Os escritores Ernest Hemingway e John dos Passos, dois dos principais nomes da literatura dos EUA, foram amigos, mas tinham personalidades opostas. Enquanto Hemingway (1899-1961) se mostrava um homem perturbado, sempre consumido por paixões e pelo seu modo bastante individualista de participar da vida política, Dos Passos (1896-1970) era uma pessoa centrada, discreta e comprometida publicamente com causas que julgava revolucionárias. Hemingway era vaidoso, narcísico e egocêntrico. Dos Passos, digamos, era tranqüilo e não vivia para receber aplausos. Mesmo com perfis tão distintos, eles, no entanto, se admiraram reciprocamente – até que a relação foi minada por ressentimentos e idéias conflitantes durante a Guerra Civil Espanhola (1936- 1939), que contrapôs republicanos e fascistas e deixou cerca de um milhão de mortos. Focado nessa amizade que se deteriorou, o autor americano Stephen Koch escreveu O ponto de ruptura – Hemingway, John dos Passos e o assassinato de José Robles (Difel, 352 págs., R$ 40 ).

Ambientado na Guerra Civil, o livro apresenta um panorama desse período em que o mundo estava às vésperas da Segunda Guerra. Quando trata de Ernest Hemingway, o autor registra que ele "tinha o hábito de arranjar culpados" para todos os seus dramas pessoais (inclusive o alcoolismo), ou seja, era dono de um temperamento projetivo e jogava sempre a culpa nos outros. John dos Passos foi um de seus alvos. Hemingway (autor do clássico O velho e o mar) partiu para a Espanha no início da guerra em "busca de experiências renovadoras", deixando nos EUA o amigo Dos Passos (autor de Paralelo 42), enaltecido como um grande escritor de esquerda. Pouco depois, ele fez o mesmo caminho, mas deparou-se com um cenário invertido: enquanto Hemingway era aclamado, ele passou a ser malvisto pelos republicanos aos quais levara o seu apoio.

A ruptura à qual se refere o título do livro se dá quando Dos Passos toma conhecimento da morte do amigo espanhol José Robles, um entusiasta da República. Assim que a Guerra Civil eclodiu, ele ganhou a patente de tenentecoronel do exército republicano e teve acesso a dados restritos à cúpula do governo. Assassinado misteriosamente, a sua morte desencadeou uma guerra na esquerda espanhola e parte dela o acusava de ter sido um espião fascista. Diante da tentativa de Dos Passos em esclarecer as causas da morte, Hemingway traiu o amigo: passou a desmoralizá-lo publicamente e rotulou-o de fascista, obrigando-o a abandonar a Espanha. A experiência da guerra ajudou Hemingway a escrever Por quem os sinos dobram, uma de suas melhores obras. Para John dos Passos, ficou a certeza de que algumas amizades são muitas vezes baseadas numa profunda rivalidade.

TRÁGICA VIDA
Entre as obras mais importantes de Ernest Hemingway estão O sol também se levanta, Adeus às armas, Por quem os sinos dobram, O velho e o mar e As ilhas do corrente. Ele se suicidou nos EUA aos 61 anos, em 1961, com um tiro de fuzil. O seu pai também se matara em 1929. Na verdade, suicídios marcaram a história da família: Margaux Hemingway, neta do escritor, suicidou-se em 1982.

MENTE TRANQÜILA
O escritor John dos Passos morreu em 1970, em Baltimore, nos EUA, aos 74 anos. Ele foi um escritor politicamente engajado e influente, embora, ao contrário de Hemingway, não precisasse da aprovação do público para se sentir bem. A sua obra mais importante é a Trilogia USA (1932), formada pelos seguintes títulos: Pararelo 42 (que é o mais famoso), 1919 e O grande capital.