O personagem era o mesmo: pálido, cambaleante, com voz pastosa. Mas, desta vez, o presidente Bóris Yeltsin parecia estar possuído pela fúria de guerreiro frio de alguns de seus antecessores comunistas. Na quinta-feira 9, em visita oficial à China, o dirigente russo mandou um duro recado ao presidente americano, Bill Clinton. “Ontem, Clinton tomou a liberdade de pressionar a Rússia. Parece que ele se esqueceu de que a Rússia tem um arsenal completo de armas nucleres. Quero dizer a Clinton que ele não pode ditar aos demais países o modo como as pessoas devem viver, trabalhar ou divertir-se. Isso compete a nós”, esbravejou Yeltsin numa conversa com jornalistas depois de um encontro com o presidente chinês, Jiang Zemin. O motivo de tanta irritação foram as críticas da Casa Branca à intervenção militar russa na república separatista da Chechênia.

Espionagem – “Acho que ele não tinha se esquecido de que os EUA são uma grande potência quando discordou do que nós fizemos em Kosovo”, respondeu Clinton no mesmo dia. O clima de guerra fria se acentuou mais ainda devido a um incidente diplomático ocorrido na mesma quinta-feira em que Yeltsin e Clinton trocavam farpas. O governo americano anunciou que o diplomata russo Stanislav Borisovich Gusev tinha sido preso por tentar colocar escuta no Departamento de Estado. Segundo analistas, seria uma represália à expulsão, dias antes, de uma diplomata americana acusada de espionagem na Rússia.

Em meio à guerra e à campanha para as eleições parlamentares deste mês na Rússia, o Kremlin digeriu mal as críticas dos países ocidentais ao ultimato que o Exército russo deu à população de Grozny, capital da Chechênia, para que abandonasse a cidade, sob pena de bombardeio. Há três meses, os russos vêm atacando posições de guerrilheiros separatistas muçulmanos do Daguestão, que têm apoio da Chechênia. Ambas são repúblicas do Cáucaso com maioria muçulmana. A aproximação de Moscou com Pequim vem se acentuando desde os ataques da Otan (a aliança militar ocidental) contra a Iugoslávia, no início do ano. Assim como Moscou, Pequim teme que os EUA incentivem movimentos separatistas.