter uma política de sustentação para o álcool.” Governo e usineiros negam o risco de falta de álcool nas bombas, já que existem estoques reguladores para suprir uma eventual carência. Será que desta vez o combustível verde-amarelo pega?