No meio do furacão, o governador Itamar Franco permanece pouco tempo em seu próprio gabinete, no Palácio da Liberdade, que recém-completou 110 anos. A romaria de políticos e empresários à sede do governo é tão intensa que o governador abandonou o hábito de servir ele próprio o café aos visitantes, como costumava fazer no Palácio do Planalto, nos tempos de presidente da República. Com a agenda superlotada, Itamar passa de uma sala a outra, onde seus interlocutores o aguardam previamente, enquanto garçons servem o café, em pequenas xícaras de porcelana branca, com as armas de Minas. Chamado indiretamente de traidor pelo atual presidente, Itamar deu o troco na última semana, quando recebeu, em duas ocasiões, a reportagem de ISTOÉ. "O traidor é o que pensa a economia em uma visão escolástica e usa a Nação e seu povo como campo de realização de experiências que só têm trazido o empobrecimento do Brasil e dos brasileiros", responde, também sem citar o nome de FHC. Convicto de que apenas os ex-presidentes Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek sofreram campanhas orquestadas tão fortes quanto a que enfrenta, o governador aparenta tranquilidade ao falar das batalhas que tem perdido no Supremo Tribunal Federal, na tentativa de liberar os repasses de recursos retidos pelo governo federal.

ISTOÉ – O sr. já afirmou que as trincheiras estão prontas. Que tipo de resistência Minas pode oferecer?
Itamar Franco Resistência é estratégia e estratégia não se revela.

ISTOÉ – O sr. concorda com o Dadá Maravilha de que para toda problemática há uma solucionática?
Itamar – Concordo, apesar de o futebol não ser o meu forte. Eu jogava basquete. Nos meus tempos de colégio, fazia corrida de 100 metros, salto com vara e basquete. Agora até bati uma bola com o Dadá. Foi fantástico. Mas, no jogo atual, só não há solucionática porque os técnicos do Banco Central não leram o contrato.

ISTOÉ – Então o time foi mal escalado?
Itamar – Isso não posso responder. Quem escala o time é o presidente.

ISTOÉ – Quem é o Joaquim Silvério dos Reis dos nossos dias?
Itamar – É o mau brasileiro. É aquele que perdeu o senso de pátria, que não conhece a nossa história, a nossa cultura, nem os valores mais caros do nosso povo: o verdadeiro significado da liberdade, da cidadania, da identidade nacional, justamente os ideais que conformaram a Inconfidência Mineira e fizeram de Tiradentes o Patrono Cívico do Brasil. O traidor é o que se coloca a serviço dos interesses internacionais, dos especuladores, que ignora o povo em suas necessidades mais imediatas de emprego, educação, saúde, segurança, prosperidade. O traidor é o que pensa a economia em uma visão escolástica e usa a Nação e seu povo como campo de realização de experiências que, como resultado, só têm trazido o empobrecimento do Brasil e dos brasileiros. Certamente, não existe um só Silvério dos Reis e cada um deles que se julgue diante de sua própria consciência, de seu nível de responsabilidade e comprometimento.

ISTOÉ – A que o sr. atribui o fato de alguns setores da imprensa considerarem sua postura como destemperada?
Itamar – Sempre que alguém irrompe contra a ordem do conformismo, a sua postura é considerada destemperada. Eu agi com franqueza, mas não faltei aos deveres da cortesia. Disse que deveríamos renegociar a dívida do Estado com a União e não fui ouvido. Não tenhamos ilusões: parte dos meios de comunicação se encontra alinhada com o que os observadores argutos do mundo inteiro denominam de "pensamento único". Trata-se de fidelidade tridentina ao "fundamento mercantil", expressão encontrada por Celso Furtado para definir esse respeito sacrossanto ao dinheiro e seus frutos, os juros. Quando alguém perturba o chamado "mercado", e ousa dizer coisas tal como elas são, sobre esse alguém desabam as iras dos servidores do bezerro de ouro. Muitos o fazem seguindo a moda, e são os inocentes úteis dos especuladores. Outros têm interesses diretos, que buscam defender. O fato é que, desde que levaram Vargas ao suicídio e tentaram destituir Juscelino, nunca houve uma orquestração tão grande contra um homem público no Brasil, como a que se faz agora contra o governador de Minas Gerais. Os adjetivos variam. Nunca, no entanto, me senti tão seguro da minha posição tanto quanto me sinto hoje. Sempre há entre os contemporâneos dos insatisfeitos os que os identificam como insanos, porque não se submetem à ordem de domínio. Se tentam, com isso, intimidar-me ou intimidar os mineiros, se enganam. Nós podemos ter muitos defeitos e é certo que os temos, mas entre eles não está o da covardia. Nisso não há nenhuma bravata, mas apenas a aceitação serena da responsabilidade. Ninguém pode considerar como descontrole uma atitude firme, obstinada, na defesa dos interesses nacionais. Penso que a consideração se inscreve mais na linha do folclore, como tática maquiavélica dos que desejam escamotear a realidade e desqualificar a importância da argumentação, chegando ao extremo de adotar práticas que têm tentado impedir o governador de defender suas posições nos espaços próprios, como o Senado Federal, que é a Casa de representação dos Estados que constituem a Federação e onde fui, durante 16 anos, representante de Minas Gerais pelo voto direto do povo.

ISTOÉ – O que dizem as pesquisas de opinião que o Palácio da Liberdade está fazendo?
Itamar – O Palácio da Liberdade, no atual governo, não realizou nem está realizando nenhuma pesquisa de opinião pública, tanto por razões de ordem financeira, como porque não se trata de um problema de marketing em torno da figura do governador. O que se sente é que a sociedade mineira, pelos diferentes segmentos que a constituem, está ao lado do governador, por que sabe o que está em jogo: é a própria Federação e a parcela do poder efetivo que cabe a cada Estado. O Brasil é uma república federativa e não um Estado provincial. E Minas Gerais tem a consciência precisa dessa condição, por força de sua história, tradições e cultura. O Estado montanhês é altivo – essa é a sua natureza geográfica e o modo de ser de sua gente.

ISTOÉ – Se o impasse continuar, o Estado de Minas Gerais corre o risco de parar?
Itamar – Minas Gerais está onde sempre esteve e continuará, no coração do Brasil, Estado-síntese que é. Por isso, não há o risco de parar. A administração estadual, sem alarde e sem manifestações inconsistentes, está trabalhando e realizando. Basta comparar dados sobre segurança e criminalidade, verificar os avanços no campo da educação, os projetos em andamento na área de transportes, no setor de assistência social, no campo de saúde e as mudanças de rumo na administração econômica-financeira e no planejamento. Agora valem mesmo a probidade, a responsabilidade com a coisa pública, o símbolo dos exemplos construtivos. Se, eventualmente, por força de retaliações já configuradas, o Estado não puder atender às exigências mínimas no campo social e assegurar a paz e a tranquilidade, tornando-se inadmissível, isto não poderá ser atribuído à responsabilidade do governo de Estado, que não tem se esquecido de suas obrigações fundamentais. Haverá sempre o direito de resistência que vem de tempos imemoriais…

 

L.V.

 

Itamar não paga, mas vende

 

O mercado informal está com o topete alto na batalha Itamar versus FHC. De um lado da praça Sete, no centro de Belo Horizonte, o artista gráfico Carlos Ferrer oferece 40 opções de camisetas com mensagens sobre a crise. Na linha amena, há frases como "Ninguém nivelará as montanhas de Minas", que o governador usou na campanha eleitoral. "Aprendi esta frase com minha mãe, uma mulher de origem alemã que estudava profundamente a história de Minas", disse Itamar a ISTOÉ, ao saber da existência da banca de camisetas. "É provável que ela tenha ouvido a mensagem de outra pessoa." Na linha crítica ao presidente Fernando Henrique, há dizeres como "Antes, era ele ou o caos. Agora temos os dois. Volta para a sala de aula, Fernandinho." Algumas frases contra FHC chegam a resvalar no baixo nível. "Sem querer, FHC resgatou o orgulho de ser mineiro", diz Ferrer, que tem vendido pelo menos 200 camisetas por dia, a R$ 5,90 cada.

Do outro lado da mesma praça, tradicional ponto de encontro de aposentados, a disputa esquentou a bolsa de apostas para saber quem vai ceder. Na hora de colocar em risco o próprio bolso, a maioria ficou com Itamar, cuja cotação disparou, em detrimento de FHC. Ninguém fala em público sobre o jogo, mas, em um abonado grupo de 40 apostadores, quase 90% das cotas de R$ 1 mil cada uma foram descarregadas no governador mineiro. Se Fernando Henrique ganhar a parada, uma minoria de apostadores comemora. Durante o Carnaval, os mineiros também preferiram usar máscaras de Itamar em vez das de Fernando Henrique. Outras opções políticas eram o Bill Clinton e Saddam Hussein. "De todos os produtos que tínhamos, só esgotaram as máscaras do Itamar e da Tiazinha, que vinha com um chicote", conta a vendedora Mônica Audi Moreira, da Edison’s Presentes. Para posar para a foto, Mônica teve de buscar em sua casa uma máscara de Itamar que reservara para a família.

Não se sabe até onde vai a onda Itamar, mas muitos estão pensando no futuro próximo. Especializada na confecção de bandeiras, especialmente de times de futebol, a costureira Domingas Jorge, que vive em Betim, na Grande Belo Horizonte, está revirando o baú de idéias. "Trabalho por encomenda, mas, depois de conversar com um pessoal da CUT e do PT, comecei a bolar uma bandeira com o rosto do Itamar", conta. "Acho que logo, logo, começam os pedidos." Outros querem evitar que o produto de seu setor seja associado a questões políticas. Justamente por isso, a diretora-executiva da Associação Mineira de Produtores de Cachaça, Dirlene Maria Pinto, registrou a marca Moratória. "Foi só uma estratégia de marketing", garante a empresária.