Em Indiana Jones e a última cruzada de Steven Spielberg, os personagens de Sean Connery e Harrison Ford cavalgam por um desfiladeiro até se surpreenderem com um gigantesco templo perdido no deserto. A magnitude do edifício deixa os dois por alguns segundos em estado de êxtase. O templo existe e é mesmo de perder o fôlego até para quem já viu essa cena repetidas vezes. Esculpido em rochas e com paredes de 40 metros, está o Al-Khazneh Farun ou o Tesouro do Faraó, uma das preciosidades da cidade rósea Petra, a 260 quilômetros de Amã, capital da Jordânia. Os arqueólogos do filme estavam em busca do cálice sagrado. Talvez Spielberg tenha se inspirado na lenda sobre um tesouro dentro desse fabuloso templo construído pelos nabateus – os primeiros habitantes de Petra.

A melhor hora para se ter uma visão mágica é às dez da manhã quando os raios de sol atingem as esculturas dos animais no topo do Tesouro. Nesse monumento esplendoroso que data da época do rei Areta IV (84-85 a.C), os nabateus – um povo pagão, descendente dos beduínos do Norte da África – ofereciam sacrifícios às suas divindades ligadas à fertilidade e à abundância: o deus Dushara (Senhor da Vida) e a sua esposa, Al’Uzz (A Poderosa). Os nabateus eram nômades e essas divindades foram adotadas da cultura grega, durante suas andanças pelo mundo.

Para chegar ao Tesouro do Faraó é preciso caminhar cerca de um quilômetro e meio pelo desfiladeiro cinematográfico do vale do Siq, formado por abalos sísmicos há milhões de anos. Na versão bíblica, Moisés seria o responsável pela formação do vale. Com seu cajado, o profeta teria justamente partido a rocha rosada para que dela brotasse água para dar de beber ao povo de Israel que estava a caminho da Terra Prometida. Ao contemplar as muralhas de 100 metros do Siq, descobrem-se detalhes da vida cotidiana do povo nabateus. Escavações arqueológicas que até hoje acontecem nos permitem ver as canaletas que distribuíam água pela cidade. A água era tão preciosa para os nabateus, que era considerada uma de suas divindades.

Rota da seda – Logo no começo do Siq, notam-se resquícios de uma arcada, antiga entrada de uma rua que chegou a ser pavimentada e por onde passaram centenas de mercadores de todo o mundo que viajavam pelo Golfo Pérsico, incluindo os que iam em busca da rota da seda na China. Os mercadores nabateus eram conhecidos como salteadores. E quem quiser sentir a mesma emoção de Indiana Jones pode alugar um cavalo para atravessar o vale até chegar ao Tesouro do Faraó. Os mais pacientes podem arriscar subir em um jumento oferecido pelos beduínos.

Depois de alguns terremotos, eles foram obrigados a se mudar, na década de 80, para um vilarejo vizinho. Hoje trabalham como arqueólogos, guias ou nas tendas para turistas. No esplendor do reino nabateus (entre o I a.C. e o I d.C), que dominou durante quatro séculos es-ta parte do Orien-te Médio, Petra chegou a ter cerca de 30 mil habitantes. Os romanos não tardaram a ambicionar suas riquezas e vieram a dominá-la no século CVI d.C. A arquitetura romana é presente em várias edificações. No entanto, a mais bela delas é, justamente, um teatro construído pelos naba-teus e ampliado pelos romanos. É o maior do planeta escavado na pedra. Tem oito mil lugares. Era lá que aconteciam as lutas entre os gladiadores e suas feras, com derramamento de sangue que levava a platéia ao êxtase. Foram nesses assentos de pedra que os nabateus aplau-diram os pantominas – atores que faziam imitações, cantavam e dançavam.

Petra foi palco de tantas histórias, fictícias e verdadeiras, que não há via-jante que não resista aos seus encantos. Em suas montanhas majestosas, como prova de devoção a Deus, Abraão quase sacrificou seu filho Isaac, salvo pela mão de um anjo. Por Petra também passaram as Cruzadas que ergueram suas fortalezas. Com o Império Bizantino, chegou à cidade rósea o cristianismo no século IV d.C., época em que esses templos pagãos se transformaram com os cultos católicos. Séculos depois, alguns beduínos acabaram convertendo-se do islamismo para o cristianismo.

Suíço de véu – Para o Ocidente, a cidade escondida nas montanhas só foi desvendada no ano 1812. E seu véu foi tirado por um jovem aventureiro suíço que falava árabe e disfarçou-se de muçulmano para conhecer o tão falado vilarejo. Johann Ludwig Burckhardt era um apaixonado pela cultura árabe e já havia explorado o Egito e a Síria antes de chegar à Petra. Usou o nome de Ibrahim Ibn Addallhah e contratou um guia local com a desculpa de que gostaria de ver a tumba de Arão. O explorador ficou apenas um dia porque temia ser identificado pelos beduínos, mas teve certeza de que havia encontrado as provas remanescentes da cidade de dois milênios.

A tumba do profeta Arão é até hoje um local sagrado para os muçulmanos e esteve sob o cuidado dos monges gregos cristãos até o século XIII. Há muitos peregrinos que acreditam que a tumba carrega o espírito do profeta. Talvez seja essa a razão de uma cabra ser sacrificada todos os anos em homenagem ao profeta. O templo-tumba de Arão é apenas um dos que merecem ser explorados pelos turistas. Vale a pena ver a tumba do Renascimento e a tumba do soldado romano.

Patrimônio da Unesco desde 1985, esses tesouros arqueológicos da Jordânia são visitados por centenas de pessoas semanalmente. Há poucas lojas que vendem artesanato genuíno do povo do deserto e entre suas belezas estão os tapetes e os colares. Mas cuidado com os beduínos que insistem em empurrar bijuteria indiana. O que os visitantes, porém, não sabem é que, segundo os pesquisadores, há cerca de 75% da cidade ainda debaixo da areia e a qualquer momento novas maravilhas podem emergir. Bom motivo para voltar a Petra.