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Pelé jogaria ao nível de Messi se atuasse no futebol atual? Messi jogaria como Pelé no futebol do passado? Nunca saberemos.

O astrofísico inglês Stephen Hawking, um dos cientistas mais respeitados do mundo, acredita que uma viagem no tempo é possível, mas só para o futuro. Segundo ele, se uma nave com homens a bordo atingisse a velocidade próxima da luz, cada ano no espaço equivaleria a 365 anos na Terra. Dessa forma, humanos poderiam voltar no futuro para, digamos, repovoar um planeta destruído por uma guerra nuclear global. Para o passado, entretanto, Hawking acredita que não é possível, pois criaria um paradoxo científico — aquele de que o neto volta ao passado e mata o avô, tornando impossível sua vida no futuro.

Mas, na própria Inglaterra de Hawking, alguns produtores muito criativos da BBC conseguiram fazer uma família viajar no tempo — e para o passado! Aconteceu em 2009, quando uma família inglesa, formada por pai, mãe e quatro filhos, aceitou passar dois meses vivendo somente com a tecnologia existente nos anos 70, 80 e 90. E assim lá foi a família convidada pelo programa “Electric Dreams” viver sua aventura no passado. Cada dia equivalia a um ano, de forma que todos os dias a família recebia novos objetos lançados pela tecnologia da época — enviados por uma equipe técnica do programa. Até a decoração da casa mudou — no início, a família teve de se contentar com um televisor preto e branco e o pai ia trabalhar com um carro de 39 anos atrás.

Nada de internet, celular, câmeras digitais e outras modernidades. No final do programa (1995 a 1999), quando as crianças já estavam pirando por ter de estudar sem internet, a família ganhou uma internet. Discada.

Como atuariam os jogadores atuais se, como no programa da BBC, tivessem de entrar em campo neste fim de semana para jogar somente com a tecnologia disponível em 1970? Estranhariam — e muito. O goleiro receberia uma camisa grossa, pesada, de mangas compridas, com acolchoados no peito e nos cotovelos. O calção também seria pesado, feito de um tecido grosso, com acolchoados nas laterais. Nos joelhos, grossas joelheiras. As luvas também seriam pesadas e o uniforme, com raras exceções, teria de ser todo preto. Os jogadores da “linha” também jogariam com camisas, calções e meias pesadas, que não absorviam o suor. As chuteiras de todos eles seriam como botinas com travas. Eles teriam o preparo físico de hoje, mas veriam que chutar a bola, fazer reposição com as mãos ou simplesmente correr seria bem mais difícil graças ao uniforme. Sem contar que só os corajosos cabeceariam de olhos abertos, porque as bolas de capotão usavam couro grosso, sem a leveza das Jabulanis e Cafusas.

Quanto às regras, era permitido recuar a bola com os pés para o goleiro, que muitas vezes fazia “cera”. O impedimento também era diferente. Mesmo que o jogador não participasse da jogada, se estivesse à frente do último defensor antes do goleiro, sua posição seria irregular. Ah, e uma vitória valia só dois pontos, portanto o mesmo do que dois empates. Talvez só os juízes e os bandeirinhas fossem gostar, pois não havia 15 câmeras fiscalizando cada milímetro percorrido pela bola. Jogadores que simulam falta, como Neymar, se dariam bem no futebol dos anos 70.

Nesse ambiente, o Brasil de 1970 se eternizou como o time que teve o futebol mais bonito em todas as Copas do Mundo. Mas aquela Seleção Brasileira ainda usava o esquema tático herdado das Copas de 1958 e 1962, um 4-4-3 torto, com o ponta-esquerda recuado para reforçar o meio de campo. Zagallo fez esse papel nas Copas da Suécia e do Chile e passou essa missão para Rivellino no México, em 1970. A revolução tática só aconteceu mesmo em 1974, quando a Holanda de Cruyff, dirigida por Rinus Michels, apresentou o futebol total, no qual todos os jogadores tinham posições móveis. Mas a tecnologia de bola, uniforme e chuteiras era a mesma.

Os jogadores que viajassem de hoje para as Copas de 1970 e 1974 possivelmente achariam o esquema tático da Seleção Brasileira ingênuo e o da Seleção Holandesa impossível de ser executado. Não foi muito diferente na década de 80. O Brasil tinha um ótimo time em 1982, mas continuava jogando no 4-3-3 torto, dessa vez sem um ponta-direita, que era a posição original de Telê Santana, como a ponta-esquerda era a de Zagallo. Antes disso, houve uma tentativa de evolução tática na Copa de 1978, com Cláudio Coutinho, mas o seu vocabulário hermético criou uma crise entre ele e a imprensa, que o detonou.

Passaram-se 24 anos até que o Brasil e a tecnologia fizessem as pazes. Criticado por adotar um futebol “feio”, o técnico Carlos Alberto Parreira adotou o sistema 4-4-2, com Dunga e Mauro Silva jogando de volantes e, a despeito de ser acusado de retranqueiro, fez uma ótima Copa do Mundo em 1994 e voltou com a taça. Foi também em 1994 que a bola ficou mais leve. No lugar do couro curtido e tinta, a Adidas utilizou poliuretano como revestimento e poliestireno na parte interna. O uniforme também não era tão pesado como o de 1970, 1974 e 1982, mas ainda incomodaria os jogadores atuais.

Finalmente, na Copa de 1998, o uniforme ficou bem mais leve, por causa das camisas e calções dry fit, e a bola “emagreceu” mais ainda, com a aplicação de poliestireno também sob a camada de poliuretano. O Mundial de 1998 talvez possa ser considerado o primeiro do chamado futebol moderno. No finalzinho do século passado, finalmente os jogadores atuais estariam mais adaptados, por causa da velocidade do jogo, da leveza das chuteiras, uniformes e bola, e da vida pop star dos atletas, além das opções táticas variando do 4-4-2 para o 3-5-2 ou 4-2-3-1.

Diante disso tudo, seria mais provável que Pelé se adaptasse ao tempo de Messi do que Messi ao tempo de Pelé. Pena que Pelé não tenha pegado, lá em 1970, uma nave dessas citadas por Stephen Hawking.