12/04/2013 - 20:40
PATRULHA
“Tentam desmerecer meu trabalho artístico em
função da minha militância de esquerda”, diz ele
O ator José de Abreu, 66 anos, diz não seguir nenhuma religião,mas acredita que, há pouco mais de um ano, depois de ter levado para casa um cão da raça lhasa apso, sagrada para os tibetanos, sua vida mudou para melhor. De fato, nesse período, seu personagem Nilo conquistou o público da novela “Avenida Brasil”. No teatro, fez sucesso com a peça “Bonifácio Bilhões”, em cartaz em São Paulo. E até com o que diz nas redes sociais vem conquistando popularidade. No Twitter, tem cerca de 70 mil seguidores, que se surpreenderam com a revelação da bissexualidade do ator, casado há quatro anos com a psicóloga Camila Mosquella e pai de quatro filhos de outras relações. À ISTOÉ, disse: “Nunca tive relação sexual com outro homem, mas resolvi dizer que era bissexual.” Foi uma forma de protesto, diz ele, que só acirrou os ânimos de quem já o criticava por sua militância de esquerda. Nesta entrevista à ISTOÉ, o ator admite a possibilidade de se candidatar a deputado, condena a falta de ética da política, mas defende os condenados pelo mensalão, e ataca o presidente do Supremo Tribunal Federal.
"O José Serra destampou os esgotos do moralismo
durante a campanha presidencial de 2010”
“O Barbosão (ministro Joaquim Barbosa)
está se revelando um ditadorzinho de quinta categoria"
Dizem que o sr. está patrulhando as pessoas…
Não patrulho. O que sinto muito claramente é que sou perseguido por minhas posições políticas. Tentam desmerecer meu trabalho artístico em função da militância de esquerda. Alguns me xingam de figurante de terceira porque eu defendo o PT. Isso me incomoda porque é um desrespeito ao direito de cidadão. Nunca fui cobrado por conta das minhas posições políticas na Globo. Tem também integrantes da classe artística, como os cantores Lobão e o Roger, do Ultraje, que me criticam pelos mesmos motivos. É uma forma de me censurar.
Mas o João Barone, do Paralamas do Sucesso, o chamou de patrulheiro.
Porque eu mostrei que ele estava mal informado. O Barone criticou a presidenta Dilma por ter feito cobranças em relação aos resultados da Comissão da Verdade. Deve ter relação com o militarismo dele, com o fato de o pai ter lutado na Segunda Guerra Mundial. Só que ele usou um mau exemplo. Disse que ela deveria cuidar da seca do Nordeste uma semana depois de ela ter visitado Pernambuco para tratar do problema. Foi uma posição muito primária.
O fato de ter aparecido em foto no palanque da Dilma na comemoração da eleição lhe rendeu problemas?
Foi um reconhecimento do pessoal de campanha pela ajuda que dei. Eu me emocionei quando Dilma falou nos presos políticos. Não preciso ser papagaio de pirata da Dilma. Tenho meu espaço. Faço novela das oito. Mas é melhor ser papagaio de pirata do que ser poleiro de tucano (risos).
A perseguição a que o sr. se refere aumentou depois que se declarou bissexual?
Foi uma atitude de protesto. Nunca tive relação sexual com outro homem, mas resolvi dizer que era bissexual por causa do acirramento da homofobia. Um exemplo disso foi o rapaz agredido com uma lâmpada no rosto em São Paulo. Não era gay, mas estava junto de um amigo que é. Assim como um pai que estava abraçado com o filho e também foi agredido seriamente. Senti que a minha declaração bateu. Estou sentindo o preconceito todo dia. Criaram até a hashtag “zedia”, para falar mal de mim. O Lula teve um insight num comício e falou: o preconceito é a pior das doenças.
O que o sr. achou de a cantora Daniela Mercury ter assumido um relacionamento homossexual?
Achei maravilhoso. Um gesto de grandeza, fiquei muito feliz. Depois que fiz minha declaração no Twitter, teve gente dizendo que não “comeria” um velho. Há todo tipo de preconceito, inclusive contra os velhos.
Depois de sua experiência, ainda acredita que o fato de um artista assumir a homossexualidade é uma forma de enfrentar a homofobia?
Acredito. O exemplo do artista ajuda, repercute muito. Mas temos que lutar contra a homofobia de forma mais institucional, como um princípio de Estado, assim como contra a pedofilia e a agressão à mulher.
Esse não é um discurso de candidato a deputado?
Estou pensando nessa possibilidade, e devo decidir até outubro. Meus amigos e minha família não querem, mas o PT quer. O José Dirceu (ex-ministro, condenado no mensalão) acha que é uma roubada. Já o Lula acha que, na minha atual posição, eu tenho mais importância do que como deputado, mas também torce pela minha candidatura. A Dilma me incentivou e disse que eu poderia deixar a vaga para o suplente, caso não gostasse. Mas para mim seria muito duro me eleger e ficar quatro anos sem representar os eleitores. Também não posso estar no ar numa novela durante a campanha e, no momento, estou estudando dois trabalhos. Tenho que avaliar tudo isso, inclusive que minha renda vai diminuir.
Quanto custaria uma campanha?
Acho que uns R$ 3 milhões. O PT deve me ajudar, mas não chegamos a sentar para fazer os cálculos. Essa é uma avaliação de especialistas. Terei que pedir ajuda de empresários para financiar a campanha.
Os políticos que se elegem e roubam o dinheiro público caem na mesma contradição do seu personagem na peça “Bonifácio Bilhões”?
A peça, nesse sentido, é uma parábola da situação dos políticos comunistas ou socialistas que traem suas convicções depois de eleitos. O meu personagem, o Walter, promete dividir o prêmio da loteria se o palpite do vendedor de goiabadas for sorteado, mas, depois que ganha, se recusa a cumprir a promessa e é acusado de ser socialista da boca para fora. Ele representa pessoas que traem seus princípios quando ganham autoridade. Percebemos que entre o público a maioria pensa como o Walter e não dividiria o prêmio.
Não foi isso o que aconteceu com o PT, que, para se manter no poder, fez alianças com o PR e até com Paulo Maluf?
O PT faz isso com muita dor, mas continua fiel à política de acabar com a miséria. Para atingir um objetivo maior, é preciso ceder em alguma parte.
Até na questão ética?
Ética é ética, mas a postura individual é diferente da de um partido. Fazer alianças é a única solução nesse nosso sistema presidencialista com algumas características parlamentaristas. Então, para garantir a governabilidade, tem que montar 40 ministérios e incluir o PR, que às vezes joga contra, e o PSC, do pastor Feliciano.
Essas posturas não acabam reforçando politicamente a onda conservadora que se vê no Congresso?
Essa onda começou com o José Serra. Ele destampou os esgostos do moralismo na campanha presidencial de 2010. Trouxe todos aqueles apelos antiaborto. A mulher dele chamou a Dilma de “aborteira” e, depois, descobriu-se que ela disse, numa aula na Unicamp, que tinha feito um aborto. Acho que a gente tem que se organizar do outro lado, porque eles são agressivos. A homofobia é algo agressivo. De repente, o sujeito resolve ser fiscal da bunda alheia.
O sr. acredita que o José Dirceu será preso?
Não sei se vai chegar a tanto. As coisas estão começando a se complicar para o Supremo. O Barbosão (ministro Joaquim Barbosa) está se revelando um ditadorzinho de quinta categoria. Agrediu os juízes, mandando todos calarem a boca, e chamou o Congresso de “sorrateiro”. Xinga repórter de palhaço. Agora quer ir para a Costa Rica para evitar que os réus do chamado mensalão recorram. Está com medo? O que vai fazer na Corte Interamericana de Justiça na Costa Rica? O que corre hoje em Brasília nos meios jurídicos é que o procurador-geral (Roberto Gurgel) conhecia o jeito do Barbosa e começou a botar fogo. O José Dirceu deveria ter sido julgado na primeira instância. Não era mais deputado. Deveriam fazer como fizeram com o mensalão do PSDB.
A política virou questão de Justiça?
O que sei é que não é bom judicializar a política. O Roberto Freire (deputado do PPS paulista) é um caduco, como todo mundo sabe, e passa 24 horas por dia no Twitter falando mal do Lula. Ele e o Sérgio Guerra (presidente do PSDB) recorrem ao STF por tudo. Só gastam dinheiro do Supremo e não dá em nada. Até questão de cotas levaram ao Supremo.
O sr. segue alguma religião?
Não, mas também não sou ateu. O Deus cristão como uma figura é uma bobagem, mas talvez haja alguma energia cósmica que seja o resultado da soma da energia de cada um de nós. Acredito que sejamos parte de um grande todo. A intuição do ser humano é para o bem. Fui seminarista católico, fui coroinha, toquei sino de igreja. Quando fui para Pelotas, em 1974, comecei a frequentar um centro espírita. Depois, em Amsterdã, meditava, fazia ioga, cantava mantras indianos, estudei religiões hinduístas. Já quando meu primeiro filho morreu aos 21 anos, voltei a frequentar um centro espírita para segurar o baque, mas não frequento mais nada. Acho que não precisamos de intermediários.
O que o sr. acha do modelo de financiamento da cultura?
Eu mudaria muito. A ideia básica da Lei Rouanet era ajudar quem não tinha o privilégio de conseguir recursos. Hoje, faz Réveillon na avenida Paulista e até escola de samba.
Como foi sua preparação para viver no cinema o Manuel, de “Meu Pé de Laranja Lima”?
A preparação durou dois anos. Imagine interpretar um português que mora aqui há 50 anos e não quer ter sotaque. Ele tem um resquício de sotaque.
Acha que “Meu Pé de Laranja Lima”, que já foi filme e até novela, ainda pode comover o público?
Acho que sim, porque é uma história muito emocionante e singela.