Empurrado pelas denúncias de envolvimento do chefe da Agência Brasileira de Informação (Abin) no Rio, João Guilherme dos Santos Almeida, no grampo do BNDES, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Alberto Cardoso, teve de afastá-lo do cargo na quarta-feira 29.

Muito tempo antes da decisão, no entanto, já havia nos arquivos do órgão dados suficientes para colocar em dúvida a conduta de João Guilherme, 50 anos. Em janeiro de 1996, a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), atual Abin, recebeu documento com denúncias cabeludas contra ele. Na ocasião, o engenheiro eletrônico e hipnoterapeuta Paulo Renaud o acusou de – um ano antes – “praticar extorsão e convidá-lo para participar de sequestros de pessoas que ele já havia selecionado”. João Guilherme teria também exigido uma comissão sobre a venda ao Serviço Reservado da PM do Rio (PM2) de equipamentos de inteligência fabricados pela empresa do engenheiro – a Renaud Engenharia e Sistemas.

Além disso, segundo Renaud, João Guilherme foi truculento ao ameaçar fechar as portas dos compradores do governo à sua empresa. “E a minha comissão de um terço? Que se foda a instituição”, teria dito João Guilherme, segundo o relatório de Renaud.

As informações foram encaminhadas à SAE e se transformaram numa sindicância instituída em 9 de fevereiro de 1996 pela portaria 011/SSI/SGPR. ISTOÉ teve acesso ao documento por intermédio do deputado federal Maurício Garcia (PSDB-RJ), o Coronel Garcia. O parlamentar afirmou que em novembro de 1998 – mês em que o escândalo do grampo no BNDES veio à tona – procurou o general Cardoso para entregar-lhe o processo. “Esse é um caso delicado que tem de ser apurado e não comentado”, disse Garcia, que está colhendo assinaturas para instalar a CPI do grampo.

Apesar disso, o general negou ter conhecimento de qualquer documento acusando João Guilherme de tentativa de extorsão ou de sequestro. Nem tem provas contra Temílson Resende, o Telmo, suspeito número 1 do Ministério Público. “Não pretendemos poupar ninguém diante de provas nem acusar sem provas, até porque sem elas a Justiça vai anular qualquer iniciativa”, afirmou.

O general reconhece que a imagem da Abin ficou arranhada pelas denúncias, mas afirmou que a instituição não investiga, apenas faz análises para a Presidência da República. A timidez com que o general Cardoso agiu na semana passada no caso do grampo reforçam a tese de que há com os arapongas mais fitas que estariam servindo para chantagear e amolecer o governo Fernando Henrique Cardoso. Até agora, o general não demitiu um único agente envolvido no caso. Ele apenas afastou de suas funções João Guilherme e Telmo, que mantêm seus empregos na Abin.

O dossiê de Renaud foi encaminhado à SAE por intermédio da Central de Inteligência de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro e protocolado sob o número 0145/0002, de 4 de janeiro de 1996. No documento, Renaud afirma ter anexado gravações de um intermediário – o funcionário da Abin Geraldo Costa Araújo – dizendo que iria fazer chegar à conta de João Guilherme o valor de R$ 4 mil pagos pelo engenheiro a título de comissão. Uma cópia do cheque, emitido no dia 19 de outubro de 1995, nominal ao funcionário Geraldo, também foi anexada ao processo.

Ciúme – “Ele passou a exigir a comissão, pois nas suas contas eu estava ganhando muito dinheiro e não seria justo que ele não ganhasse. Disse que eu não conseguiria vender mais nada porque era amigo de todos os chefes dos órgãos de informação”, relata Renaud no dossiê. Em 27 de fevereiro de 1996, menos de um mês após a denúncia, a Secretaria Geral da Presidência da República convidou o engenheiro Renaud para prestar depoimento sobre o assunto no 11º andar do prédio do Ministério da Fazenda, no Rio. Procurado por ISTOÉ, o hipnoterapeuta confirmou as denúncias, mas de sua parte considera o caso encerrado. “O que tinha de fazer, já fiz”, diz Renaud, 54 anos.

O engenheiro tem um currículo vasto e eclético. É campeão brasileiro de ultraleve, paráquedismo e caratê; é formado em engenharia eletrônica e telecomunicações; tem mestrado em hipnoanestesia e doutorado nos EUA em hipnoterapia. Renaud vende seus serviços de engenheiro e hipnoterapeuta às polícias civil, federal e militar. Através da hipnose, ele ajuda vítimas na confecção de retratos falados.

Renaud diz que, por essas características, João Guilherme teria lhe procurado para colaborar no trabalho da agência. O ex-chefe da Abin também figura no relatório do ex-agente Célio Rocha como “parceiro” de Telmo na execução do grampo do BNDES. Seu advogado, José Carlos Tórtima, não rebate as denúncias feitas por Renaud. Também garante que o general Cardoso em nenhum momento teve intenção de punir João Guilherme. “Pelo contrário. Ele foi transferido de função para preservá-lo.” A exposição pública causada pelas denúncias seria incompatível com o cargo de chefe do serviço secreto no Rio.