Imagine um esporte ao ar livre, sério e competitivo, mas que você possa praticar sentado e tomando uma cervejinha. Pois para o homem de meia-idade a pesca embarcada no rio Paraguai é a coisa mais próxima do paraíso – exceto pelo calor infernal. Escolhi Cáceres, à beira do Paraguai, porque todo ano lá acontece o Festival Internacional de Pesca, considerado o maior do mundo. O prefeito Aloísio Coelho de Barros conta que foram investidos R$ 700 mil no evento para atrair quase o dobro da população da cidade – 150 mil visitantes, que deixarão por lá mais de R$ 2 milhões.

Estou a bordo do Mamoré, com o guia Juarez de Matos no leme, a uns cinco quilômetros ao norte de Cáceres, cidade que é porta de entrada para o Pantanal de Mato Grosso. A água é marrom-esverdeada e o Paraguai está calmo. O Mamoré é um barco de metal com seis metros, impulsionado por um motor de popa de 25 HPs. É a embarcação apropriada para a pesca fluvial. Vamos a todo motor, cerca de 15 nós. O nó é quase o dobro do quilômetro por hora, só que muito mais caro, porque a pescaria não é um esporte barato. Um barco com um guia custa R$ 150 por dia, fora a cerveja. Um bom equipamento – vara, carretilha e outros apetrechos – não fica por menos de R$ 400. E ainda tem a passagem de avião, o aluguel do carro e a hospedagem. Pode-se escolher, por exemplo, ficar numa pousada à beira do rio, com piscina, ou num barco-hotel, por R$ 250 a diária, com toda a mordomia. Roupas também são importantes. Um colete cheio de bolsos deixa qualquer um com ar de pescador profissional. E o chapéu é indispensável. Sou um cara que adora se proteger do sol colocando coisas engraçadas na cabeça. Às vezes uso até escorredor de macarrão, mas o chapéu de pescador foi a coisa mais ridícula que já usei.

Juarez parou o barco na margem. Estamos atrás de dourado, mas antes precisamos de algumas iscas. Minha função é segurar a vara com um grão de milho espetado no anzol – e esta é toda a técnica necessária para ser um pescador. Juarez vai “cevando” o peixe enquanto eu vou ficando só na “ceva”. Cevar o peixe é jogar farelo de milho na água para atraí-lo; ceva dispensa tradução. Estava na quinta lata de cerveja, já deitado no barco, quando então aconteceu: eu fisguei um peixe! Senti a beliscada na linha e comecei a enrolar a carretilha. Minha voz subiu duas oitavas e eu gritava de alegria. Há uma grande excitação quando um peixe é fisgado – muito dela por parte do peixe, é claro. Era uma sardinha de uns 30 centímetros (está bem, dez), uma iguaria para o dourado. Ainda fisguei mais dois pacupevas desse tamanho, que, num gesto ecológico, devolvemos ao rio. Eu me revelava um atleta e tanto. Mais um pouco de treino e poderia me tornar uma séria ameaça ao Pantanal.

Pegar e soltar – Confiantes, partimos em busca do troféu mais almejado pelos pescadores do Paraguai: o dourado. Mas, se pescarmos algum, teremos de devolvê-lo ao rio. Não existem mais tantos dourados como antes e eles são um prêmio tão cobiçado que muitos pescadores os deixam em liberdade. Isso deve parecer insano para quem não é pescador, mas esta é a filosofia do “pegue e solte” – o negócio é não matar o peixe, apenas atormentar a vida do pobre animal. Existe, em suma, uma certa futilidade na pesca esportiva.

Juarez estacionou o barco na esquina com o rio Cabaçal, um afluente do Paraguai. Estamos em plena selva. Por todo lado que se olhe, a vida selvagem floresce com exuberância. E tem um dourado saltando bem ali no meio do rio! Rapidamente lancei a isca. Para pegar o dourado, o que pode levar o dia inteiro, é necessário fazer isso dezenas de vezes. E para tirar o bicho da água são outros 20 minutos de luta. Para pescar é preciso gastar dinheiro e tempo. Algumas horas depois, com o calor do meio-dia batendo forte, troquei a pesca por um banho de rio. Ao vestir o calção, me lembrei das sábias palavras do compositor Moreira da Silva – “Em rio que tem piranha, jacaré nada de costas.” Juarez me tranquilizou: “Tem bastante piranha, mas pode ficar sossegado que elas não atacam. E é o jacaré que come a piranha.” Ah, bom.

Como se vê, pescaria não tem nada a ver com os encantos da natureza, tampouco com o seu brilhante planejamento. A natureza é cruel. As piranhas são um bom exemplo disso. Com a matança dos jacarés do Pantanal no final dos anos 80, que ameaçou a espécie de extinção, as piranhas – um dos pratos preferidos do jacaré – proliferaram a ponto de virarem suvenires empalhados (como pode alguém querer algo tão feio exposto na sala de visitas?). Hoje, com a ajuda de vários grupos ecológicos, o nosso amigo jacaré conquistou quase tudo, menos o direito ao voto. No ano que vem, ele estará fora da lista dos animais em perigo de extinção feita pela Unesco.

Na pesca, ocupamos nosso lugar na cadeia alimentar da natureza – e uma das boas coisas da meia-idade é saber exatamente onde você se encontra. Eu, como vimos, estou acima da sardinha e abaixo do dourado. Pois é, a natureza é cruel e fútil, mais ou menos como os homens de meia-idade – e esta é uma pista para os prazeres da pesca embarcada. A outra é que você precisa ir para bem longe da mulher, das crianças, do trabalho e da bicicleta ergométrica.

Siriri e cururu – As praças de Cáceres ficam lotadas de gente e o grande barato é beber cerveja em mesa de calçada assistindo ao desfile. Depois vai todo mundo para os clubes populares para dançar os ritmos locais, como o rasqueado, o siriri, o cururu – e convém parar por aqui. O festival foi no domingo 26. Começou às 8 da manhã, com os 487 barcos inscritos rumando em procissão, Paraguai abaixo. Cada barco leva uma equipe de três pescadores mais o “piloteiro”, que é como chamam o sujeito que leva o barco. Em três quilômetros de rio se aglomeram pelo menos 1.500 mil pescadores, mas os peixes são poucos e no final do torneio, às 4 da tarde, menos de 500 foram pescados.

Aqui é um bom lugar para se praticar o mote do velho repórter: não acredite em nada do que escutar. É impressionante como pescador costuma mentir com a maior cara-de- pau. Geralmente começa assim: “Nunca, em toda a minha vida…” Por isso existem os fiscais, que medem os peixes fisgados. Como tudo na vida, pescar também depende um pouquinho da sorte. Foi o que aconteceu com Celso Miura, um garoto de 13 anos – pelo final da tarde ele fisgou um dourado de 84 centímetros sem nenhum esforço. Abestalhado com a façanha e com o assédio dos fotógrafos, tudo o que ele conseguiu dizer foi: “Será que dá para ganhar o prêmio?” Deu. Celso devolveu o peixão ao rio, mas levou para casa um carro zerinho.