Engaiolaram o corvo. Em quatro anos no cargo, o diretor-geral da Polícia Federal, Vicente Chelotti, passou da condição de ex-sindicalista à de figura intocável da República graças a um poderoso arsenal de segredos do poder, acumulados com métodos pouco ortodoxos, como mostrou o escândalo do Sivam, no qual agentes da PF grampearam assessores do presidente Fernando Henrique Cardoso. Chelotti agora não deve ficar por muito tempo no cargo. Caiu na arapuca que costuma montar para os outros. A revista Carta Capital, que circulou na última sexta-feira 26, revelou que nem o xerife da PF consegue escapar ileso da bisbilhotice dos arapongas sob o seu comando. Publicou uma série de diálogos, colhidos de um conjunto de 38 fitas de conversas entre Chelotti, chefes e agentes da PF, grampeadas dos telefones de Celso Lemos, assessor que, apesar de licenciado por suspeita de desvio de verba pública, continuava atuando como homem-forte, instalado no gabinete ao lado de seu chefe.

Segundo a revista, os telefonemas contêm tramóias da cúpula da PF para manter sob controle a investigação do grampo no BNDES. Celso Lemos envolve-se em brigas sobre partilha de comissões em negócios com precatórios. Chelotti faz também bravatas sobre a sua capacidade de manter-se no poder, apesar das trocas de guarda no Ministério da Justiça e dos inúmeros inimigos colecionados na Esplanada dos Ministérios. "Aqui é macho, macho", gaba-se, em um trecho onde comenta o fato de o ministro da Justiça, Renan Calheiros, não ter conseguido tirá-lo do cargo. Em outro, o diretor da Polícia Federal refere-se assim ao seu antigo superior hierárquico Iris Resende, ex-ministro da Justiça: "Eu já conhecia ele como ministro da Agricultura. Ah, dou-lhe três tapas."

Chelotti, que se vangloria de "ter na mão" o presidente por possuir gravações comprometedoras contra FHC, diz que as gravações entregues à Carta Capital foram editadas. "Essas frases foram ditas em conversas com amigos, mas estão incompletas. Em todos os trechos, falta a primeira parte. Sempre pergunto: ‘Até quando vão continuar com essa história de que eu tenho o presidente na mão?’", alegou Chelotti, na mesma sexta-feira 26. Apesar do desmentido, o diretor da PF, rápido no gatilho, tratou de demitir Celso Lemos. Chelotti acusou também o ex-chefe da Divisão de Entorpecentes Marco Antônio Cavaleiro de estar por trás dos grampos. "Desde junho, sabia que a divisão tinha grampeado os telefones da diretoria. Na época, Cavaleiro justificou que tinha havido um engano porque estavam investigando alguns funcionários." Cavaleiro, recém-exonerado por Chelotti, trabalha hoje como assessor do senador Romeu Tuma (PFL-SP), mas não foi encontrado para rebater a acusação.

A hipótese de que o grampo seja resultado da disputa entre facções rivais pelo poder dentro da PF é mais do que provável. ISTOÉ obteve a informação de que a escuta foi feita por agentes ligados à Federação Nacional dos Policiais Federais, que está em campanha aberta pela destituição de Chelotti. No último número do Jornal dos Federais, um editorial prega a demissão do diretor da PF por causa da "administração catastrófica". Ele, que foi líder sindical antes de assumir o comando, só tem hoje o apoio dos sindicatos do Distrito Federal e do Piauí para manter-se no cargo. "Chelotti está sendo vítima do mesmo esquema sindicalista que o levou ao poder", observou um graduado assessor de FHC. No lugar do atual xerife, a corporação gostaria de ver dois nomes: Nascimento Paulino, que foi o segundo do órgão na gestão de Romeu Tuma, ou Bergson Toledo, atual superintendente em Alagoas. Bergson está em alta por um motivo simples. É amigo de longa data do ministro da Justiça, Renan Calheiros, que, apesar de desejar isso até agora não teve força para derrubar Chelotti, como revelou ISTOÉ na edição passada.

A briga promete. Chelotti mandou abrir um inquérito para descobrir os responsáveis pelo grampo. Independentemente do resultado das investigações, é possível que agora Calheiros ganhe o pretexto que precisa para substituí-lo. É inadmissível que a escuta telefônica, que só pode ser feita com autorização da Justiça ou em situações em que a segurança do Estado esteja comprometida, se banalize a ponto de virar instrumento para guerra de poder entre correntes corporativas. "Essa zorra não pode continuar", desabafou um assessor presidencial. O ministro da Justiça ganhou até um poderoso aliado. O presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), não gostou de saber que Chelotti investigou, como parte do caso da Pasta Rosa, denunciado por ISTOÉ em dezembro de 1995 a existência de uma sociedade entre ele e o ex-banqueiro Ângelo Calmon de Sá na empresa Allied-Trans World Trade Company, das Ilhas Cayman. "Desafio qualquer brasileiro a falar sobre minha moral. É uma coisa tão cínica e tão boba que não posso tratar", irritou-se ACM, negando-se a comentar o assunto.