Ele nasceu no ano da libertação dos escravos no Brasil – 1888. Foi contemporâneo do inventor da lâmpada elétrica, Thomas Edison e de Graham Bell, inventor do telefone. Atravessou o século XX e se prepara para entrar no novo milênio. Na ponta do lápis, são 111 anos. Tempo mais que suficiente para que o índio tupinambá Severino Ramos – nome católico dado em batismo pelos jesuítas, em 1906, em Sousa (PB), quando já tinha feito 18 anos – aprontasse poucas e boas por esse mundo afora. Foi tratador de animais, artista de circo, ourives, curandeiro, vidente. A bordo de um navio, conheceu a Itália, a Alemanha e Israel. Hoje, em Crateús, no sertão do Ceará, onde mora com a família, Severino Ramos funciona como um pajé para a vizinhança, onde se misturam famílias tupinambás, tabajaras, potiguaras, cariris, calabaças e até um xavante.

A aventura de Severino começou quando ele era um curumim e vivia na floresta Amazônica. O nome tupi ele não lembra mais. Mas sabe que na tribo as casas eram de palha e casca de pau e os companheiros eram brabos. Aos sete anos, o menino tupinambá era acostumado aos brancos que andavam pela floresta à cata de breu, borracha e couro de onça. Um dia, no entanto, tudo mudou. “Os branco me convidaram prum passeio de barco e eu fui. Num imaginava as intenção dele.” O indiozinho ainda tentou fugir, mas não adiantou.

Do Norte para o Nordeste do Brasil. Severino Ramos foi morar no Recife (PE). Aprendeu o português, a vestir e calçar à moda da cidade e ganhou o emprego de tratador de animais em um zoológico. Mas um circo internacional tornou o índio um viajante. Nos espetáculos, ele atravessava paredes, sumia no ar. Surpresa para a platéia. Foram muitos anos de shows: “Eu fiquei famoso onde passei.” Na Alemanha, aprendeu a fazer anel, cordão de ouro. Na Itália, viu livros com histórias encantadas. Em Israel, andou no lugar onde Jesus nasceu. Mas, ao fim, foi parar no Ceará, onde chegou solteirão e já maduro.

Saudade da Amazônia? Sim, ele tem. Por ironia do destino, de tantos lugares que foi, só em um não pode entrar: de volta na tribo tupinambá. “Fui lá pra vê pai e mãe. Mas uns home muito arto, os xavante, me avisaram que se eu passasse não vortava mais. Minha famia, então, tava perdida pra mim.” Dos costumes indígenas, tanto a idade como o exílio ajudaram a apagar. Mas das mãos dele ainda saem amuletos para matar cobra venenosa, rezas para curar mau-olhado, xaropes e misturas para doenças de menino e de velho. Pequenos trabalhos que ocupam o dia-a-dia do velho pajé. Para os outros índios, vizinhos e clientes, Severino é mais que um contador de causos. É um conselheiro espiritual a quem eles procuram quando querem saber se vai ter inverno bom ou qual o lugar para se cavar uma cacimba.