O uniforme é calça jeans desbotada, camiseta branca e sapato confortável. A produção básica só é quebrada por uns poucos detalhes: bolsa de grife – Prada e Fendi –, jóia discreta, charmosos óculos escuros. Ah! E um motorista para carregar as sacolas de compras. Muitas compras. É assim que Ana Cristina Correa e Lucinda Miranda se preparam para enfrentar a maratona das compras de Natal na mais popular rua de comércio de São Paulo: a 25 de Março. Elas são o exemplo de uma grande mudança no comportamento do consumidor da classe média e média alta. Criados nos corredores refrigerados de shopping centers, esses brasileiros deixaram de lado o conforto e agora se acotovelam, suam e pechincham pelas ruas das principais capitais brasileiras. O motivo é um só: com os orçamentos cada vez mais espremidos (e hoje assustados com o possível crescimento da inflação), os consumidores estão valorizando cada centavo no bolso, mesmo que isso represente trocar a comodidade de um estacionamento com manobrista por regiões abarrotadas de ambulantes. Tudo para preservar o barato do Natal: dar e receber presentes.

Ana e Lucinda já aproveitaram os preços baixos da rua 25 de Março no ano passado, mas desta vez compraram praticamente tudo naquela região. Cada uma estimava ter gastado R$ 300, o que possibilitou uma verdadeira festa de presentes para a família, amigos e funcionários. “Os preços estão 60% menores que nos shoppings”, compara Ana. Além de brinquedos e camisetas para crianças, elas mandaram ver em tecidos que hábeis costureiras vão transformar em modelos elegantes para o réveillon. Os poucos presentes comprados fora dali virão de um endereço bem mais sofisticado: o Shopping Iguatemi. Outra adepta do circuito 25 de Março-Iguatemi é a empresária Gisele Linguanotto. Na tarde da última terça-feira 7, ela andava pelo Shopping 25 de Março com a mesma desenvoltura com que passeia pelo tradicional Shopping Paulista. “Eu acho fundamental saber circular nesses dois mundos tão diferentes”, argumenta. Além da experiência, digamos, antropológica, Gisele aproveita para economizar um bom dinheiro com as ofertas. É lá que abastece o arsenal de cartuchos de videogames do filho de seis anos. “Além dos preços 40% mais baixos, aqui eu encontro uma variedade bem maior que nas lojas de áreas nobres da cidade”, garante. A empresária, que é dona de uma agência de promoções e eventos, segue um ritual para desembarcar no maravilhoso mundo das pechinchas. “Venho de jeans e tênis, e estaciono a minha Cherokee bem longe, para não dar bandeira”, ensina. Gisele não vê problema nenhum em dizer às amigas que faz compras na 25 de Março, mas admite que nem todo mundo é assim. “Na minha classe social ninguém fala que vem na 25 de Março, mas tenho certeza de que muitos aproveitam as ofertas daqui”, alfineta.

A verdade é que neste ano de vacas enxutas atire a primeira guirlanda de plástico quem já não pensou em ir aos centros populares de compras. É bom saber, porém, que a economia tem seu preço. A invasão de consumidores e a concentração dos ambulantes enlouqueceram o trânsito nos últimos dias. No sábado 4 levavam-se até 40 minutos para atravessar os 300 metros mais movimentados da 25 de Março (numa velocidade média de 0,5 km/h), o que provocou congestionamentos de até 15 quilômetros. Na semana passada, homens da Guarda Civil Metropolitana conseguiram afastar os camelôs das ruas e calçadas, aliviando a situação. Mesmo assim, segundo estimativas da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), cerca de 40 mil veículos estão cruzando a 25 de Março diariamente, volume 20% maior que no ano passado.

Os 300 lojistas dessa rua agradecem. De acordo com Gilbert Santana de Farias, da União dos Lojistas da 25 de Março (Univinco), este ano houve um aumento de 10% a 15% no volume de vendas em relação a 1998 e os negócios realizados naquela região (os cinco quarteirões ao redor da rua) devem gerar quase R$ 100 milhões. Segundo Farias, desde o início de novembro, cerca de 600 mil pessoas passam por lá diariamente, o dobro do movimento registrado nos demais meses do ano. Ele garante que a classe média e média alta são as grandes responsáveis por esse crescimento. “O pessoal perdeu a vergonha e está vindo comprar aqui.” Na maior loja de brinquedos da rua, o Armarinho Fernando, não é difícil encontrar mulheres bem vestidas empurrando carrinhos de supermercado abarrotados de bonecas e jogos infantis. “O número de madames que vêm lá dos Jardins aumentou uns 30%”, diz Jeferson Garcia Leite, gerente da loja que tem mais de 60 mil itens e ocupa uma área de três mil metros quadrados.

Marcianos – O publicitário Drausio Gragnani, redator da agência de propaganda Neogama, também poderia estar entre as últimas pes-soas que frequentariam uma rua de comércio popular. Jovem e bem-sucedido, ele usa roupas e sapatos de grifes e circula pelos lugares mais badalados de São Paulo. “No começo, quem ficava sabendo que eu vinha aqui estranhava. Tinham idéia de que era uma região apenas para pessoas de baixa renda”, conta ele. Hoje em dia, Gragnani diz que é comum encontrar amigos entre uma loja de brinquedos e outra. Este ano, ele montou sua árvore de Natal com pequenos marcianos de plástico adquiridos na 25 de Março. “Ainda preciso voltar para comprar mais algumas lembrancinhas”, planeja. A região, aliás, é endereço certo para quem quer enfeitar a casa para o Natal. A pedido de ISTOÉ, a decoradora Leila Cordeiro, que assina a árvore da apresentadora Ana Maria Braga no badalado Shopping D&D, decorou um modelo usando apenas itens disponíveis na 25 de Março. Não gastou mais de R$ 50.

O apelo do preço baixo leva as pessoas a uma espécie de transe consumista. “É uma loucura! É tão barato que dá vontade de levar tudo”, diz a estudante de Medicina Thaiz Xa-vier. Pela primeira vez, ela e a irmã, Paula, trocaram os shoppings pela 25 de Março. Cada uma gastou R$ 150 em presentes para amigos e parentes. “Fizemos bons negócios”, conta Thaiz, que comprou para a sogra um conjunto de vasinhos de cristal por R$ 2. Tentados pelas ofertas, moradores de outros Estados não se intimidam em encarar longas jornadas de ônibus. Vale tudo por uma boa pechincha. A dona de casa Alcione Borba, residente em Joinville (SC), tomou coragem e encarou uma viagem para passar o dia na 25 de Março e fazer as compras de Natal. “Com R$ 120 estou levando uns 15 presentes”, comemora. A sacola, já transbordando, trazia de tudo um pouco: brinquedos, utilidades para cozinha, agendas. “Aqui há produtos até 50% mais em conta do que vi em outros lugares”, diz Alcione. No Rio de Janeiro a cena se repete. Os preços baixos da rua da Alfândega, região conhecida como Saara, atraem pessoas como o casal Cláudia Lage Corrêa e Mauro Costa. “Quem vai ao shopping já sabe que acaba se endividando com as compras no cartão. Aqui no Saara é dinheiro vivo, com preços de atacado, e não corremos o perigo de estourar o orçamento”, avalia Costa. Para conquistar a clientela, além das ofertas, alguns outros cuidados estão sendo tomados. “As pessoas podem andar aqui com mais tranquilidade do que em Ipanema, porque nossas ruas estão cheias de seguranças com walkie-talkies”, diz o comerciante Ricardo Gotlib, um dos donos da Shalon Jóias.

Os shopping centers perderam, então, a soberania? Em parte sim. O presidente da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), Paulo Stweart, admite que o valor da compra média nas lojas deve cair um pouco. “Em 1998, era de R$ 55 e este ano não deve passar de R$ 50.” Segundo ele, as vendas do ano anterior foram impulsio-nadas pela febre do celular, que está menor agora. “O item de maior destaque deverá ser mesmo o vestuário.” Mesmo assim, a expectativa é de que as vendas aumentem cerca de 12% em relação ao ano passado. O coordenador do Programa de Administração de Varejo (Provar) da FEA/USP, Cláudio Selisoni de Ângelo, explica: “As pessoas podem até gastar mais, porém devem espalhar o gasto num número maior de itens.” Pelo que se vê, este será um Natal de consumidores cautelosos, que não pretendem sentir em janeiro a ressaca do cartão de crédito estourado. Volta à moda a mais antiga e econômica das receitas: pesquisa de preços e pechincha, muita pechincha.