Ao comparar a diferença entre mulheres e homens no poder, a então primeira-ministra britânica Margaret Thatcher afirmou o seguinte: “Na política, se você quiser que algo seja dito, peça para um homem. Se quiser que algo seja feito, peça para uma mulher”. A líder conservadora, que morreu aos 87 anos na segunda-feira 8, em decorrência de um derrame, teve uma biografia condizente com a frase acima. Thatcher se tornou uma estadista de influência global pela firmeza com que colocou em prática as suas convicções, mesmo aquelas consideradas antipopulares. Enquanto esteve à frente do governo do Reino Unido, entre 1979 e 1990, enfrentou um vigoroso movimento sindical, conviveu com constantes protestos e adotou medidas ultraliberais que viriam a alterar o panorama econômico britânico e serviriam de receituário para outras nações. No plano internacional, comandou a reconquista das Ilhas Malvinas, em 1982, após a ocupação do arquipélago por tropas argentinas, e exerceu papel fundamental nas reformas que levariam ao fim da União Soviética. Primeira mulher a liderar uma potência mundial, Thatcher também abriu caminho para outras chefes de Estado que, como ela, se revelaram tão duronas quanto competentes, ainda que não alinhadas com os seus ideais. Fazem parte dessa linhagem de ferro nomes como o da chanceler alemã Angela Merkel e da presidenta brasileira Dilma Rousseff.

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Margaret Thatcher
1925 – 2013

Antes de Margaret Thatcher, o Reino Unido era um país mergulhado em grave crise econômica e temeroso de seu futuro enquanto potência mundial. Sob certo aspecto, ela devolveu aos britânicos um valor que sempre foi muito caro a eles – o orgulho de pertencer a uma nação rica, influente e poderosa. Qual foi o milagre operado pela primeira-ministra? Thatcher seguiu à risca a cartilha dos conservadores e, assim, promoveu grandes transformações. Acima de tudo, teve a coragem de implementar medidas antipopulares, como o aumento de impostos e a retirada de apoio a setores deficitários, numa época em que as políticas de austeridade não eram tão disseminadas quanto hoje em dia. Basta observar o que acontece na Europa atual para perceber como Thatcher foi precursora de muitas das ações agora adotadas em diversos países – e defendidas com vigor por Merkel, talvez sua principal herdeira política. Além de cortar gastos públicos, Thatcher privatizou empresas estatais e fechou aquelas consideradas financeiramente inviáveis. Para o serviço público, adotou parâmetros inspirados na iniciativa privada, o que reduziu custos e aumentou a produtividade. A primeira-ministra também retirou as excessivas regulamentações do sistema financeiro, atraindo assim mais investidores para a economia britânica. Por mais paradoxal que possa parecer, foi necessária a ação firme de uma conservadora para modernizar o país.

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Para a maioria dos britânicos (e até para os críticos de Thatcher), um de seus maiores méritos foi reverter o processo de perda de relevância política do Reino Unido no cenário internacional. Em 1982, a primeira-ministra superou uma crise interna de popularidade ao liderar a retomada militar do arquipélago das Malvinas, ocupado pelas Forças Armadas da Argentina. Mas foi ao estabelecer uma parceria com o presidente americano Ronald Reagan que a Dama de Ferro revelou sua verdadeira vocação como líder global. Dona de uma posição convicta contra o comunismo, formou com o líder americano uma frente de resistência a Moscou e a nações alinhadas com o regime soviético. O apoio de Thatcher e de Reagan ao dirigente soviético Mikhail Gorbachev foi fundamental para o processo de abertura que levaria ao fim do regime comunista. Os britânicos reconhecem seu legado. Uma pesquisa  publicada na terça-feira 9 pelo jornal inglês “The Guardian” revelou que metade deles considera positiva a administração Thatcher. Outros 34% avaliaram de forma negativa seus três mandatos consecutivos, enquanto 11% afirmaram que ela foi regular. O mais surpreendente é que, passados 23 anos desde que ela deixou o poder, apenas 5% não têm opinião formada a seu respeito. Ou seja: para o bem ou para o mal, Thatcher inegavelmente fez história.

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Uma conhecida frase dela – “Não sou uma política de consenso e sim de convicções” – mostrou-se verdadeira após sua morte. Se milhares de britânicos choraram o fim da Dama de Ferro, muitos outros preferiram ir às ruas para comemorar. Em cidades como Manchester, Brixton e Glasgow, manifestantes gritaram palavras de ordem contra Thatcher e a acusaram de ter privilegiado os interesses do capital em detrimento da população. Líder do Sindicato Nacional dos Mineradores, David Hopper sintetizou o rancor que persiste até hoje. “Ela se esforçou para nos destruir”, disse. Sofrendo de Alzheimer, Thatcher não se manifestava publicamente desde 2002 e, há pelo menos sete anos, estava senil. Há muito tempo, portanto, a Dama de Ferro não era mais capaz de entender o mundo que a cercava. Não precisava. Ela própria havia transformado o mundo.