A Justiça, quem diria, foi rápida e justa. Acostumados aos desmandos dos dirigentes do futebol brasileiro, boa parte dos torcedores já parecia conformada com as decisões da Justiça Desportiva, que tirou pontos do São Paulo, repassou-os ao Botafogo e ao Internacional, provocando o rebaixamento do pequeno Gama (DF) no Campeonato Brasileiro. As primeiras ações indicavam que o caso ia mesmo se transformar numa inócua guerra de liminares. Até que o economista Flávio Raupp, responsável pelo marketing do time de Brasília, pensou em usar o Código de Defesa do Consumidor. A base legal é tão simples quanto óbvia. Todo torcedor que comprou um ingresso ou fez a assinatura de um pacote de jogos na tevê por assinatura tornou-se consumidor desse produto de entretenimento. E mais: foi lesado no momento em que o tribunal da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) decidiu mudar as regras do jogo ao usar indevidamente uma resolução interna para acomodar os interesses dos grandes clubes. O sindicato dos atletas do Distrito Federal e o PFL local encamparam a idéia. Resultado: as várias ações foram reunidas na Justiça Federal de Brasília, que determinou a imediata manutenção do Gama na Primeira Divisão e o rebaixamento do Botafogo. Além de comprovar que o Código de Defesa do Consumidor é o instrumento mais eficiente e ágil da Justiça brasileira, a decisão deve provocar uma revolução no futebol nacional. Afinal, aquele torcedor que sofre em filas nas bilheterias, compra ingressos e não consegue entrar nos estádios, se programa para assistir a um jogo na televisão que não passa porque a tabela mudou na última hora é, sim, um consumidor. E merece respeito. “Essa jurisprudência vai mudar para sempre o futebol brasileiro”, festeja Raupp.

Como se não bastasse, a medida ainda acaba com o mito de que a CBF e o seu tribunal são entidades eminentemente privadas e, portanto, podem criar regras a torto e a direito. “O TJD tem poder de polícia, aplica penalidades, portanto se equipara a entidades como o Cade ou a OAB. Já a CBF é uma paraestatal porque administra bens públicos, como a Seleção Brasileira”, explica o advogado Paulo Goyaz, autor da ação. O Gama ainda vai pleitear uma indenização do Botafogo por ter ficado de fora da seletiva para a Copa Libertadores, ainda em andamento. A decisão da Justiça deve precipitar uma disputa entre os grandes clubes brasileiros. “Isso é uma palhaçada. Não vamos recorrer, mas criar uma liga no próximo ano”, afirmou Carlos Augusto Montenegro, vice-presidente do Botafogo. A liga, uma espécie de associação privada de clubes, está prevista na Lei Pelé, que regula o esporte. Mas precisaria do aval da CBF. Do contrário, seus vencedores não poderiam representar o Brasil em torneios internacionais como a Libertadores. Se vingar, reduzirá também o poder da Confederação, o que desagrada aos clubes paulistas, empenhados em alçar o presidente da sua federação, Eduardo José Farah, ao comando do futebol brasileiro. Há ainda implicações comerciais com os contratos de televisão, já vendidos para 2000. Como tudo no futebol ainda há espaço para muita discussão, mas o torcedor já saiu na frente no placar.