O adolescente não é um ser despreocupado, preguiçoso e irresponsável, que transita livremente pelo mundo, com o apoio de pais modernos, totalmente diferentes daqueles adultos repressores dos anos 50. O adolescente não corresponde ao personagem eternamente alegre que os meios de comunicação mostram e, sobretudo, é alguém que está só diante de suas angústias. A maioria dos adultos nem suspeita que elas existam. Ao chegar a essas conclusões, ao fim de uma pesquisa que comparou a auto-imagem dos adolescentes à maneira como eles são vistos pelos adultos, a publicitária Célia Belém, da agência Ammirati Puris Lintas, compreendeu o desencontro entre gerações que tanta gente percebe mas não sabe como evitar.

Em pesquisas anteriores, Célia havia notado que os jovens utilizavam em público um discurso politicamente correto que não corresponde ao modo como agem. Os altos índices de gravidez na adolescência, de alcoolismo e de dependência de drogas indicam, entre outros problemas, que as campanhas não estão falando a língua deles. Desta vez, Célia resolveu utilizar uma metodologia que se baseasse em indícios mais concretos do que descrições e opiniões. Recorreu a entrevistadores de idades próximas à dos entrevistados (meninos e meninas de 12 a 17 anos, das classes A, B e C, residentes na cidade de São Paulo) e utilizou um farto material fotográfico produzido por eles. “Pedimos aos garotos que mostrassem a sua vida, em vez de falar sobre ela”, explica Célia. Os amplos painéis de imagens, combinados com as discussões em grupo e com as entrevistas, a guiaram até suas conclusões. “É claro que temos medo do que pode ocorrer com nossos filhos”, diz a pesquisadora. “Mas compreender como eles se sentem ajuda a passar mensagens mais eficazes e protetoras”, diz. Levar em consideração o sentimento dos jovens é como dizer a uma criança “eu sei que está doendo”, na hora de desinfetar o machucado, em vez de desqualificar a dor que ela sente com o clássico “isso não é nada”.

Sufocados – Embora os adultos achem que os jovens têm liberdade demais, estes se sentem vigiados e tolhidos por uma rede de telefonemas, checagens ansiosas e insônias. A razão disso é que os pais permitem mais do que gostariam. E transparecem essa ambivalência. Ou, como diz Marli Vignati, 45 anos, secretária, mãe de Vanessa, 16: “Confio nela, mas peço para ela ligar o tempo todo.” Gabriel Bessa de Paula e Silva, 17 anos, de Brasília, diz que a falta de liberdade é a maior fonte de atrito com os pais. “Eles só me deixam sair para shoppings ou casa de amigos nos fins de semana”, reclama. No feriado de Finados, Thiago Salles Tenório, 17 anos, de São Paulo, foi com dois amigos para São Tomé das Letras (MG) e a pedido da mãe ligou várias vezes dando conta de seu bem-estar. “Não sou aprontão. Racionalmente, ela sabe que sei me cuidar, mas emocionalmente ela não se convence.” A atriz Ângela Leal, mãe de Leandra, 17 anos, sabe como é difícil esperar até ouvir a chave rodando na porta. “Dormir é complicado, quando ela sai. Sempre que ouço um carro na rua, penso: será que é ela?”, conta Ângela. “Leandra é um caso especial, porque já trabalha, mas como me dá muitas coisas boas, então não posso dizer ‘não vá para tal lugar’.”

Descrita geralmente como um perío-do de prazeres e despreocupação, a adolescência é percebida pelos jovens como um incômodo período de transição. Lua-na de Ávila e Silva Oliveira, 15 anos, de Brasília, acha graça quando ouve falar de adolescência como uma época mágica. “Isso é coisa de adulto, que acha que trabalhar, ter família, etc. é chato. Adolescência é só um treino para o futuro”, ela define. O carioca André Luiz Miranda, 12 anos, que interpreta o personagem Tizil na novela Terra nostra, observa: “Quando você é criança, quer que o tempo passe rápido para virar adulto, mas os adultos, que já chegaram lá, vivem dizendo que gostariam de voltar a ser crianças.” Vanessa Vignati também já se viu hesitar entre mensagens conflitantes: “Os adultos vivem dizendo que eu tenho de aproveitar a adolescência, mas ao mesmo tempo que ainda sou jovem para algumas coisas”, queixa-se. Insatisfeitos com sua falta de autonomia, eles esperam ansiosamente a chegada aos 18, vista como o início da vida adulta, com seus sonhados passes livres. “Seria ótimo já ter carteira de motorista para sair de carro à vontade”, suspira o brasiliense Gabriel Paula e Silva.

Medo da morte – Algumas vezes, o jeito brincalhão e irreverente dos adolescentes escamoteia profundas inquietações. “A vida está passando muito rápido e tenho medo de não ter tempo para fazer tudo”, descreve Vanessa, que sonha em viajar, conhecer pessoas e lugares. “Acho que amanhã a vida pode acabar e não fiz tudo.” Como aponta a pesquisa da Lintas, o medo do desconhecido, muito comum nessa idade, revela-se também na preocupação com a morte. “Já perdi três dos quatro avós e isso me marcou muito”, explica Thais Naomi Onishi, 13 anos, de Brasília. A morte, especialmente de pessoas próximas, é o grande medo de muitos jovens de sua idade. Gostar de filmes de terror, como mostra a pesquisa, é uma das maneiras que eles encontram de elaborar isso.

A imagem do adolescente rebelde e alienado é muito entranhada nos adultos. “Eles só pensam neles, tudo tem que ser feito em função deles e qualquer proposta diferente é rechaçada como encheção de saco”, critica a psicóloga Kátia de Paula e Silva, mãe de Gabriel e de mais três filhos, de 23, 13 e oito anos. “Quando o papo fica muito cabeça ou quando há uma bronca, eles não dão bola”, diz a pedagoga Maria Tereza Jacone Goulart, mãe de um garoto de 16. “E me preocupa também a falta de ideologia. Eles têm poucos modelos para desenvolver sentimentos como solidariedade. Se emocionam com um caso da televisão ou de um amigo próximo, mas não param de comer sua pipoca.” Sob essa indiferença, aponta a pesquisa, esconde-se frequentemente um grande medo dos desafios do crescimento. “Tenho dois medos na vida: ficar sozinha e não conseguir ter uma vida parecida com a que levo hoje”, aponta Luana Oliveira. “Quero ser médica, por isso tenho que ter a melhor formação possível”, explica ela, que já tem nota para passar sem prova final em todas as matérias.

No muro – Mensagens ambíguas acerca de valores morais são outro problema mencionado pelos entrevistados da pesquisa. Os pais, para eles, são “pessoas com quem se conversa sobre tudo, mas não tudo”. Quando Vivian M. comunicou à mãe, há duas semanas, que queria ir ao ginecologista, seu pai ficou sabendo, mas preferiu não falar no assunto. Renata M., 16 anos, não fala de sua vida íntima com a mãe. “Ela é muito fechada e tradicional. Talvez ela até desconfie, mas não toca no assunto”, diz Renata. Foi ao pai que ela contou sobre sua primeira transa, há 11 meses.

Sexo e drogas são os assuntos mais difíceis de ser abordados. Segundo o psicólogo Paulo Afonso Ronca, diretor do Instituto Esplan de atendimento familiar, isso acontece porque tanto os jovens quanto os pais ficam inibidos. Para o adolescente, a droga é um território proibido e o sexo é algo que ele apenas começa a descobrir. Silenciar e fingir que não estão vendo é uma das formas que os pais utilizam para não se responsabilizar pelas ações dos filhos. Outra maneira de driblar o desconforto, também comum entre os adultos, é esconder, sob doses generosas de informação, o que pensam sobre assuntos polêmicos. “Proibir é idiotice”, diz Pedro, pai de Rogério, 15 anos, que fuma maconha pelo menos uma vez por semana. “Falamos para ele ir com calma, fumar de maneira controlada e damos a ele várias reportagens sobre o assunto, além de contar casos de pessoas que se viciaram.”

Alguns pais se sentem culpados por não estar mais presentes no cotidiano dos filhos e acabam cedendo às suas vontades e pressões. “A família cria um principezinho”, diz Áurea de Oliveira, orientadora educacional da quinta à oitava séries do Colégio Augusto Laranja, em São Paulo. “Em casa ele reina absoluto; quando chegar à escola vai sofrer mais para descobrir que as pessoas não estão à sua disposição. Isso fica mais evidente na adolescência.” O medo do rótulo de autoritário também encoraja posições ambíguas. “Quando éramos adolescentes, lutamos para conquistar uma série de liberdades e fica difícil separar isso de nossa condição de pais”, diz a socióloga Yara Rovai, 42 anos, mãe de Marcelo, 15.

É compreensível que os adultos se sintam aterrorizados no momento em que os filhos deixam a infância e começam a enfrentar novos riscos, colocando em xeque a autoridade paterna, até então aceita com mais facilidade. “O pai passa por uma grande crise de impotência: ele se sente responsável, por um lado, e por outro acha que não vai conseguir controlar o filho. Mas é melhor confiar do que vigiar. O filho sempre vai encontrar um jeito de esconder o que deseja”, descreve o psicólogo Paulo Ronca. Para piorar, o mundo de hoje não é exatamente um lugar seguro. Mas como lembra a pesquisadora Célia Belém, o mundo ainda vai levar muito tempo para melhorar. A comunicação com os nossos filhos pode mudar mais rápido, se compreendermos o que eles estão dizendo e tivermos coragem de contar o que estamos pensando.