Uma estratégia consagrada na Primeira Guerra Mundial está inspirando o governador Itamar Franco. Ele está cada vez mais disposto a travar com o governo federal uma "guerra de posição", aquela com lento avanço de terreno, mas muitas baixas. "As nossas trincheiras estão prontas e nelas vamos resistir enquanto for possível", anunciou na quarta-feira 24, durante encontro com sindicalistas acostumados a detonar explosivos em busca de minerais. No dia seguinte, não cedeu um milímetro ao aviso de que o presidente Fernando Henrique Cardoso havia acenado com a possibilidade de trégua. "O presidente falou em bandeira branca? Mas ele acaba de bloquear mais R$ 17,5 milhões em ICMS de Minas…", ironizou. No seu plano de batalhas, porém, o que está em jogo não são apenas "as migalhas que fazem falta e estão bloqueadas", mas a condução da política econômica e os ataques disparados por Brasília contra os que não se alinham nas fileiras de FHC. Apesar de não citar o nome do presidente, o governador não se conforma em ter sido comparado a Silvério dos Reis, o delator da Inconfidência. "Traidor é quem se curva ao capital internacional", contra-ataca.

Diante do poder de fogo do governo federal, Itamar parte agora para a conquista de corações e mentes. O primeiro movimento nesta frente aconteceu na sexta-feira 26, quando falou para mais de dois mil estudantes que, debaixo de chuva, apresentaram-se no Palácio da Liberdade. "Itamar é meu amigo, mexeu com ele mexeu comigo", era o refrão dos cara-pintadas, que pouco antes de chegar à sede do governo queimaram um Judas com as feições de FHC. Nos próximos dias, o governador despacha equipes precursoras para 22 cidades-pólo do território mineiro, com a missão de atrair novos soldados para a causa. Aliados de outros Estados já aderiram ao movimento. "Vim atender à convocação de Itamar e me alistar nas fileiras de Minas", disse na sexta-feira o senador Roberto Requião, encabeçando um grupo de 15 deputados do PMDB do Paraná. Pouco depois, foi a vez de 100 prefeitos mineiros comparecerem ao quartel-general de Itamar.

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Itamar Franco está certo ou errado na sua briga com o governo federal?

Com 22.732 acessos na Internet, a disputa pelo pódio da razão foi acirrada. "Itamar está fazendo o que já deveria ter feito. Afinal, até quando vamos ser burros de carga desses miseráveis do Primeiro Mundo?", indignou-se Antônio Gomes, de Volta Redonda (RJ). "Antes achava Itamar irresponsável, agora acho que precisa de tratamento médico", escreveu Raimunda Guedes, de Brasília (DF). A rebeldia do governador foi referendada com uma vantagem de 6,6 pontos.

 

 

Nas ruas de Belo Horizonte, cujo trânsito foi interrompido diversas vezes na semana passada por manifestações contra FHC, só se fala no embate com o governo federal e os reflexos da política já chegaram ao comércio. Como ocorre em todas as guerras, há divisão de opiniões, com os contrários à resistência proclamada por Itamar creditando o prolongamento do impasse à inflexibilidade de ambos os lados. "O que Itamar Franco está fazendo só tem um precedente em Minas. Foi quando Magalhães Pinto liderou um golpe militar travestido e fantasiado de revolução", dispara o escritor Roberto Drummond. "Por outro lado, Fernando Henrique tem de negociar. Quando mandou o Pimenta da Veiga (adversário histórico do governador), foi como jogar um fósforo aceso na gasolina."

Sintonia fina Pela movimentação atrás das trincheiras, o momento não é propício para se atear mais fogo. "A Polícia Militar está tão afinada com o governador que, se ele decidisse marchar para Brasília, as tropas marchariam junto", diz o deputado federal Cabo Júlio (PL), o líder da rebelião policial de 1997 que terminou as últimas eleições como o recordista de votos em Minas. A sintonia de Itamar com a PM começa, de fato, no alto comando, com quem o governador promoveu uma reunião secreta para discutir táticas de resistência, e se espalha pelas bases. Uma de suas primeiras determinações ao assumir o Palácio das Mangabeiras, a residência oficial do governador, foi mandar construir uma caserna para a guarda, que tirava turno de 24 horas descansando em cadeiras em volta de uma pequena mesa. Quando descobriu que seu rancho, ou melhor, que seu almoço era diferente daquele servido aos policiais, ordenou ao cozinheiro preparar um cardápio único.

No papel de general, Itamar também inovou, recrutando como ajudante de ordens uma bela morena, a tenente Flávia Noronha, 25 anos. No cotidiano, para tomar as decisões mais importantes, o governador costuma discutir longamente com seu Estado-Maior – os secretários Henrique Hargreaves e Alexandre Dupeyrat, além do advogado José de Castro e do embaixador José Aparecido de Oliveira – e tomar a decisão sozinho, anunciando-a mais tarde. Um dos livros que mantém na cabeceira da cama é o Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano de 1720, de Laura de Mello e Souza, sobre a revolta ocorrida na antiga Vila Rica contra o poder central, na época Portugal.

Como todo guerreiro, o governador tem também momentos de ternura. Ele mesmo contou a ISTOÉ que se emocionou profundamente ao receber um poema da senadora petista Heloísa Helena (AL). "Apenas os covardes se assustam com a coragem. Apenas os medíocres se curvam diante do poder", são os primeiros versos escritos por Heloísa Helena. "Pretendo visitá-la em Brasília, quando for encontrar-me com os senadores do PMDB", disse o governador, referindo-se à reunião marcada para esta terça-feira. Nos bastidores do poder, os otimistas acreditam que a exposição de Itamar Franco aos senadores correligionários pavimentará o caminho do entendimento com o governo federal. "Se o presidente acha que a bandeira branca da rendição vai brotar das trincheiras de Minas está muito enganado", opina o deputado federal Virgílio Guimarães (PT). De qualquer forma, o importante, na hora de assinar o tratado de paz, é que os problemas detonadores da crise sejam, de fato, resolvidos. No caso da Primeira Guerra Mundial, que terminou com a Alemanha assinando o Tratado de Versalhes, as feridas que seguiram abertas foram tão profundas que acabaram provocando, 27 anos depois, um conflito ainda mais devastador.

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