Nas trincheiras erguidas pelo governador de Minas Gerais, Itamar Franco, o tempo corre a favor do inimigo. Desde que decretou a moratória da dívida do Estado há dois meses e virou o principal algoz do presidente Fernando Henrique Cardoso, Itamar conseguiu resistir a todo custo na sua batalha em prol da renegociação da dívida com a União, levantando a bandeira da crise da Federação. Agora, o ex-presidente da República terá a árdua tarefa de desarmar uma bomba-relógio que poderá explodir no seu campo de batalha. Daqui para frente, a expectativa de técnicos da Fazenda mineira é que a situação comece a emperrar a máquina pública, agravando os problemas financeiros. "Estamos ficando estrangulados", diz um técnico da Fazenda mineira, antes de assinar um cheque de R$ 1 milhão, um dos poucos expedidos por Minas Gerais nestes tempos de bloqueios de repasses da União, sequestros de receitas do próprio Estado e queda da arrecadação. Mais de R$ 120 milhões em recursos públicos deixaram de pingar nos cofres de Minas desde a declaração de moratória no dia 6 de janeiro.

A explosão da bomba-relógio é esperada para abril, segundo fontes ligadas ao governador mineiro. Até lá, o grosso da arrecadação do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotivos (IPVA) tende a desaparecer e a receita do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) deverá cair em razão do recrudescimento da recessão brasileira. Isso será agravado por uma característica peculiar da economia mineira, alicerçada pela indústria de transformação – siderurgia, mineração e automobilística. "Quando a economia brasileira vai bem, Minas vai melhor. Quando o Brasil vai mal, Minas vai pior ainda", diz Antonio Braz, pesquisador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A crise mineira é séria e sua solução não é nada fácil. Com o caixa quase vazio, o governo de Minas Gerais tem uma despesa mensal de R$ 450 milhões para pagar seus funcionários e fazer a máquina pública funcionar. Os investimentos públicos estão na estaca zero. Essa despesa é parcialmente paga com a arrecadação hoje em torno de R$ 420 milhões a R$ 450 milhões. "Se Minas estivesse cumprindo o acordo com a União, faltaria algo como R$ 100 milhões para fechar o caixa", afirma um técnico do Tesouro. Mesmo sem o pagamento da dívida à União, o 13º salário do funcionalismo ainda não foi pago. O déficit do Estado é de R$ 3,3 bilhões, podendo chegar a R$ 5,5 bilhões em dezembro. A dívida total de Minas Gerais soma R$ 22 bilhões.

As perdas, no entanto, podem ser potencialmente maiores até pela preocupação natural dos empresários. Tentando dobrar as críticas internas, o governador anunciou a intenção de rever os incentivos dados às montadoras. Na quarta-feira à noite, a alta cúpula da Fiat se reuniu com Itamar Franco para avisar que os investimentos de R$ 800 milhões em dois empreendimentos no Estado estão garantidos. No dia anterior, a Mercedes-Benz havia virado alvo de uma comissão especial na Assembléia Legislativa para avaliar os subsídios oferecidos pelo governador Eduardo Azeredo à montadora, como o financiamento de R$ 1.080 por cada Classe A, veículo a ser produzido a partir de abril na fábrica em Juiz de Fora.

Várias das iniciativas tomadas por Azeredo viraram alvo dos parlamentares. Os deputados estaduais aprovaram uma CPI para investigar a venda de 33% do capital da Cemig, a concessionária de energia elétrica, à companhia americana AES e ao Banco Opportunity, do ex-presidente do Banco Central Pérsio Arida. "Temos de desfazer o acordo dos acionistas", diz o deputado petista Durval Ângelo. Na sua avaliação, esse acordo permitiu aos acionistas minoritários mandarem nas decisões estratégicas da empresa e depreciarem o restante do patrimônio da companhia em nome do Estado. Essa perseguição, na avaliação da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), vem trazendo danos à imagem do Estado. A entidade patronal calcula que R$ 1 bilhão deixará de ser investido no Estado neste ano. "A moratória é um desastre. Banco tem memória de elefante. É pior que mulher abandonada", diz o presidente da Fiemg, Stefan Salej, alçado à condição de interlocutor do presidente Fernando Henrique em Minas Gerais. Foi idéia dele falar com o bispo dom Serafim Fernandes de Araújo para achar uma solução para a crise. O bispo enviou uma carta ao presidente FHC, mas a negociação malogrou. Como os generais da batalha não entregam suas estratégias antes do final da guerra, frases de efeito devem colaborar para a continuidade da resistência mineira. "Temos mais fôlego que a União porque a nossa causa é boa", diz o secretário estadual da Fazenda, Alexandre Dupeyrat. "A eles, lhes pesa a consciência."

 

A caixa-preta do tucano

 

Vão saindo do forno as primeiras denúncias contra a situação financeira do Estado de Minas Gerais deixada pelo governador tucano Eduardo Azeredo. A Secretaria da Fazenda decidiu fazer uma auditoria nas contas da gestão do ex-governador de modo a rastrear o destino das receitas estaduais e responsabilizar os culpados pelo saque ao caixa do Estado. As investigações preliminares deixaram os técnicos assustados com a intensa movimentação ao apagar das luzes. Os auditores descobriram que grandes contribuintes – Cemig, Leopoldina Cataguases, Usiminas e Petrobras – anteciparam para dezembro o recolhimento de R$ 109 milhões em impostos estaduais devidos em janeiro. A concessionária de energia elétrica também tinha feito antecipadamente a distribuição de lucros, incluindo os cerca de R$ 100 milhões correspondentes à participação do Tesouro estadual. Se receitas foram recebidas antes do tempo, os técnicos ficaram espantados com os pagamentos no final do governo. Na última semana, os credores, principalmente empreiteiras, receberam R$ 169 milhões em pagamentos do Estado. No dia 28 de dezembro, o ministro da Fazenda, Pedro Malan, assinou aditivo ao acordo de renegociação da dívida, retirando R$ 41 milhões do caixa de Minas.

Além disso, os técnicos da secretaria desconfiam que a União fez vista grossa à falta de equilíbrio nas contas de Minas enquanto o aliado político esteve no poder. A maioria das metas de déficit e receita, assinadas pelo ex-governador e a União, não foi cumprida. "Se tivesse feito o ajuste fiscal tal como está no acordo de renegociação, estaríamos em melhores condições", diz um dos técnicos da Fazenda. Em mensagem na Assembléia Legislativa de Minas, Azeredo reconheceu a gravidade da situação das contas públicas dias antes de deixar o governo. Hoje em dia, o ex-governador anda calado. Quem o defende é o ex-secretário de Fazenda, João Heraldo Lima, que culpa os juros altos pela dívida deixada para Itamar.