O publicitário prevê mudanças no marketing político, diz que o PT é religião e que não é preciso deixar de ser brasileiro para ser internacional

Do lado esquerdo, vasos com espada-de-São-Jorge e comigo- ninguém-pode ornamentam e afastam o mau-olhado da sala branca coberta por grama sintética, que receberá, em breve, marcações de um campo de futebol. Do lado direito, é a vez da imagem de Mãe Menininha do Gantois. Para cercar por todos os lados, dois duendes fazem trio com Santo Antônio. Assim trabalha um dos publicitários mais premiados do País, o católico-apostólico-baiano Nizan Guanaes. Taurino e filho de Xangô, ele afirma ser viciado em trabalho, mas não admite perder madrugadas e fins de semana na sua agência, a DM9, terceira maior do Brasil, que gerou um faturamento de R$ 333 milhões em 1998. Esse tempo sagrado pertence à mulher, Raquel, ao pequeno Antônio, que recebeu o nome em homenagem ao dileto santo, e a Luiza e Rudi, filhos do primeiro casamento da companheira. Cem por cento brazuca, não usa termos em inglês, ao contrário da maioria dos publicitários, e vibra quando diz que adora novelas, rádio popular, futebol, axé e pagode. Nizan, que mistura no sangue uma pitada de Líbano e outra da mama África, cantou um ponto de macumba ao assumir uma das cinco vagas no comitê central da DDB, sua parceira há dois anos. Os gringos que chefiam, com ele, a maior agência dos EUA, aplaudiram a iniciativa. “Estou empurrando o Brasil sem esquecer que sou tataraneto de preto, que minha religião é o candomblé, que sou baiano e que meu povo veste branco às sextas. Para ser internacional não preciso deixar de ser brasileiro.” E sem modéstia, dá a receita para o sucesso: “Precisamos descobrir o tropicalismo empresarial. E aí ninguém segura este país. A DM9 é e sempre será um empresa tropicalista. Em entrevista a ISTOÉ, Nizan prevê uma nova era para o marketing político e adverte ao cliente que ocupa a principal cadeira do Planalto: “Não é hora de pensar em popularidade.”

ISTOÉ – O que mudou na publicidade brasileira nos últimos anos?
Nizan

O fato novo e recente é a internacionalização da publicidade brasileira. Ela não foi apenas globalizada. Ela vai ajudar as marcas brasileiras a se tornarem mundiais como também ajudará marcas mundiais a encontrarem novas formas de comunicação. Eu sinto que é viável nós construirmos daqui agências absolutamente internacionais.

ISTOÉ – Fusões e parcerias são o futuro da publicidade no mundo?
Nizan

As fusões são importantes. É bom ter parceiros internacionais, mas é bom também ver agências nacionais crescendo. Não há uma regra para parcerias. É caso a caso. Acho que qualidade não é uma questão de capital.

ISTOÉ – Por que a junção com a DDB?
Nizan

Porque esse casamento acrescentava. Ela é a maior rede dos EUA, a terceira maior do mundo. Tem histórico de criação inquestionável. É respeitada por clientes e criadores. Agora, se um sujeito não encontra um parceiro que agregue por que ele vai se tornar internacional? Não é uma regra geral.

ISTOÉ – Não existe uma ameaça estrangeira ao mercado nacional de propaganda?
Nizan

Não tenho esse pânico. Mas claro que não sou a favor de um laissez-faire em relação a produtos estrangeiros no Brasil. Temos que proteger nossas indústrias sim, mas não no sentido protecionista retrógrado. Um grupo de industriais me procurou para fazer uma campanha em favor do produto nacional e eu sugeri o seguinte slogan: se for igual, compre nacional. Acho uma loucura querer que as pessoas comprem uma coisa pior só porque é nacional.

ISTOÉ – O que significa para uma empresa brasileira ganhar o título de melhor agência do mundo em Cannes por duas vezes consecutivas?
Nizan

Cannes é o Oscar da propaganda mundial. No ano passado, ganhamos pela primeira vez e o prêmio ficou fora do eixo Londres – Nova York. Nem nos meus maiores arroubos de presunção esperava isso. Se eu tivesse dito que seria bicampeão em 1999, teriam me internado por oligofrenia. Mais importante do que esses dois prêmios é a constância de performance da agência. Há um ano ganhamos medalha de ouro no Effectiveness Awards, um prêmio dado a campanhas que vendem. Ganhamos pela dos mamíferos da Parmalat. Mas premiação é uma coisa relativa. Anunciante não quer saber de prêmios, ele quer que você venda o produto deles. A palavra eficaz me orgulha mais que a palavra criativo.

ISTOÉ – O sr. defende a tese de que publicidade não é para ser levada a sério?
Nizan

Procuro mostrar aos meus anunciantes que as pessoas não vivem para ver comerciais. Elas compram as revistas para ler e ligam a tevê para ver programas. O anúncio está interferindo na vida delas. Se você não tiver essa concepção muito clara, não vai se levar a sério. Você tem que chamar a atenção dessas pessoas, tem que buscar audiência. O comercial é a programação do intervalo e ele só se torna relevante se emociona as pessoas, se é memorável. A publicidade só se torna relevante quando ela se compreende relevante.

ISTOÉ – O marketing político é capaz de criar ou falsificar candidatos?
Nizan

Isso é balela. Se existe uma coisa que tenho horror, é o termo marketeiro. É pejorativo, embora ache que tem que ser pejorativo mesmo, porque ele pressupõe que você pode transformar um homem num sabonete. Tive impressão de que a população tem um detector disso. É claro que num processo democrático há erros.

ISTOÉ – Fernando Collor foi um desses erros?
Nizan

Claro que foi, mas ele é explicado pelo pânico dos setores conservadores em relação a Lula. Acho que o marketing político erra crassamente quando crê que pode pegar estratégias que são usadas em produtos e aplicá-las em pessoas. É um desastre quando uma pessoa fala algo que não combina com ela, com o que pensa. Vira dublagem.

ISTOÉ – Mas o marketing ajudou Collor.
Nizan

Ele era joven, sedutor, carismático. Como candidato foi eficaz, mas não foi um presidente que correspondesse às expectativas. O amadurecimento da democracia vai permitir à população, através do voto, separar o que é um bom candidato do que será um bom presidente, governador ou prefeito. Você tem indivíduos que podem ser bons candidatos de imagem e de comunicação, mas que talvez não sejam grandes administradores. O Brasil entrará na era dos não-candidatos, ou seja, daqueles que tenham menos carisma e mais seriedade. Vamos entrar na era do pós-marketing político até porque o marketing político tem sido fragorosamente derrotado no País. As estratégias de reproduzir situações e fórmulas são equivocadas.

ISTOÉ – FHC chegou a ouvir conselhos do marketeiro de Clinton, James Carville. Importar marketeiro dá certo?
Nizan

É um desastre porque a pessoa não entende do universo, da cultura, do povo, da análise política, da situação. Falo isso de fora, não sou um especialista em política, apesar de ter feito duas campanhas vitoriosas. A eleição de FHC fiz com Geraldo Walter no comando e na da reeleição eu assumi porque lamentavelmente ele morreu.

ISTOÉ – O que seria um não-candidato?
Nizan

Eleição no Brasil parece um programa de calouros, ou seja: vamos eleger quem fala melhor, quem é mais fotogênico ou quem é mais carismático. Não é isso. Vamos eleger quem é probo, quem é sério, quem é bom administrador. Por isso que o jogo democrático é fundamental. De tanto votar, se decep-cionar e acertar é que a população vai começar a separar o joio do trigo.

ISTOÉ – A população mais carente é o principal alvo da classe política, bem e mal-intencionada…
Nizan

É claro que nesse setor, essa tendência é mais demorada. É por isso que o Brasil precisa tanto de educação. Mas é preciso ter a capacidade de mostrar também. Os segmentos políticos mais sérios não têm capacidade de se comunicar com contemporaneidade. Muitas vezes, as pessoas são sérias e não conseguem se conectar com a população. Num mundo de patinhos feios, você tem de mostrar que é um cisne.

ISTOÉ – Nessa concepção, as políticas da bica d’água e da dentadura estariam com os dias contatos…
Nizan

A ignorância, a fome e a necessidade não deixam que isso acabe de uma hora para outra. Mas a gente tem de ser competente do outro lado. A bondade tem de ser mais malandra, não no sentido de torpeza, de enganação. Não se pode entrar como um cristão na arena de leões.

ISTOÉ – Certa vez você disse que FHC tinha popularidade porque era o maior presidente do século. Onde ela foi parar?
Nizan

Essa rejeição é uma situação de momento. O presidente está atravessando uma fase a qual acho mais importante que ele tome medidas fortes, ainda que impopulares, mas que reflitam a longo prazo do que ficar buscando popularidade. Não sou o consultor direto do presidente para esse assuntos, há outras pessoas a quem ele ouve, mas na minha opinião não é hora de buscar popularidade. Agora é hora de trabalhar para fazer o que precisa ser feito.

ISTOÉ – Dá para fazer com FHC o que o sr. fez com o Guaraná Antarctica?
Nizan

Eu não acredito nesse tipo de coisa. Eu sempre faço a seguinte análise: se você pegar uma mãe com um filho e medir a popularidade dessa mãe, você vai ver altos e baixos fantásticos. Com os devidos descontos, dá para entender a relação entre um homem público e um país. Presidente não pode se conduzir por pesquisa e popularidade. Tem de fazer com os olhos na história, de como será julgado por ela e o que deixará de legado para o seu país. Em política, os publicitários devem estar perto para dar forma às idéias dos políticos e não dar idéias aos políticos. O governo não deve estar preocupado com popularidade.

ISTOÉ – Como o sr. encarou a decisão do governo de dividir algumas contas com seu ex-sócio Duda Mendonça?
Nizan

O governo trabalha com um monte de agências. Duda só pode acrescentar porque é um ótimo profissional. Como filosofia de trabalho, divirjo do Duda. Ele tem concepções sobre marketing político que não são as minhas. Como pessoa, eu o adoro, é meu amigo.

ISTOÉ – O sr. estaria disposto a fazer uma outra campanha presidencial?
Nizan

Não, eu não quero.

ISTOÉ – Por quê?
Nizan

Sou uma das coisas privatizadas nos últimos anos. Além do mais, tenho razão objetiva: eu engordo de 10 a 15 quilos por campanha. Só faço outra campanha política, se eu for cobrar por quilo. É uma ansiedade tão grande e o trabalho que dá para emagrecer é enorme. Fora isso, meus sócios já disseram que me largam e minha mulher também.

ISTOÉ – Lula tem chances de ser presidente?
Nizan

Uma pessoa que tem o patamar que Lula tem não pode ser ignorado. O que afugenta e dificulta a vida do PT na hora do vamos ver é que o partido se mostra irascível em relação às coisas. O PT não elogia nada, nunca concorda.O PT tem de refrescar suas idéias e suas posturas de parecer que o País vai entrar com ele numa inquisição insuportável, numa coisa xiita.

ISTOÉ – O sr. acha que essa é a imagem da oposição feita pelo PT?
Nizan

O PT passa a imagem de alguém que não é capaz de gostar de nenhuma idéia que não seja a sua. Nesse sentido, o debate de Lula com o senador Antônio Carlos foi muito benéfico. O PT é um partido reli-gioso. Acha que é o caminho, a verdade e a vida. Agora, se você não mostra que é tolerante e tem um pouco de compreensão, não encarna a natureza do País.

ISTOÉ – Como o sr. explica o senador Antônio Carlos Magalhães ternura para Bahia e malvadeza para o resto do país?
Nizan

O que acontece é que na Bahia as pessoas podem vê-lo de perto, ver como ele é eficiente.

ISTOÉ – Está, de fato, nos seus planos ser prefeito de Salvador?
Nizan

Eu não tenho índole e natureza de político. Sou empresário, toco coisas sem ter de buscar o consenso ou negociar tanto. Deus não me deu essa paciência. Há um tempo, quando Salvador estava muito maltratada, me doía ver uma cidade que eu amo daquele jeito. Hoje temos o melhor prefeito do Brasil. A realidade esvaziou o meu sonho.

ISTOÉ – Como o sr. avalia a vaia a João Gilberto na inauguração do Credicard Hall?
Nizan

Foi um episódio chato. Sou baiano, João é uma maravilha e o Credicard Hall é uma iniciativa que merece todo respeito. Tivemos um efeito Forest Gump. Um negócio ruim, mas que deu uma visibilidade e projeção ao evento. Alguns amigos meus acharam que eu tinha inventado aquilo.