O mundo realmente dá voltas. Em 1997, quando esteve no Brasil, o presidente francês, Jacques Chirac, sugeriu a Fernando Henrique Cardoso a realização de um encontro empresarial com o objetivo de aumentar as relações comerciais entre Mercosul e Europa. A idéia virou realidade no domingo 21, nos luxuosos salões do Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. O que Chirac não poderia imaginar é que o primeiro Fórum Empresarial entre os dois blocos econômicos se transformaria numa grita coletiva contra o protecionismo europeu, defendido ferozmente por ele mesmo. O tom do encontro foi dado pelo próprio FHC: "Sublinho a preocupação do Brasil e de nossos parceiros do Mercosul com a agricultura. No intuito de isolá-la das regras normais da competição, foi montado o maior aparato de protecionismo e subsidiação de que se tem notícia." Os presidentes do Paraguai, Raul Cubas, e do Uruguai, Julio Maria Sanguinetti, além do chanceler argentino, Guido di Tella, representante do presidente Carlos Menem, aproveitaram para engrossar o coro. Depois de três dias de reunião, os 100 empresários presentes propuseram a criação de uma zona de livre comércio entre a União Européia e o Mercosul, mas os governos sul-americanos deixaram claro, no documento intitulado Declaração do Rio, que não vão dar tréguas até que os europeus reformulem o Programa Agrícola Comum. "Ou a Europa reconhece que tem de abrir para o Mercosul, ou vamos buscar uma aliança mais definitiva com os Estados Unidos", alertou o presidente da Associação de Comércio Exterior, Marcus Vinícius Pratini de Moraes.

Para o Brasil, que abandonou a postura defensiva desde que começou a ser atacado pela crise financeira internacional, o fim das barreiras é vital para ajudá-lo a sair do buraco. E uma das principais ferramentas é a exportação. O problema é que seus vizinhos não querem ser inundados por produtos made in Brazil e buscam acordos setoriais para equilibrar o ganho de competitividade das empresas brasileiras com o real fraco. "Não queremos que a desvalorização leve a uma fratura do Mercosul", garantiu o ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia. Há quem diga que a choradeira, em especial, dos argentinos, é excessiva. "Antes da crise cambial, os produtos deles eram superavitários na balança e nem por isso nós reclamamos", lembrou o presidente da Sadia e da Associação dos Exportadores de Frango, Luiz Fernando Furlan.

Para completar, a Organização Mundial do Comércio (OMC), que julga a briga entre Brasil e Canadá no setor de aviação civil, deve considerar ilegal o uso dos recursos do Programa de Financiamento às Exportações (Proex) pelos aviões da Embraer (leia reportagem à pág. 66). Isso deverá ferir de morte o mais importante instrumento de estímulo às exportações brasileiras. Os negociadores do governo ainda vão espernear, mas é praticamente certo que o Proex – que oferece recursos a juros mais baixos – terá de ser revisto. O mais grave é que, mesmo com ele em vigor, o intercâmbio comercial entre Mercosul e União Européia é extremamente desequilibrado. Nos anos 90, por exemplo, enquanto as vendas da UE para o Cone Sul aumentaram 274%, as exportações daqui para lá cresceram apenas 25%. Os países da União Européia mantêm sobretaxas que variam de 50% a 248% sobre uma lista de 280 produtos que saem do Mercosul. "Esta política tem de ser mudada, até porque ela é politicamente absurda", sentencia o alemão Martin Bangemann, membro da Comissão Européia (CE), a instância que administra as políticas comuns dos países europeus. Para desespero dos franceses, os alemães presidem atualmente a Comissão e são totalmente contrários ao protecionismo. Melhor para os brasileiros.

Salve a safra

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O presidente Fernando Henrique Cardoso teve uma motivação a mais ao denunciar que a Europa gasta US$ 160 bilhões para impedir que sua agricultura seja exposta às regras da livre concorrência: o Brasil se prepara para colher a maior safra de sua história, 83,8 milhões de toneladas de grãos, um resultado 9,1% maior que o de 1998. O recorde anterior foi obtido em 1995, com 81,2 milhões de toneladas. Para o governo brasileiro, essa é uma boa nova perdida em meio a tantas notícias preocupantes. Afinal, o desempenho agrícola poderá ajudar a conter a alta dos produtos da cesta básica. "No decorrer da colheita teremos uma redução significativa de preços", previu o ministro da Agricultura, Francisco Turra. Logo, se depender do Brasil, a briga contra os privilégios agrícolas na Europa está apenas começando. Mas a resistência será grande. Enquanto FHC fazia seu discurso no Rio, os agricultores europeus praticamente sitiavam Bruxelas, na Bélgica. Pressionavam os ministros da Agricultura europeus, que se reuniam para discutir o fim da garantia de preços mínimos para cereais, carne e derivados de leite.


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