Agora é oficial. Foram necessários três anos, quatro meses e 26 dias para a polícia alagoana concluir que o empresário Paulo César Farias e sua namorada, Suzana Marcolino, foram vítimas de um duplo homicídio. Na quinta-feira 18, os delegados Antônio Carlos Lessa e Alcides Andrade entregaram à Justiça o resultado final do inquérito. As investigações escancaram que em 23 de junho de 1996, na praia de Guaxuma, foi armada uma farsa com o intuito de proteger o assassino e fazer valer uma absurda versão de crime passional, que só não prosperou em razão das reportagens de ISTOÉ ao longo destes anos e do posicionamento de legistas como o alagoano George Sanguinetti. Os delegados reuniram uma infinidade de provas técnicas e testemunhais que permitiram o indiciamento de nove pessoas, entre elas o deputado Augusto Farias (PPB – AL), irmão de PC, acusadas de co-autoria do duplo homicídio qualificado e formação de quadrilha. Além dele, a polícia acusa todos os ex-funcionários de PC que estavam na casa de Guaxuma na noite do crime: os seguranças Reinaldo de Lima Filho, Adeildo dos Santos, José Geraldo da Silva e Josemar Faustino dos Santos, a caseira Marise Carvalho, o caseiro Leonino de Carvalho, o garçom Genival de França e o vigia Manoel Alfredo da Silva. Se vierem a ser condenados, as penas poderão chegar a 60 anos de reclusão.

Os seguranças, todos da PM alagoana, são apontados como os autores materiais do crime. Ou seja, pelo menos um deles teria feito os disparos que mataram PC e Suzana. Os demais funcionários foram indiciados porque, segundo a polícia, prestaram falso testemunho. Augusto Farias é tido como o autor intelectual dos assassinatos. “Não há dúvida de que o deputado comandou toda a operação”, afirma o delegado Lessa. A decisão de indiciar o irmão de PC foi tomada 24 horas antes de o relatório de 37 páginas ser entregue à Justiça. Apesar de já dispor de todos os elementos, Lessa temia que eventuais pressões políticas pudessem atrapalhar o andamento do caso, bem como a ocorrência de possíveis retaliações. Na mesma quinta-feira, o juiz Alberto Jorge Correia Lima entregou o inquérito ao promotor Luiz Vasconcelos, que terá 15 dias para se manifestar. A tendência é de que ele denuncie os acusados e encaminhe o processo relativo ao deputado Augusto Farias à Procuradoria Geral da República. Para prosperar o processo contra o deputado será preciso a autorização da Câmara.

O comportamento do irmão de PC durante as investigações e os depoimentos de três testemunhas foram fundamentais para seu indiciamento. Desde que os corpos de PC e Suzana foram descobertos, Augusto defendeu a tese do crime passional. Ele menosprezou qualquer investigação que pudesse apontar outro caminho e contratou advogados para acompanhar os depoimentos de todos os que estavam na casa na noite do crime. “Não é comum que uma pessoa proteja aqueles que são suspeitos de matar seu próprio irmão”, diz o delegado Andrade.” As três testemunhas que apontaram a motivação do crime e provocaram a acusação formal de Augusto chegaram ao inquérito através de reportagens feitas por ISTOÉ nos últimos dois meses. A vidente e confidente de PC, Amira Lépore, e as duas irmãs de Elma Farias – mulher do empresário -, Élia e Eônia Pereira Bezerra, disseram que, meses antes do crime, Augusto havia se aliado a antigos testas-de-ferro de PC e brigava com o irmão pelo controle do dinheiro do ex-tesoureiro de Fernando Collor. Segundo elas, o deputado estaria se recusando a repassar para PC o comando perdido durante sua fuga e prisão.

“Já tínhamos comprovado que houve um duplo homicídio, sabíamos que as pessoas armaram uma trama para proteger o assassino, mas faltava a motivação do crime. As testemunhas apresentadas por ISTOÉ foram importantíssimas para se fechar a história”, lembra Edmilson Miranda, secretário de Segurança de Alagoas. No relatório, a polícia alagoana afirma que a motivação da morte de PC foi “dinheiro e poder”.

Crime organizado – Nesses quase quatro anos de investigação, o deputado Augusto Farias procurou desqualificar todos os que se contrapunham à farsa do crime passional, usou sua influência junto ao presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas para tirar da cadeia os quatro seguranças presos preventivamente e teria até tentado corromper o delegado Lessa. Seu indiciamento, porém, veio em um momento que lhe é particularmente cruel. Augusto é um dos principais alvos da CPI do Narcotráfico, que tem feito pesadas investidas contra o crime organizado. Na quinta-feira 18, os deputados que compõem a CPI já avisaram que irão solicitar da Justiça de Alagoas uma cópia do inquérito sobre a morte de PC e pretendem ouvir ainda esta semana os delegados Lessa e Andrade. O motivo é simples. Segundo as investigações da polícia alagoana, em nome do “dinheiro e do poder”, o deputado teria se aliado a antigos testas-de-ferro de PC e tramado a morte do próprio irmão. O problema é que entre os investigados pela CPI estão alguns dos mesmos testas-de-ferro do ex-tesoureiro de Collor, caso do empresário de Campinas, Willian Sozza. “Se fizermos uma leitura conjunta das investigações de Alagoas e do que temos na comissão, poderemos chegar à conclusão de que PC foi morto pelo crime organizado”, disse a ISTOÉ, na noite de quinta-feira, um dos deputados mais atuantes da CPI. Ainda este ano, a CPI deverá fazer diligências em Maceió.

As ligações da morte de PC com o crime organizado podem ir além da participação de Augusto Farias. O legista Fortunato Badan Palhares, que acolheu e endossou a tese do crime passional, também é alvo da CPI. Em Alagoas, os delegados Lessa e Andrade chegaram inclusive a cogitar da possibilidade de indiciarem o legista, mas acabaram concluindo que sua participação na farsa deveria ser alvo de um outro inquérito, que poderá ser pedido pelo Ministério Público nos próximos dias. “Tudo indica que houve venda de laudo”, ataca Lessa. “Renuncio de meu mandato caso comprovem qualquer envolvimento meu com o crime organizado”, disse Augusto na sexta-feira 19. “O que esses delegados fizeram foi uma palhaçada. Sou acusado apenas porque acredito que meu irmão foi vítima de um crime passional, mas vou até para a cadeira elétrica acreditando nisso”, concluiu o deputado.