O adolescente L.C.B., 18 anos, filho de um vigia e uma dona de casa, vivia nas ruas do Núcleo Bandeirantes, cidade-satélite de Brasília, praticando pequenos delitos. Acusado de envolvimento em um assalto, foi detido e passou dois meses no Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje). “Aquilo é uma prisão como qualquer outra, é terrível ficar ali, longe de todo mundo”, lembra o rapaz. Mas a vida de L. mudou completamente. Em vez de cumprir pena confinado numa dessas instituições que raramente conseguem reeducar os adolescentes infratores, L. passou a trabalhar como atendente em uma das unidades da Defensoria Pública de Brasília, órgão encarregado de defender na Justiça as pessoas sem condições financeiras. Ele virou um defensor da comunidade graças ao Projeto Vida Nova, que beneficia atualmente 20 jovens no Distrito Federal e a partir de janeiro irá atender 60.

No trabalho, L. passou a distribuir processos para as áreas cível e criminal, a tirar cópias de documentos e encaminhar pedidos de audiência aos juízes. Teve um novo referencial de vida na convivência com advogados e magistrados e conheceu os bastidores da Justiça. “É espantosa a mudança. Ela é percebida num detalhe de postura corporal. Quando chegaram aqui, nenhum dos meninos levantava a cabeça. Viviam olhando para o chão”, observa o advogado e defensor público Fernando Calmon, um dos responsáveis pelo programa. “Hoje, eles vêem as pessoas de frente. Deixaram de sentir vergonha pelo que fizeram e consideram o seu trabalho não como um emprego, mas como uma oportunidade para a mudança de vida.”

O Projeto Vida Nova, criado no governo petista de Cristovam Buarque e mantido na gestão de Joaquim Roriz (PMDB), é apenas um entre muitos exemplos de experiências bem-sucedidas na reeducação de adolescentes infratores. Projetos de várias regiões do Brasil têm conseguido aplicar com êxito as medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em contrapartida ao confinamento em instituições do tipo Febem (Fundação do Bem-Estar do Menor). As Febens – como mostraram as recentes rebeliões em São Paulo – são hoje um modelo falido e transformaram-se em verdadeiras escolas do crime. “Até por essa situação de inviabilidade da Febem, o ECA tem recebido críticas injustas de que estaria garantindo a impunidade dos adolescentes. Mas esses exemplos de medidas socioeducativas aplicadas com sucesso em todo o País mostram que os jovens podem e devem ser responsabilizados pelos delitos que praticaram, sem os efeitos colaterais de uma internação na Febem”, diz o advogado Oscar Vilhena Vieira, do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Crime (Ilanud), uma das entidades que, ao lado do Unicef, criaram o Prêmio Socioeducando para difundir experiências positivas com jovens infratores. O objetivo do prêmio também é incentivar governos estaduais a mudar o modo de atendimento ao adolescente infrator em todo o País. Como deveria acontecer em Sete Lagoas (MG), por exemplo, onde uma rebelião no Centro de Integração do Adolescente, na segunda-feira 15, deixou um morto e quatro feridos. Ou São Paulo, onde, somente depois de inúmeras rebeliões e a morte de pelo menos cinco adolescentes, o governador Mário Covas decidiu desativar unidades da Febem.

Mudança de hábito – De Brasília a Roraima, afinal, não faltam boas idéias que podem ser reproduzidas. No Rio de Janeiro, 126 meninos do Centro de Recuperação Intensiva e Amparo ao Menor (Criam) recebem aulas de pintura do artista plástico Antonio Veronese. Em todo o Estado, cerca de seis mil adolescentes infratores já foram beneficiados. “Os 56% dos meninos que fazem o curso têm uma modificação comportamental tão surpreendente que justificam a revisão de suas penas”, comemora Veronese, que tem levado à Europa e aos Estados Unidos exposições que retratam a violência no Rio. Trabalhos produzidos pelos jovens infratores já foram mostrados em Genebra, na Suíça; na Universidade de San Francisco (EUA); e no salão do Congresso Nacional, em Brasília.

Em Salvador (BA), no bairro da Lapinha, um programa de atendimento para adolescentes infratores criado pela Organização Auxílio Fraterno (OAF) já foi apontado como um dos melhores na área em toda a América Latina. Um dos cursos oferecidos que mais chamam a atenção é o de produção de vídeo, que chegou a ganhar um prêmio em Copenhague, na Dinamarca. Na OAF, os jovens têm opções diversas de aprendizado: teatro, mímica, mecânica, marcenaria, eletrônica, computação, artes gráficas, administração e técnicas bancárias. A instituição é mantida com a venda de produtos de uma fábrica de móveis e aparelhos hospitalares, além de uma gráfica, padaria e serviços de costura. Os 1.200 alunos de cursos profissionalizantes fazem estágio em oficinas da OAF que produzem 2.500 móveis escolares por dia, a maioria vendida ao Estado. “E o governo paga por eles preços bem inferiores ao mercado”, lembra o padre jesuíta Clodoveo Piazza, também economista, que dirige a entidade.

Sem guaritas – As boas iniciativas não vêm só das ONGs. Em Boa Vista (RR), o governo estadual construiu um centro de atendimento para garotos privados de liberdade – ou que receberam “medidas restritivas” -, que foge às características normais. O prédio elimina muralhas, arames ou guaritas. Erguido num terreno de três mil metros quadrados em área urbana, o Centro Socioeducativo Homero de Souza Cruz Filho rompe com a idéia de segregação, prisão ou confinamento. Os jovens em regime de semiliberdade estudam e trabalham fora. O prédio tem capacidade para abrigar 88 adolescentes e conta com quadra de esportes, biblioteca, videoteca e auditório. Além da escolarização normal e de atividades culturais, esportivas e de lazer, o centro oferece cursos de computação, serigrafia, marcenaria e artesanato. De acordo com os avanços e a melhoria de conduta, os jovens vão obtendo a regressão de suas penas. O projeto foi inspirado na chamada pedagogia da presença e nasceu de discussões envolvendo representantes do governo, do Judiciário e de organizações não-governamentais. Todos os funcionários – de educadores ao cozinheiro – são responsáveis pela formação dos jovens. “Entre os 65 adolescentes que passaram por aqui, o grau de reincidência foi de apenas 5%”, orgulha-se a diretora Maria Silva de Castro. “Aqui, nunca fui maltratado. E estou aprendendo muita coisa que não sabia”, diz A.G.N., 15 anos.

Na Justiça, também surgem inovações. O juiz Paulo Sérgio Frota e Silva desenvolveu em Belém (PA) um projeto para facilitar o acesso dos adolescentes infratores à Justiça. Ele criou o Guia do adolescente internado, com informações e explicações. Eles recebem uma pasta, com o guia, blocos de papel e envelopes de carta e são estimulados a escrever ao Judiciário. Grupos de universitários das áreas de Direito, Serviço Social, Pedagogia e Psicologia também acompanham os adolescentes em regime de liberdade assistida. Muitos jovens prestam serviços à comunidade na área de meio ambiente. Essas experiências positivas em todo o País – muitas delas premiadas – sinalizam um novo rumo para a reeducação de adolescentes infratores. Ajudam a demolir de vez o velho modelo de simples confinamento, que nunca deu resultado. Provam ainda que os “cadeiões-mirins”, como a Febem, jamais conseguem reeducar e que a descentralização de grandes unidades junto com uma proposta pedagógica é a solução.