Antidepressivos são remédios para tratar a depressão. Até aí, tudo bem. Atualmente, no entanto, essas drogas estão sendo indicadas para diversos outros males como dores crônicas, obesidade, distúrbios do sono, fobia social, síndrome do pânico, transtorno obsessivo compulsivo, dependência do fumo e tensão pré-menstrual. Essas múltiplas utilidades foram descobertas graças aos esforços dos principais laboratórios farmacêuticos. A depressão é uma das doenças mentais mais incidentes no mundo (20% da população vai desenvolver o distúrbio em algum momento da vida). E também uma das mais estudadas. Daí, é natural que se descubram outras funções para os antidepressivos.

Remédios como o Tofranil e o Tryptanol, por exemplo, são os mais usados para o alívio de dores crônicas. Eles são chamados tricíclicos – geração de antidepressivos anterior ao surgimento do Prozac – e possuem maior efeito analgésico. Ao contrário dos medicamentos mais modernos, esses não selecionam um único neurotransmissor (substância responsável pela comunicação entre as células nervosas) para atuar, mas interferem em vários ao mesmo tempo: na serotonina, na dopamina, na noradrenalina, entre outros. E é esse estímulo generalizado que favorece a recuperação do sistema nervoso, responsável pelo controle da dor. “Sentir dores constantes desgasta esse sistema de controle natural. O antidepressivo tenta reparar o dano”, afirma o psicoterapeuta João Figueiró, do Centro da Dor do Hospital das Clínicas de São Paulo. “É como colocar óleo em uma dobradiça enferrujada. Aos poucos, a lubrificação facilita o movimento e não é preciso mais usar o óleo.” Graças a esses efeitos, os antidepressivos multiuso estão ajudando muita gente. É o caso da estudante Karen Fernandez, 21 anos, que sofria de dor de cabeça desde os cinco. Ela já havia, sem sucesso, recorrido a tratamentos de acupuntura e homeopatia. “Tinha dor de cabeça 27 dias por mês e vivia tomando analgésicos fortes que aliviavam muito pouco”, recorda. Com o atual tratamento, sua qualidade de vida deu um salto. “Durmo melhor, estou mais calma e há sete meses não sei o que é ter dor”, comemora.

Os antidepressivos, em especial os da geração pós-Prozac, também têm funcionado como coadjuvantes em distúrbios com pouca ou nenhuma opção medicamentosa. Em outubro deste ano, por exemplo, o Zoloft foi aprovado pela Food and Drug Administration (FDA), órgão que regulamenta drogas e alimentos nos Estados Unidos, como a primeira medicação eficaz no tratamento do stress pós-traumático. Portadores desse transtorno, em geral, tiveram experiências violentas como estupros e terríveis acidentes e costumam vivenciar a tragédia sob a forma de flashbacks, sonhos ou pesadelos. Para eles, o Zoloft funciona como um calmante, sem o risco de dependência. O medicamento age aumentando os níveis de serotonina, o que diminui a ansiedade e faz com que se pare de ter pesadelos.

A grande vedete do momento, entretanto, é o Zyban, um antidepressivo que está incrementando o arsenal contra o fumo. Ele foi aprovado para o tratamento da depressão em 1989 nos Estados Unidos e levava o nome Wellbutrin. “Com o uso os pesquisadores perceberam que a droga tinha um efeito colateral importante: a queda no desejo de fumar”, informa Cláudio Péricles, diretor médico da Glaxo Wellcome, responsável pela droga. Diante disso, o laboratório relançou o produto, desta vez com o nome de Zyban, e passou a enfatizar suas virtudes antitabagistas. O mecanismo de ação ainda não foi totalmente desvendado, mas, ao que tudo indica, o remédio age da mesma forma que a nicotina. “O cigarro estimula a liberação de dopamina numa região cerebral chamada de centro do prazer. Como o antidepressivo faz a mesma coisa, a pessoa não sente mais tanta vontade de fumar porque está com o nível de dopamina alto”, explica o psiquia-tra Ronaldo Laranjeiras, da Universidade Federal de São Paulo. Estudos realizados pela Glaxo têm mostrado resultados animadores do uso do Zyban no controle de compulsão por álcool, cocaína e comida. A rigor, no entanto, a droga só é liberada para quem deseja parar de fumar, como o publicitário Carlos Henrique Equi, 33 anos. “O remédio me deixou equilibrado. Consegui domar a fissura e resistir ao primeiro cigarro”, lembra Equi. Ele comemora dois anos de abstinência. “O máximo que chego perto de um cigarro hoje é respirar a fumaça deixada pelo pessoal que trabalha aqui”, diz.

TPM – Em poucos meses, será a vez de o Prozac, um dos antidepressivos mais vendidos no mundo (cerca de 38 milhões de pessoas já tomaram o medicamento desde que foi lançado em 1988), ter mais uma indicação descrita na sua bula. Está em vias de ser aprovado pela FDA para o tratamento da tensão pré-menstrual (TPM) severa, um quadro que acomete de 5% a 7% das mulheres e se caracteriza predominantemente por crises de choro, irritabilidade, baixa auto-estima e dores de cabeça nos dias que antecedem a menstruação. Há quatro anos, no Centro de Apoio à Mulher com TPM do Hospital das Clínicas de São Paulo, a fluoxetina (princípio ativo do Prozac e seus similares como Eufor, Daforin e Verotina) vem sendo indicada. “Notamos uma melhora de mais de 65% dos sintomas em 70% das mulheres com TPM grave”, informa Mara Solange Diêgoli, coordenadora do Centro. “Tanto a síndrome menstrual quanto a doença são alterações decorrentes da queda nos níveis de serotonina – substância produzida pelas células nervosas e responsável pelo humor, pelo comportamento e pela fome. Como a fluoxetina consegue manter o nível de serotonina estável, os sintomas são reduzidos”, explica Mara.

A secretária Marilene Russo, 41 anos, é uma prova disso. Há seis meses, toma dez miligramas de fluoxetina diariamente para evitar as graves crises de TPM que enfrenta desde os 30 anos. “Eu ficava extremamente sensível e não tinha ânimo para nada. Algumas vezes não conseguia nem trabalhar direito”, lembra. Com a medicação certa, Marilene recuperou o equilíbrio. “Não fico mais irritada Só sei que vou menstruar quando sinto umas pontadas na barriga”, diz. A ação exclusiva sobre a serotonina, característica dos antidepressivos modernos, aumenta também a sensação de saciedade e evita a compulsão pela comida. Quem está acima do peso por causa desse comportamento, portanto, pode beneficiar-se. Pelo mesmo motivo, o antidepressivo ajuda a tratar a bulimia, transtorno alimentar caracterizado pela ingestão de altas doses de comida precedido, em geral, de vômitos.

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Libido – A utilidade dos antidepressivos, como se pode notar, é ampla. E, ao que parece, não vai parar por aí. Novos estudos sugerem que esses medicamentos podem ser prescritos até no tratamento de determinados casos de ejaculação precoce. Isso porque um dos efeitos colaterais do medicamento é reduzir a libido, o que leva a crer que o remédio pode aumentar o tempo entre o início da excitação e o orgasmo, retardando a ejaculação. Nesses casos, o uso seria recomendado apenas para quem tem um desejo sexual excessivo.

É importante saber, entretanto, que alguns antidepressivos, em especial os tricíclicos, aumentam as chances de efeitos colaterais como tontura, boca seca, ganho de peso e insônia. Por esse motivo, a dose desses medicamentos indicada para problemas além da depressão é inferior à usada para tratar essa doença. É uma estratégia que atenua os efeitos indesejáveis. De qualquer maneira, os benefícios são maiores do que os eventuais desconfortos.


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