É quase inacreditável. Desatenção, má comunicação e excesso de confiança do pessoal técnico da Nasa causaram erros fatais que destruíram em 23 de setembro a nave Mars Orbiter, de US$ 125 milhões, momentos antes de ela entrar na órbita do planeta vermelho. Esse é o resultado final da investigação feita pela própria Nasa. Uma das conclusões parece até piada: por nove meses – tempo da viagem entre Terra e Marte – a nave se comunicou com os técnicos usando medidas métricas; enquanto no sentido contrário a resposta utilizava pés e polegadas. “Toda vez que um propulsor era disparado para acertar a rota, havia um erro cumulativo de 4,4 pés por segundo.” Assim, a nave chegou à atmosfera marciana numa altitude muito baixa e muito mais veloz do que o necessário. Não houve mais notícia de seu paradeiro. Provavelmente se espatifou no solo. Tal acidente, com causas gritantes, aumentou a expectativa em relação à chegada a Marte, semana que vem, de outra nave, a Mars Lander. Que deverá pousar próximo à calota polar sul do planeta para estudar a presença de água e, talvez, traços de vida microscópica marciana.

Checagem – “Ninguém quer que outro erro passe despercebido”, declarou há alguns dias o diretor do Laboratório de Jato Propulsão da Nasa, Edward Stone, responsável pelas missões a Marte. “Estamos dobrando e redobrando nossos esforços.” Contrastando com a prática adotada pela Nasa nos anos dourados da corrida espacial – checava mais de cinco vezes cada item de uma missão -, o relatório divulgado na quarta-feira 17 afirma que “a equipe de navegação não checou devidamente os procedimentos e não estava familiarizada com a nave”. Além do que “arquivos cruciais do computador de bordo ficaram danificados por meses ou nunca foram devidamente testados”. Portanto, os auditores da agência espacial americana recomendaram que o time encarregado da navegação da Lander seja aumentado, “melhorando as chances de resolver qualquer problema” nas próximas duas semanas. O que mais preocupa são os motores de descida da nave. Nos 35 anos da exploração espacial ninguém nunca usou uma técnica de descida “macia”, empregada agora. Todos os 12 foguetes têm de necessariamente ser disparados simultaneamente. Se não, haverá outro desastre. Nos 11 meses em que a nave esteve vagando pelo espaço as baixíssimas temperaturas podem ter congelado uma parte do combustível. Se isso aconteceu, as consequências poderão ser disparos desencontrados, nenhum disparo ou explosão.

Exploração – Depois da Terra, Marte é o planeta com o clima mais hospitaleiro do Sistema Solar. Tão hospitaleiro que um dia pode ter abrigado um tipo de vida bem primitiva, bacteriana. Canais e outras formas geológicas vistas hoje pelas lentes das naves enviadas para lá são a evidência de que, há bilhões de anos, corria água em rios tão caudalosos quanto o Amazonas. Embora ainda exista água sob a superfície do planeta, as baixas temperaturas e a atmosfera muito fina impedem que ela permaneça na superfície na forma líquida. Então vêm as perguntas: quais foram as causas de mudanças tão radicais no clima marciano? Ainda existem condições favoráveis para a manutenção de vida no planeta? Os cientistas acreditam que saber o que se passou em Marte ajudará muito a entender o que acontece ou acontecerá na Terra. Acredita-se também que, sem complicadores como oceanos, biosfera e poluição, será muito mais fácil compreender as forças que determinam as alterações climáticas. Além do que, tal conhecimento definirá como, quando e onde poderá se concretizar a maior ambição da Nasa: estabelecer a primeira colônia humana fora de nosso planeta.

A primeira vez que Marte despertou a imaginação do público foi em 1870. Naquele ano, o astrônomo italiano Gio-vanni Schiaparelli anunciou ter visto através de seu telescópio alguns canais na superfície marciana. O que levou o empresário e astrônomo amador americano Percival Lowell a construir um grande telescópio só para estudar o planeta vermelho. Suas observações o convenceram de que aqueles canais teriam sido obra de seres inteligentes. Suas declarações fomentaram por muitos anos a crença de que Marte abrigava vida alienígena. A ficção, que depois virou filme, A guerra dos mundos, do escritor britânico H. G. Wells, ampliou o imaginário popular com a possibilidade de invasão da Terra por marcianos desesperados em busca de água.

Micróbios – Em 1996 foi achado na Terra um meteorito que teria vindo de Marte e contém resíduos de micróbios. Foi o suficiente para despertar novo interesse pela existência de vida naquele planeta. Por isso mesmo, dizem os cientistas, a chave para entender se houve chances de alguma vida se desenvolver em Marte é estudar a história das águas marcianas. Para tanto, a Mars Lander está levando em seu bojo uma sonda do tamanho de uma bola de basquete. Ela se desprenderá da nave pouco antes da entrada na atmosfera marciana para, em seguida, se cravar no solo marciano à velocidade de 200 metros por segundo. O impacto fará com que uma cápsula penetre mais de dois metros no subsolo, levando vários equipamentos de medição. Por meio dela se saberá se há água gelada logo abaixo da superfície, qual sua temperatura e como ela se altera em função do clima. Essa sonda irá operar por apenas 50 horas seguidas, tempo suficiente para colher centenas de informações relevantes, dizem os técnicos. É de se esperar, então, que tudo corra bem com a Lander e que as informações colhidas sejam corretas. Ninguém precisa ser autor de ficção científica para imaginar que tipo de estrago causaria na opinião pública um novo desastre em Marte.