FIGURATIVOS Édipo e a Esfinge, de Bacon (à esq.), Figuras sentadas (acima), de Moore, e Cabeça de Bruce Bernard,
de Freud: gravuras feitas paralelamente à pintura e à escultura

O pintor alemão naturalizado inglês Lucian Freud montou em 2002 uma retrospectiva de sua obra, na Tate Gallery de Londres, para comemorar seus 80 anos de vida. Enquanto preparava a mostra, mandou imprimir um cartaz oferecendo 100 mil libras por uma minúscula tela que lhe fora furtada numa exposição em Berlim. O apego a essa obra, um retrato que havia feito em 1952 do pintor irlandês Francis Bacon, deve-se às circunstâncias em que ela veio à luz: Freud a criou em retribuição a uma homenagem, também um retrato, que justamente Bacon pintara dele um ano antes. Na época, Bacon já era considerado um dos grandes gênios da pintura do século XX e Freud, cuja fama vinha unicamente do fato de ser neto do pai da psicanálise (Sigmund Freud), ainda estava no início de sua carreira. Um encontro desses, retrato de um, retrato de outro, seria o suficiente para ensejar uma mostra. Mas a exposição Bacon, Freud, Moore, figuras e estampas, em cartaz em Curitiba, no Museu Oscar Niemeyer, faz outras aproximações entre esses dois mestres: ambos dedicaram-se ao retrato e aos nus, ambos têm fortes referências na grande arte do passado, ambos eram figurativos numa época em que isso parecia fora de moda, ambos fizeram parte do movimento Escola de Londres e se dedicaram com o mesmo afinco à difícil técnica da gravura.

É justamente a gravura que ganha destaque nessa coletiva de 47 obras datadas de 1970 a 1990, que desembarcaram no Brasil vindas do Museu de Arte Contemporânea de Caracas. Não bastasse isso, a exposição inclui ainda o trabalho de outro grande artista, o escultor inglês Henry Moore, que também se voltou à produção gráfica. “Por serem parecidas com as pinturas e esculturas, as gravuras podem passar por estudos preparativos, mas isso não é verdade. Trata-se de um processo simultâneo e de igual importância”, diz o curador venezuelano Félix Suazo. Outra boa novidade é que a reunião de todas essas obras não se deu de forma aleatória, como geralmente acontece em eventos do gênero. A coleção venezuelana foi constituída segundo um rigoroso critério e agrupa gravuras de grande qualidade, algumas apresentadas em séries completas: As mãos do artista e o Álbum de nus, de Moore. Ao todo, o Museu de Caracas possui 14 trabalhos de Bacon, 62 de Freud e 92 de Moore .

Grande mestre do horror depois de Francisco Goya e Pablo Picasso, Francis Bacon tem em seu currículo de genialidade a litografia Estudo do corpo humano, dedicada ao filósofo francês Gilles Deleuze, autor do livro Lógica da sensação – um clássico sobre a obra do pintor. Outra litografia de impacto é Édipo e a esfinge (1983), que mostra seus típicos personagens masculinos de feições distorcidas e enredados em ambientes opressivos. Estão na mostra também diversos retratos, como os do escritor Michel Leiris e dos políticos Harold Wilson e Leon Trotski. O curioso é que Bacon não gostava de pintar a partir da cuidadosa observação de modelos, preferia inspirar-se em fotografias. Só que para fazer o retrato de Lucien Freud ele acabou utilizando não uma foto do próprio, mas, isso sim, uma imagem do escritor tcheco Franz Kafka – e eles nem eram parecidos. Credite-se esse fato às idiossincrasias do artista. Já com Freud, herdeiro de Gustave Courbet e Edgar Degas, acontece o contrário. Chega a passar nove meses com um modelo, e faz isso em sessões diárias e intermináveis. Para concluir o retrato de Bacon, permaneceu fisicamente tão próximo de seu retratado que os joelhos de ambos, criador e modelo, chegavam a se tocar. Freud já pintou a rainha Elizabeth II e as modelos Kate Moss e Jerry Hall. A sua predileção, no entanto, é por pessoas gordas, cujos nus lhe proporcionam formas que fogem da perfeição greco-romana – servem de exemplo o performer Leigh Bowery, a funcionária pública Sue Tilley e a sua moldureira Louise Lidell. Uma gravura retratando Louise está na mostra de Curitiba: a água-forte Mulher na cama. “Certa vez Lucian Freud me pediu: será que você poderia tornar o seu ventre mais interessante? Desatei a rir. Eu ficava tanto tempo numa mesma posição que chegava a dormir e despertava de sugestivos sonhos freudianos”, diz ela.

NUDEZ VENDIDA A PESO DE OURO

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U$$ 35 milhões é o preço estimado da tela de
Lucian Freud que será leiloada em maio

Chama-se Benefits supervisor sleeping e mostra uma obesa nua deitada, num sofá, a tela de Lucian Freud que os especialistas apostam ser a próxima obra mais cara do mundo feita por um artista vivo. A pintura, de 1995, será vendida em 13 de maio pela casa de leilões nova-iorquina Christie’s com o preço estimado entre US$ 25 milhões e US$ 35 milhões. A modelo Sue Tilley, conhecida na noite londrina como “Big Sue”, trabalhou com Freud por quatro anos. Nesse período, ele pintou quatro nus nela inspirados. O que vai a leilão levou nove meses para ser feito.

 

 


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