O comissário Adelio Gray e o oficial Miguel Deguizamón desembarcam, quarta-feira 1º, de um helicóptero de combate numa fazenda perto do município paraguaio de Capitán Bado, a poucos quilômetros da fronteira brasileira, prontos para uma guerra. Usando uniformes de camuflagem, armados com fuzis M-16 e pistolas 9mm, eles comandam 30 homens da elite da polícia paraguaia que vasculham os 120 quilômetros que vão das cidades paraguaias de Pedro Juan Caballero a Capitán Bado. Gray é o diretor nacional de narcóticos, ligado diretamente à Presidência da República do Paraguai. Os policiais do serviço antidrogas, alguns treinados nos EUA, foram mandados de Assunção para ajudar a Polícia Federal brasileira numa faxina inédita na fronteira entre os dois países. Procuram em particular um foragido brasileiro, o traficante carioca Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, ligado à quadrilha do ex-deputado Hildebrando Pascoal. Figurinha carimbada em festas e em eventos em Capitán Bado, Fernandinho anda pela região em uma Blazer e uma Toyota Ranger cercado de pistoleiros armados com metralhadoras Uzi. Até a semana passada ele vinha se escondendo numa casa em Capitán Bado, cidade de dez mil habitantes separada apenas por uma rua de Coronel Sapucaia (MS). No bunker, a polícia só encontrou dezenas de cartuchos de fuzil e antenas de rádio.

A poucos metros da sede da polícia de Capitán Bado, Fernandinho comanda a distribuição de cerca de 200 quilos de cocaína a cada 15 dias. Suspeita-se que se tenha mudado para a Bolívia ou a Colômbia. Enviados pelo diretor-geral da PF, Agílio Monteiro, 60 agentes cercam a área que vai de Bela Vista a Salto do Guaíra. Dos dois lados, fazendas com pistas de pouso clandestinas tornam-se o esconderijo de armas e drogas. Nos últimos dias, brasileiros e paraguaios, com o apoio da Justiça, entraram em fazendas de empresários, apontados como amigos de Fernandinho.

Na segunda-feira 29, a polícia paraguaia prendeu na cidade, por envolvimento com narcotráfico, um dos membros da família Morél, Israel, irmão de João e tio de Ramon, sócio de Fernandinho. A família Morél circula livremente entre Capitán Bado e Coronel Sapucaia. Ramon é presidente da Federação de Futebol de Salão de Capitán Bado, ligada à Confederação de Futebol da cidade, presidida pelo vereador paraguaio José Lescano. Proprietário de uma firma caseira de sofás, Lescano nega qualquer envolvimento com o narcotráfico e se diz surpreso com as acusações. “A gente ouve falar isso tudo, mas a polícia é que deve investigar, não eu. E confio na polícia.”

Outro sócio de Fernandinho identificado pela CPI, João Pitoco, tem um braço dentro da Prefeitura de Coronel Sapucaia. O vice-prefeito, Carlos Magno Fernandes, o Carlão, dono de um escritório de contabilidade, é cunhado de Marlene Flores Pinheiro, mulher de Pitoco. Marlene é citada em depoimento prestado à polícia pela tesoureira Deise Valéria Batista, responsável pelos pagamentos em contas bancárias no Rio, em São Paulo e em Mato Grosso do Sul, como uma das destinatárias dos depósitos de Fernandinho. Procurado por ISTOÉ, Carlão, disse nunca ter visto ou falado com o traficante.

O transporte de madeira é frequentemente usado para acobertar o tráfico de drogas. No domingo 30, a polícia paraguaia encontrou em Puerto Falcón, escondido em um carregamento de lâminas de madeira, 1,5 tonelada de maconha prensada. Apontada como parte do esquema de Fernandinho, a Madeireira Madeara, instalada no Paraguai, mas com sede em Coronel Sapucaia, é uma das serralherias que, além de devastar a floresta nativa, pode estar ajudando a passar a droga através das fronteiras do Brasil, da Argentina e do Chile. “Eu vendo madeira de lei. À vista e sem nota. De onde vem o dinheiro não me interessa. E se colocavam outra carga dentro das toras, não é problema meu”, disse o empresário Hélio dos Santos, dono da Madeara e ex-prefeito de Coronel Sapucaia. Sua empresa recebeu ordens de pagamento de Fernandinho Beira-Mar. Hélio admite não ter como explicar o volume de seus negócios. Suas serralherias vendem madeira para Brasil e Argentina, sem nota fiscal. As notas são “esquentadas” por empresas instaladas na cidade. Quem conhece bem a região afirma que uma devassa da Receita Federal nas serralherias da região e do Banco Central na agência local do Banco do Brasil ajudaria a explicar a prosperidade de muitos novos-ricos deste lugar esquecido na fronteira entre Brasil e Paraguai.