Outro esqueleto do Bamerindus deverá atormentar o Banco Central. Um ex-gerente e correntistas do interior de Santa Catarina acusam o banco de cobrar taxas inexistentes, num esquema similar ao que veio à tona, em setembro de 1997, quando ISTOÉ revelou o escândalo de fabricação de tarifas do Banco Bandeirantes, agora comprovado pelo BC. Cartas enviadas em 1992 pela supervisão da então terceira maior instituição financeira privada do País ao gerente da agência de Tubarão, 150 quilômetros ao sul de Florianópolis, determinavam: a meta era cobrir até 75% dos custos com folhas de pagamentos e encargos utilizando a cobrança de tarifas. Segundo a denúncia, os funcionários já sabiam a receita: aplicar juros e taxas inexistentes nos correntistas. A acusação é do ex-funcionário Donato Pereira, que trabalhou no Bamerindus de 1978 a 1997 – primeiro em Tubarão, depois em Criciúma – e foi demitido quando ocupava o cargo de gerente-adjunto. Em abril de 1999, munido de documentação contra o banco, Donato fez uma denúncia à Promotoria Pública de Tubarão, que encaminhou o caso ao Ministério Público de Santa Catarina. A acusação chegou até a delegacia do BC, em Porto Alegre, que em 14 de julho enviou uma carta à promotoria informando: “O assunto foi anotado para objeto de análise em futuras fiscalizações no HSBC Bank Brasil S.A. – Banco Múltiplo, sucessor do Banco Bamerindus S.A.” Na prática, nada aconteceu.

Mas como eram feitas as operações? O ex-funcionário Donato explica que mensalmente escolhiam-se contas correntes nas quais seriam debitados valores referentes a juros e taxas. Ele afirma que a agência preferia debitar essas quantias de correntistas (tanto pessoas físicas quanto jurídicas) que não acompanhavam atentamente a movimentação e faziam uso constante do cheque especial. “Assim, o cliente não estranhava muito quando via as cobranças”, explica. Se alguém fosse pedir explicações, a recomendação na agência era usar o “poder de convencimento” para desestimular a queixa. Só em último caso, eram feitas devoluções. “De cada 200 lançamentos, nem dez chegavam a ser estornados. Muita gente nem sequer conferia seus extratos”, calcula Donato. Curiosamente, o procedimento já havia sido detectado por uma auditoria interna do banco em 1991. Naquela vistoria, o auditor identificou em dez dias lançamentos irregulares em contas de 258 clientes, totalizando Cr$ 250.372,15 (cerca de R$ 1.200). Em seu relatório, ele acrescentou que esta era uma “prática rotineira na unidade”. Um ex-gerente da rede em Santa Catarina, que prefere não ser identificado, admite que essas ações eram praxe nas agências e que seguiam as determinações da diretoria do banco.

Se durante anos o procedimento foi adotado sem que a maioria dos clientes percebesse, agora, com a denúncia de Donato, alguns dos lesados estão se manifestando. Catorze correntistas da agência de Tubarão se preparam para entrar com ações indenizatórias. O advogado Jailson Pereira, que cuida de todos os processos, estima que cada um pode gerar ressarcimentos de até R$ 150 mil. A principal dificuldade é reunir todos os extratos bancários dos envolvidos. O único que guardou tudo foi Júlio César Dias Medeiros, que abriu uma conta para sua empresa – a Pelicano Cozinhas – em 1988 e deixou de movimentá-la em 1996. O ex-correntista assume que, por entrar constantemente no cheque especial, era difícil ter um controle rigoroso da sua conta, mas que alguns débitos lhe causavam estranheza. “Eu desconfiava e por isso arquivei os extratos, mas, quando ia ao banco pedir explicação, eles me diziam que estava tudo certo”, conta Medeiros.

Um levantamento inicial mostra que débitos mal explicados na conta da Pelicano batem com relações internas de lançamentos produzidas pela agência. Segundo Donato, essas listas eram feitas todo mês com os clientes e os valores escolhidos aleatoriamente para cobrança das tarifas. De acordo com a Cia Contábil, perícia encarregada de levantar e atualizar os valores envolvidos nos débitos indevidos, as primeiras avaliações da documentação dos correntistas indicam que os lançamentos variavam entre R$ 20 e R$ 1 mil (em valores atuais). Agora, resta à Justiça e ao BC avaliar a extensão desses golpes.