Uma parte preciosa da história do Brasil – guardada a sete chaves há mais de 100 anos pela família imperial – vai sair do armário pela primeira vez. A pena de ouro com que a princesa Isabel assinou a Lei Áurea; a espada de Grão-Mestre da Ordem do Cruzeiro do Sul, que dom Pedro I e dom Pedro II usavam para ornamentar seus uniformes de gala; uma comenda da Ordem da Rosa (broche e colar), criada por dom Pedro I em homenagem à segunda mulher, Amélia de Lestemberg; um colar de brilhantes; e o cofre onde foi guardado seu enxoval de batismo poderão ser vistos pelo público em exposição permanente a partir do dia 2 de dezembro, na casa onde ela passava os verões, no centro de Petrópolis, a 70 quilômetros do Rio de Janeiro. As peças foram à Europa, voltaram ao Brasil quando acabou o exílio da corte monarquista, e mofaram num cofre e numa gaveta do Palácio do Grão Pará, residência de dom Pedro Gastão de Orleans e Bragança, neto da princesa. Há um ano, dom Pedro Gastão, 86 anos, fez uma espécie de plebiscito entre os cerca de 60 descendentes impe-riais que vivem no Brasil, na França e na Espanha e resolveu tirar o pó das obras. “O acervo é um bem da Nação. Não é nosso, mas do público”, explica dom Afonso, 51 anos, filho de dom Pedro.

Operação limpeza – Uma equipe da H.Stern Jóias esteve em Petrópolis munida de microscópio, iluminador de fibra óptica e uma aparelho elétrico contendo solução ácida para avaliação e limpeza das peças. “O valor delas não é material, mas histórico. Por isso, seu preço é inestimável”, afirma a gemóloga Chang He Ok. Uma das peças, a caneta de ouro da princesa, foi confeccionada especialmente para a assinatura da Lei Áurea e utilizada uma única vez. Tem 22 centímetros e 13 gramas de ouro 18. O cabo em forma de pena de pássaro ostenta uma fileira de 27 diamantes e 25 pastes (vidros usados em jóias antigas) avermelhados. No bico, ainda há manchas da tinta usada para fixar os autógrafos da princesa sobre o pergaminho em 13 de maio de 1888. A princesa e o marido, o Conde D’Eu, partiram de Petrópolis para o Rio para acompanhar a votação da lei pelo Senado. À noite, depois de uma missa campal e de uma grande festa no Paço Imperial, ela escreveu uma carta ao pai, dom Pedro II – com febre na Itália: “(…) É de minha cama que o faço, depois de muitas noites curtas, dias aziagos e excitações. O Paço estava cheio de gente e havia grande entusiasmo, discursos, vivas, flores. Nada faltou. A maior glória coube a papai, que há tantos anos esforça-se por um tal fim. Eu também fiz alguma coisa e confesso estar bem contente de ter trabalhado para idéia tão humanitária e grandiosa.” Após a assinatura da lei, a princesa ganhou de presente dos Estados brasileiros um colar de platina com 14 brilhantes e 29 pequenos diamantes, que também faz parte da mostra.

Paixão real – Vai ser exposta também a Comenda da Ordem da Rosa, criada em 1829 por dom Pedro I, avô da princesa, em comemoração ao aniversário de casamento com a austríaca dona Amélia. O cordão pesa quase meio quilo e é extremamente feminino. São 15 rosas e folhas verdes de metal esmaltado, intercaladas de emblemas com fundo em tela de ouro e o desenho das letras P e A. Pende do colar uma estrela ornada com pedrinhas e os dizeres “amor” e “fidelidade”. Dom Pedro I também exprimiu sua paixão pela mulher no broche – uma coroa de ouro ligada a uma estrela rodeada de pedrinhas rosas com os dizeres “liberdade” e “amor”. Cópias da comenda foram presenteadas a nobres. Para completar o acervo, os brasileiros poderão apreciar a espada cerimonial de Grão-Mestre da Ordem do Cruzeiro do Sul, a mais importante do Império. Ela é de aço tem 96 centímetros e o cabo, em cruz, é revestido de 66 meias pérolas, 73 gemas e vidros incolores, esmalte azul e detalhes de estrelas brancas.

A exposição também marca a inauguração do Centro Cultural Princesa Isabel. Na residência de 30 cômodos em estilo neoclássico, alugada pela princesa e o Conde D’Eu em 1874, serão contados os 200 anos de história de Petrópolis e exibidos outros objetos do acervo imperial, como 200 fotografias do álbum de família. “São fotos íntimas e servem para mostrar que somos uma família normal, como qualquer outra. A princesa era uma pessoa doce, mas severa com os netos. Sua maior tristeza foi ter morrido no exílio. Sentiu-se traída pelas oligarquias”, recorda o bisneto dom Afonso.