Por essa ninguém esperava. O brasileiro não se deixou levar pela sedução do “réveil-lon do milênio” e o que era para ser a festa do turismo acabou se tornando um reluzente elefante branco. Receoso de deixar pacotes encalhados na prateleira, o mercado resolveu baixar os preços, ainda que um pouco em cima da hora. “A reação veio tarde. Há vagas para praticamente todos os destinos e em alguns lugares a ociosidade chega a 60%”, resume Caio Luiz de Carvalho, presidente da Embratur. Além dos descontos, que superam 50%, os agentes de viagem lançam mão de outros recursos para atrair passageiros. Passaram a aceitar cheques pré-datados ou parcelamento em até cinco vezes sem juros. Tudo isso torna este o momento ideal para quem ainda quer programar uma viagem. Aqueles que têm sangue-frio podem até esperar mais um pouco, porque provavelmente haverá novas reduções. “Se o turista viajar pelo Brasil, vai encontrar lugar até 15 de dezembro”, garante Carvalho. O efeito colateral da redução é que quem se programou com antecedência gastou muito mais e legalmente não tem direito a reembolso. Mesmo assim, algumas operadoras, como a Ati, estão negociando com seus clientes. A passageira Marcia Santoro Sortino, que em setembro comprou nove pacotes para Natal, vai receber uma carta-crédito no valor de R$ 5.720, equivalente a 85% da diferença entre o valor total pago há dois meses e quanto ela gastaria hoje. “Conversei com a Ati e chegamos a esse acordo. Poderei usar o crédito nas minhas próximas viagens”, diz satisfeita.

As explicações para a micada do réveillon são muitas, mas uma é evidente: os preços exorbitantes. “A expectativa era irreal”, diz Nilton Fernandes, gerente de operações e vendas da Biotrip, especializada em turismo ecológico. Pacotes para o Nordeste, que normalmente custam em torno de R$ 1 mil, chegaram a triplicar. No caso de viagens internacionais, soma-se o problema cambial. Assim, quem quisesse assistir à contagem regressiva na Times Square, coração de Nova York, teria de desembolsar o equivalente a mais de R$ 7,5 mil. É muito dinheiro. Não à toa, mesmo cidades que se julgavam verdadeiros objetos de desejo tiveram de readequar seus preços. Paris é um exemplo. Na Soletur, o pacote para a capital francesa estava cotado a US$ 2.470, mas seu valor acabou despencando para US$ 1.870, uma considerável diferença de US$ 600. Mesmo reduzindo os valores, a agência admite que não vai embarcar mais passageiros este ano, do que na festa de 1998. “No ano passado, tivemos três mil turistas no réveillon, 30% mais que agora”, diz Álvaro Terra, gerente comercial da Soletur. Não é um fato isolado. Vários concorrentes se darão por satisfeitos se conseguirem empatar com o resultado do ano passado. “Tínhamos expectativa de vender cinco mil pacotes, mas só devemos chegar a 2,1 mil, pouco mais que os dois mil do ano anterior”, explica Luiz Barros, diretor da Stella Barros.

Por conta dos preços abusivos, quem faz questão de viajar lançou mão de alternativas criativas para driblar o alto custo. O empresário Wilmar de Oliveira Gomes, que vai passar a virada do ano em Nova York, descobriu como economizar na passagem aérea. “Comprei o bilhete nos Estados Unidos por US$ 817, enquanto nas agências brasileiras o valor mais baixo que encontrei foi US$ 1.020”, contabiliza. Nem mesmo com hotel ele teve de se preocupar, já que ficará hospedado no flat de um amigo. A assessora de imprensa Marina Cardoso também vai conseguir estar no lugar em que escolheu – o Rio de Janeiro – graças a um pouquinho de esforço e criatividade. Ela e outras três pessoas vão pegar a ponte aérea no final da tarde do dia 31 para assistir à queima de fogos em Copacabana e participar de uma festa na casa de conhecidos. Depois, pretendem se esbaldar no café da manhã de um hotel cinco estrelas, pegar o avião e voltar para São Paulo. “Procuramos apartamentos para alugar, mas o preço era absurdo. Achamos que não valia a pena, porque apesar de ser o ano 2000 não será o último réveillon do mundo”, afirma.

Para piorar a situação dos agentes de viagem, muita gente está preferindo festejar com a família. Nesse caso, o cenário será a própria casa ou um imóvel alugado. Em pesquisa realizada no site de IstoÉ, 40% dos internautas admitiram que se encaixam nessa categoria. No condomínio Marina Del Rei, no Guarujá, os proprietários das casas à beira-mar resolveram organizar a própria festa. Desde o primeiro semestre, cada um vem pagando R$ 50 a mais na taxa mensal do condomínio para os comes e bebes. Um dos condôminos é o gerente de vendas Fábio Tocchini, que trocou o sonhado réveillon com Mickey pelo show pirotécnico exclusivo. Tocchini, a mulher, Patrícia, e os dois filhos queriam ir para a Disney, mas resolveram adiar. “Viajaremos na segunda semana de janeiro, quando os preços já tiverem saído da estratosfera.”

Vítima do bug – Há ainda o temido “bug do milênio”. Como não se tem certeza do que pode acontecer quando os computadores identificarem o ano 2000, muitas empresas estão optando por deixar de plantão os funcionários com cargos estratégicos, que possam corrigir eventuais falhas nos sistemas. É o caso do carioca Reginaldo Marinho Fontes, 36 anos, diretor de produtos do Credicard, que trabalha em São Paulo. Casado e pai de dois meninos, Reginaldo não poderá romper o Ano-Novo com seus familiares na Barra da Tijuca, no Rio. A empresa, que investiu US$ 20 milhões para evitar qualquer problema, decidiu que no dia 31 deveria reforçar o plantão e manter na cidade uma equipe de técnicos, gerentes e executivos.

O fato é que poucos representantes da indústria turística têm motivos para sorrir com o ano 2000. E o Rio concentra a maior parte deles. “A ocupação está dentro de nossas expectativas, maior que a dos anos anteriores”, comemora Francisco Grabowsky, vice-presidente da Associação Brasileira de Indústrias de Hotéis. Em média já estão comprometidos 70% dos quartos em hotéis dos bairros mais disputados (Copacabana, Ipanema, Leblon, São Conrado e Barra da Tijuca), sendo que outros 10% estão bloqueados. No Sofitel, a suíte presidencial tem um pacote especial que custa a bagatela de R$ 50 mil e já está comercializado há tempos. O principal atrativo é a tradicional festa de Copacabana, que deverá reunir 2,5 milhões de pessoas e exigiu investimentos da ordem de R$ 5 milhões. A programação vai começar às 18h e incluirá shows de Beth Carvalho, Luís Melodia e baterias das escolas de samba Mocidade Independente de Padre Miguel e da Mangueira. O ponto alto será a queima de fogos, programada para durar 18 minutos, que vai cobrir o céu com imagens de corações, palmeiras, anéis de Saturno, estrelas e cascatas. Para comemorar os 500 anos do Descobrimento, o show pirotéc-nico vai abusar do verde-e-amarelo.

Fora da capital fluminense poucos foram os hotéis que conseguiram lotar os quartos e não se viram obrigados a baixar as diárias. Um deles é o Club Med. A rede francesa abriu as vendas em abril e poucas semanas depois já havia fechado o balcão. Não que os preços estivessem atraentes. Para a Bahia, o pacote de uma semana sai por R$ 3.836 por pessoa, contra os R$ 2.200 cobrados no ano passado e os R$ 1.300 fora de temporada. A dentista Edir Jordão Duarte Saadia é uma das hóspedes habituais do Club Med e segue para Itaparica com a família e amigos, num grupo que soma quase 40 pessoas. “A gente está fazendo um sacrifício porque gostamos do lugar e há quatro anos vamos para lá”, afirma. As exceções só confirmam a regra: ainda existe muita opção para quem quer começar o ano 2000 com o pé na estrada. Agora é que a festa do consumidor vai realmente começar.