Foi o último ato de Carlos Saúl Menem como presidente da Argentina. Na segunda-feira 6, o ex-general golpista paraguaio Lino César Ovie-do viajou com autorização oficial para Buenos Aires, abandonando seu asilo na Terra do Fogo, uma das regiões mais gélidas do planeta, localizada a 3.600 quilômetros ao sul da capital argentina. Sob o pretexto de fazer um périplo por seu dentista, traumatologista e cirurgião plástico, responsável por um implante capilar, Ovie-do não quis arriscar sua pele na fria região da Patagônia. Numa ação cercada de suspeitas, o general golpista enganou policiais federais encarregados por sua proteção, embarcou sem ser incomodado num avião particular e deixou o país numa fuga que deixou atônitos os chefes de Estado latino-americanos presentes à capital argentina para a posse no dia seguinte do sucessor de Menem, Fernando de la Rúa.

Até sexta-feira 10, ninguém sabia do paradeiro do general mais temido do Cone Sul, acusado de ser o autor intelectual do assassinato do vice-presidente Luís María Argaña e outras sete pessoas, ocorrido em março em Assunção. Alguns oviedistas asseguravam que ele estaria no interior do Paraguai, mas outras versões davam conta de que estaria escondido no Uruguai, na Bolívia e até no Estado brasileiro de Mato Grosso, onde teria pousado numa pista de um aeroporto clandestino.

Ninguém acreditou na fajuta explicação do governo Menem. “Só tinhamos que protegê-lo, não detê-lo”, afirmou um ministro menemista. Para o novo governo, a história não colou. “Ou houve uma grande negligência ou cumplicidade”, rebateu o vice-presidente, Carlos “Chacho” Álvarez, que, com De la Rúa, já tinha advertido durante a campanha de que eles tentariam encontrar uma outra pátria ao general golpista. Os parlamentares paraguaios acusam Menem de ter relações comerciais e de amizade com Oviedo. Perguntado sobre o caso, o presidente Fernando Henrique Cardoso negou a possibilidade de o Brasil vir a abrigá-lo. “Ele está asilado na Argentina, já tem asilo e então não se trata de pedir asilo ao Brasil”, afirmou FHC. Afinal, com dois asilados paraguaios morando no Brasil, o general Alfredo Stroessner e o ex-presidente Raúl Cúbas, vingou o velho ditado de que três é demais.

Ao perder a condição de asilado e ganhar o carimbo de perseguido pela Justiça paraguaia, Oviedo voltou a despertar o medo de um golpe de Estado em seu país, além de gerar um clima de hostilidade entre o Paraguai e a Argentina. “Perguntem a Menem”, dizia o presidente paraguaio, Luís González Macchi, diante das indagações da imprensa sobre o paradeiro do general. Visivelmente perturbado pela escapadela do rival político, que foi condenado a dez anos de prisão por tentativa de golpe de Estado em 1996, Macchi acionou as Forças Armadas para ficarem de prontidão. Se pisar novamente no Paraguai, o governo promete prendê-lo. Mas, pelo passado de instabilidade do vizinho brasileiro, tudo é possível, até mesmo uma insurreição do Exército que coloque Oviedo de volta ao poder no Paraguai, ameaçando a democracia do Mercosul.