A CPI do Narcotráfico desembarca nesta terça-feira 7 em Vitória para apurar as denúncias de que o ministro da Defesa, Élcio Álvares, e o presidente da Assembléia Legislativa, deputado José Carlos Gratz (PFL), teriam envolvimento com o crime organizado capixaba. Vai investigar também uma nova história. Há dez dias, o disque-denúncia da Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo recebeu a informação de que, atendendo a encomenda do deputado Gratz, um armeiro de Cachoeiro de Itapemirim havia confeccionado quatro silenciadores. A mercadoria seria apanhada nos próximos dias pelo ex-tenente Paulo Jorge dos Santos Ferreira, um foragido da Justiça, acusado de pistolagem e tráfico de drogas. O Serviço de Informações da Polícia Civil foi escalado para investigar a denúncia. No começo da noite da terça-feira 30, em cumprimento a um mandado de busca e apreensão, uma equipe policial encontrou, além de silenciadores, uma fábrica clandestina de armas na casa do armeiro João Mariano Godoy, um homicida que está em liberdade condicional. “Durante os oito anos em que fiquei preso, minha família ficou protegida. Se eu voltar para a cadeia, ela vai continuar segura”, alegou Godoy ao se negar a revelar os nomes de quem encomendava seus serviços. Tinha bons motivos para exibir tanta segurança. Mesmo tendo sido preso em flagrante, carregando na cintura uma pistola Taurus 6.35, Godoy foi posto em liberdade e teve seu arsenal liberado pelo juiz Solimar Soares da Silva, que exigiu também a liberação de quatro passarinhos. O secretário de Segurança José Rezende de Andrade descumpriu a ordem de devolver as armas, encaminhando-as à Polícia Federal. “Isso é da maior gravidade. Vamos fundo na apuração dessa história”, disse a ISTOÉ o deputado Fernando Ferro (PT-PE), responsável pela coordenação das investigações da CPI do Narcotráfico no Espírito Santo.

Os deputados da CPI que irão ao Estado – além de Fernando Ferro, participarão da diligência o relator Moroni Torgan (PFL-CE) e Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ) – vão tentar convencer Godoy a contar para quem estava trabalhando. O outro alvo da denúncia anônima é o ex-tenente Paulo Jorge, que fugiu da cadeia em São Paulo depois de flagrado com um carregamento de 40 quilos de cocaína. Há dois meses foi decretada sua prisão preventiva pelo assassinato em maio deste ano de João Luís da Silva, um dos indiciados na “Operação Marselha” da Polícia Federal que desbaratou uma quadrilha que roubava carros para trocá-los por cocaína na Bolívia. A morte de João Luís teria sido queima de arquivo. Curioso é que o advogado Dório Antunes, que era o defensor de João Luís, agora cuida da causa de Paulo Jorge. Dório é associado do escritório de advocacia de Élcio Álvares e irmão de Solange Antunes, uma superassessora do Ministério da Defesa. No final de setembro, o delegado de polícia Francisco Vicente Badenes Júnior entregou à CPI da Violência da Assembléia Legislativa capixaba uma pilha de documentos em que o nome de Élcio Álvares aparece em dois organogramas sobre o crime organizado. “Esclareço que reafirmarei à CPI do Narcotráfico todo o inteiro teor do meu relatório com relação ao ministro da Defesa, Élcio Álvares, pois tudo pode ser aferido com material de prova”, assegurou Badenes em carta enviada a ISTOÉ, que divulgou com exclusividade o conteúdo das apurações feitas pela Assembléia capixaba.

Outro depoimento que promete ser bombástico é o do procurador-geral da República no Espírito Santo, Ronaldo Albo. Ele vai revelar à CPI quem são os políticos, juízes, empresários e policiais capixabas envolvidos com o crime organizado. “Tudo indica que no Espírito Santo a CPI vai chegar a gente graúda”, aposta Moroni Torgan. Um dos peixes grandes é José Carlos Gratz, dono de um império de jogatina.

Bingos – “Fui banqueiro do jogo do bicho. Mas como tenho uma formação familiar, não tenho nenhum envolvimento com o narcotráfico. A CPI não vai obter nenhuma palavra minha sobre esse assunto. Não é a minha praia falar sobre narcotráfico”, afirma o deputado. Um relatório do promotor Evaldo Martinelli sobre as investigações da Delegacia de Crimes Fazendários revela que os donos do Super Bingão Real, João Amado Santos Godoi e Francisco Marcelo de Souza Queiroga, disseram em depoimento que o deputado Gratz também é sócio do empreendimento. Os bingos são acusados de lavar o dinheiro do narcotráfico através das máquinas caça-níqueis.

Martinelli conta também uma história que relaciona o Bingão Real com o cartel de Cáli. Em 14 de fevereiro deste ano, Francisco Queiroga foi à polícia denunciar que assaltantes haviam levado de sua casa o faturamento com a venda de cartelas do sorteio a ser realizado no dia seguinte. Dias depois, dois funcioná-rios do Bingão foram sequestrados no aeroporto de Vitória e, em seguida, assassinados. Um mês depois, foi preso em Manaus Raimar Lima Almeida. Ele confessou que, em companhia do ex-policial Jorge Vaz Cerquinho, traficante e químico do cartel de Cáli, foi a capital capixaba justamente para cobrar uma dívida de Queiroga. A CPI vai querer ouvir de Gratz uma explicação também para a acusação de que pagou propina ao delegado Aristides Ferreira Lima em troca da liberação de máquinas de videobingo apreendidas no Bingo do Canto. Em depoimento prestado no final de junho na 7ª Vara Criminal de Vitória, o empresário Franklin Placido Campozana, sócio de Gratz no bingo, declarou que foi o deputado quem tomou a decisão de pagar o delegado. Ao mesmo tempo que tenta abrir a caixa-preta do crime organizado no Espírito Santo, a CPI do Narcotráfico fará diligências nos próximos dias em outros quatro Estados – Alagoas, Pará, Minas Gerais e Rio.

Sem obstáculos
Uma liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, paralisou na última quarta-feira os trabalhos da CPI do Narcotráfico. O ministro concedeu ao advogado de um policial que iria depor na comissão o direito de se manifestar durante a sessão para defender seu cliente. A decisão deixou os deputados da CPI atônitos e gerou protestos. “Isso abre um precedente grave. Daqui a pouco qualquer advogado vai poder entrar no plenário para interferir nas votações”, protestou o relator da CPI, deputado Moroni Torgan (PFL-CE), depois de levar o problema ao presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP). Com a intermediação de Temer e do presidente do STF, Carlos Velloso, o comando da CPI se reuniu com Celso de Mello. Depois de quatro horas de conversa, o ministro admitiu rever o seu despacho e publicar uma interpretação da liminar deixando claro que a interferência do advogado a qualquer momento só poderá ocorrer por escrito e sem tumultuar os trabalhos da comissão. A CPI saltou mais um obstáculo.