Brasileiro que é brasileiro mesmo adora dar aquela temperada na língua portuguesa. Por isso, nem bem os imigrantes italianos se instalaram nos cafezais da novela Terra nostra e as pessoas, de Norte a Sul do País, já trataram de criar um divertido molho para juntar ao nosso idioma. Recentemente, a Volkswagen lançou uma propaganda de rádio onde adota várias vezes a expressão è vero. A Shell fez uma campanha de tevê com um garotinho explicando em italiano como participar de uma promoção de miniferraris. É… com muitas pitadas de ecco, vários quilos de amore mio, alguns pedacinhos de capisce e doses generosas de caspita e è vero, o Brasil está falando italiano à moda da casa.

Carlos Alberto da Silva, 19 anos, auxiliar de escritório da Rádio Jovem Pan FM, adorou a onda Terra nostra. Pudera. Extrovertido, ele imitava os personagens da novela para os colegas do trabalho. O sucesso foi tanto que logo recebeu convite para repetir a dose para os ouvintes. “Entrei uma, duas, três vezes no estúdio e agora apareço todo dia por lá com a gracinha do último capítulo”, conta Carlos que já conquistou bem mais do que 15 minutos de fama.

A mania de imitar os italianos pegou porque a novela, muito bem produzida e recheada de personagens simpáticos, caiu no gosto popular. De Antônio Carlos Magalhães, presidente do Congresso Nacional, à manicure do salão de bairro, todo Brasil fica ligado na Globo quando o navio a vapor desponta na telinha. E é simplesmente irresistível adotar no dia-a-dia as expressões que aparecem diariamente na trama, como se fossem bordões. Em 1997, quando a novela A indomada estava no ar, a moda do País era o inglês com sotaque nordestino, já que a fictícia cidade de Green Ville havia sido fundada por ingleses e ficava encravada em algum ponto do Nordeste. Agora, que a história tem como pano de fundo a imigração italiana, nada mais normal do que encontrar grupos copiando o jeitão cantado com que os personagens de Terra nostra se comunicam. “Aceitar e usar as expressões da novela é uma forma de mostrar aceitação e simpatia. Mexer com a linguagem dá um tom de humor e o público acaba sendo seduzido”, analisa Maria Lourdes Motter, integrante do Núcleo de Pesquisa de Telenovela da ECA, da USP.

Claro que como resultado dessa paixão arrebatadora pela novela a língua portuguesa ganhou sabor inusitado. Como cada espectador mora em uma região diferente e, principalmente, entende a pronúncia das palavras à sua maneira, o italiano que está nas ruas não é aquele que se fala na Itália. E sim um “italianês”. É aí que está toda a graça.

“Tem muitas coisas que nem sei o que significam”, confessa Gidalva dos Santos, 29 anos, doméstica. Para ela, o mais gostoso da novela é tentar aprender as expressões. Entre as prediletas está amore mio – que na sua fala de baiana arretada se transformou em “amor é meu”. Gidalva também adora dizer “regaça” (ragazza) e spaghetti. E revela que, nos primeiros capítulos de Terra nostra, nem sabia que esse era o nome de um tipo de macarrão. “Nos bailes, a gente começou a chamar de spaghetti os moços bonitos. E, quando um deles faz alguma bobagem, todos gritam ecco!”, conta com uma gostosa gargalhada.

È vero! – No curso de italiano do Circolo Italiano, em São Paulo, o efeito Terra nostra já foi detectado. “Ainda não dá para saber quantas matrículas vamos ter, mas que o número de telefonemas à procura de informações aumentou muito, isso é verdade”, diz Italo Caputo, 66 anos, professor de italiano que mora no Brasil há 33. Ele gosta da novela, mas aponta alguns escorregões. “Nunca vi falar tanto certo. É coisa de brasileiro e não de italiano”, comenta. No entanto, para Italo, os erros são propositais. Servem para que todos possam entender os diálogos. “Além disso, os imigrantes eram pessoas humildes e não usavam o italiano perfeito. Nem sabiam que língua falavam. Sabiam apenas que aquele era o idioma deles e ponto!”, explica.

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Ecco! – A professora Loredana Caprara, 69 anos, que dá aula de italiano no departamento de Letras Modernas da USP, também se diverte com a macarronada em que foi transformado o seu idioma. “As expressões são utilizadas fora do contexto. Os personagens empregam muito o ecco. Parece tique. Em italiano, a gente usa ecco no lugar de então, mas não se pode substituir todos os entãos por eccos”, ensina sem desmerecer o trabalho dos artistas.

Exceto os chatos de carteirinha, ninguém está lá muito preocupado em checar como é que se pronuncia ou se emprega essa ou aquela palavra. “Acho que os italianos falam meio cantado. Parece português”, acredita Mariana Junqueira de Freitas, dez anos, de São Paulo. É o que muita gente imagina e, por isso, todo mundo arrisca a falar a língua. Além disso, brasileiro adora uma farra e o sotaque dos italianos é a mais nova diversão. Na casa da dona de casa Maria Evaristo de Oliveira, 45 anos, em São Paulo, depois de cada capítulo a folia é garantida. “Imitamos sem parar o jeito de falar dos personagens”, conta. A filha, Adriana, 14 anos, acrescenta: “É… aqui, a gente sempre diz que é a nostra casa. Eu também uso muito a palavra caspita. Não sei o que significa, mas quando levo bronca do meu pai sempre falo”, revela.

Nos gabinetes do Congresso Nacional, em Brasília, alguns funcionários também foram picados pelo bichinho Terra nostra. Olívia Bezerra, 49 anos, é analista legislativa da assessoria de imprensa do senador Ademir Andrade. Ela conta que ensaia com o filho, João Alberto, 11 anos, algumas frases aprendidas na novela. “E, no gabinete, qualquer coisa que acontece a gente fala è vero! É uma forma de descontrair”, justifica.

Foi exatamente graças à descontração obtida por pequenas expressões em italiano que o estagiário Gustavo Kawaai Iinuma conseguiu se aproximar da secretária Karina Cassare. Um dia, chamou a paquera de Giuliana com sotaque. “Daí pra frente, foi um tal de meu Matteo, minha Giuliana, amore mio pra cá e pra lá”, lembra Karina. O final não foi exatamente o dos folhetins, mas rendeu uma boa amizade. “Nada como um assunto ou uma piadinha para chegar junto”, garante Gustavo.

Outro que também encarnou um Matteo foi o pesquisador Matheus Costa Marques Martinho, 23 anos. Viviam lhe perguntando onde estava a Giuliana. Até que ele cedeu às provocações. A namorada, que se chama Laura, ganhou um apelido. “Agora ela será, para sempre, a minha Giuliana”, exagera.Troppo – O mais bacana é que até os italianos e descendentes gostam dessa farra toda. A atriz Nair Bello, 68 anos, diz estar encantada com a nova mania nacional. “Acho bonito ver gente que não tem nada de italiano no sangue conversando com sotaque”, afirma. O comediante Agildo Ribeiro, 67 anos, mora no Rio e conta que, entre os amigos, a brincadeira com o “italianês” virou rotina. “Todo mundo é maledetto”, revela ele que é tão fã de Terra nostra que seu personagem Zorro, do programa Zorra Total, também da Globo, “adotou” a palavra como bordão. “Até em casa, vira-mexe, solto um ecco”, diz.

Para Francisco Roberto Savioli, o professor Platão da ECA-USP e do Anglo Vestibulares, a língua não é apenas um código, mas também um fato social e por isso está sujeita a embates, influências e modismos. “Houve época em que nem os próprios italianos queriam usar o idioma. Era feio, coisa de pobre. Agora, falar italianado como o bonitão da novela ganhou charme e deu prestígio para a língua”, analisa. De qualquer modo, não se pode imaginar que o efeito Terra nostra veio para ficar. “No momento, existe um pacto social, uma vontade coletiva. Mas esse italiano é modismo passageiro”, diz. Va bene! Que seja divertido enquanto durar.


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