Podia ser roteiro de filme, uma versão nordestina para O paciente inglês, onde o aviador sobrevive à queda. Mas, em maio de 1948, aquele foi um dia de cão para os passageiros de um monomotor da Força Aérea Brasileira. No litoral sul do Ceará, em uma pequena vila de pescadores, hoje descoberta pelos turistas, a Prainha, o T-6 caiu de nariz, derrubando pelo caminho parte de um coqueiral.

O piloto Luís Mororó, 79 anos, e a rendeira Francisca Maria da Conceição, a Chica Boneca, 87, se encontram a cada 15 dias para relembrar. Há 51 anos a Segunda Guerra Mundial havia terminado, mas a Aeronáutica ainda fazia treinos de bombardeio. Chica Boneca costumava ficar no terreiro da casa simples, manipulando os bilros na almofada de fazer renda enquanto os aviões passavam em disparada. Mas, um dia, um deles veio baixo demais, caindo como uma flecha.

Na cabine do piloto, Mororó queria mais que sobrevoar a região. Talvez funcionar como cupido para um tenente, único passageiro, que tinha uma noiva nativa da Prainha. A intenção era voar baixo pela praia e fazer, numa exibição particular, piruetas para a namorada do amigo. Os dois não contavam, no entanto, com uma emergência. Um B-25, um bombardeiro bimotor, apareceu de repente, em sentido contrário. O T-6 de Mororó, deixando uma asa pelo caminho, partiu-se e caiu no Japão, um bairro da Prainha.

Chica Boneca chegou primeiro à praia. Sozinha, tirou o aviador desmaiado da fuselagem. Depois de arrastá-lo até sua casa, o colocou na rede e tentou os truques do interior para estancar o sangue que jorrava da cabeça aberta. Nem pó de café, nem açúcar, nem leite de bananeira. Nada resolvia. O tenente enamorado teve mais sorte, cortes leves pelo corpo. Com um lençol e uma vara, ela fez uma bandeira sinalizadora nos destroços e chamou a atenção de outros aviões da FAB. Para a rendeira, Mororó estava perdido, não havia chances de vida para o homem que foi embora naquele estado. O comando da Aeronáutica chegou a chamar o frei-capelão para dar a extrema-unção.

A rendeira envelheceu à espera de notícias do aviador. Mudou-se para uma outra parte da praia, ganhando a vida com a confecção de aplicações que vende hoje a R$ 0,80 a unidade e leva um dia para fazer. O bairro Japão mudou: ganhou casas de veraneio, restaurantes, turistas. Talvez por isso, Mororó tenha levado tanto tempo para encontrar sua benfeitora. Há cinco anos, no entanto, os dois se reen-contraram. Um almoço comunitário para os pescadores da colônia comemorou a volta do aviador e Chica Boneca ganhou de Mororó uma casa nova com tijolos no lugar de barro para as paredes e telha no lugar da palha no teto.

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