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PUNHOS FRÁGEIS
De Dilma para o ministro Antonio Patriota:

“Ou demonstra liderança ou deixa o cargo”

A diplomacia é a expressão internacional dos interesses de uma nação. É feita de gestos discretos sim, mas também de ações contundentes. Desde que assumiu o comando do Itamaraty há mais de dois anos, o chanceler Antonio Patriota aferrou-se à primeira parte da sentença. Mantém uma postura discreta, burocrática, uma espécie de timidez funcional. Não bastasse isso, acumulou deslizes diplomáticos e, em consequência, perdeu espaço na Esplanada. Irritada com os erros e especialmente com a falta de iniciativa do subordinado, a presidenta Dilma Rousseff tem evitado recebê-lo e já mandou o recado: ou Patriota demonstra a liderança que seu cargo exige ou aposenta seus punhos de renda. A última vez que o ministro pisou no gabinete de Dilma foi em 22 de janeiro, quase três meses atrás. “Ele tremia durante a audiência”, relata um assessor. O medo só acentuou o desgaste que começou há quase um ano.

O primeiro vacilo de Patriota, segundo assessores palacianos, foi na visita da presidenta aos Estados Unidos em março do ano passado. O encontro quase protocolar, sem honras de chefe de Estado, decepcionou Dilma, que havia recebido o colega americano Barack Obama em Brasília, com toda pompa, um ano antes. Esperava-se, aliás, que as relações bilaterais com os EUA avançassem significativamente na gestão de Patriota, considerando que o diplomata conhece a fundo a cultura e a política daquele país. Foi embaixador em Washington e casou-se com uma diplomata americana, Tania Cooper, funcionária da ONU e filha de Charles Cooper, afamado ex-oficial de contra-inteligência do Exército americano. O que se viu, porém, foi o efeito inverso. As relações diplomáticas esfriaram e as exportações recuaram, apesar de os EUA terem mantido o Brasil no sistema geral de preferências.

Outro flagrante tropeço da gestão de Patriota foi a demora em agir para tentar evitar o processo de impeachment do presidente paraguaio Fernando Lugo. Apesar dos alertas da embaixada sobre a deterioração da governabilidade do bispo, o chanceler brasileiro só reagiu quando a destituição de Lugo era um fato consumado. Dilma foi pega de surpresa e restou ao governo brasileiro retirar seu embaixador de Assunção, em protesto ao que chamou de “golpe parlamentar” que levou Federico Franco ao poder.

A mais recente trapalhada da diplomacia brasileira, e que irritou profundamente Dilma, deu-se na terça-feira 26, em março. Graças a uma mediação malfeita por Patriota, a presidenta passou pelo constrangimento de tomar um chá de cadeira de mais de uma hora do presidente da África do Sul, Jacob Zuma. Motivo: o sul-africano conversou mais tempo do que o previsto com o presidente da Rússia, Vladimir Putin. Contrariada com a desorganização, Dilma voltou ao hotel onde havia se hospedado para participar da 5ª cúpula de chefes de Estado dos Brics, grupo das mais importantes economias emergentes, que o Brasil integra com Rússia, Índia, China e África do Sul. A chateação fez com que ela desistisse de participar de todo o jantar de gala.

Assédio diplomático

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Em nenhuma carreira pública o corporativismo é tão forte como na diplomacia. Uma tradição que serve ao sigilo decorrente de uma atividade sensível, mas que acaba justificando atos pouco transparentes e abusos funcionais. Quando era cônsul-geral em Toronto, em 2007, Américo Fontenelle foi investigado após denúncias de comportamento “agressivo, discriminatório e humilhante”. O caso foi mantido em segredo e ninguém foi punido. Agora, Fontenelle volta a ser alvo de denúncias de excessos. Oito funcionários do Consulado-Geral do Brasil em Sydney, na Austrália, apresentaram um abaixo-assinado pedindo a abertura de processo disciplinar contra o embaixador e o conselheiro-adjunto Cesar de Paula Cidade, acusados de assédio moral e sexual, homofobia, discriminação e abuso de poder. O caso está sendo investigado pela Comissão de Ética, que deve apresentar um parecer até o final do mês.

Vem ganhando contornos dramáticos também a situação dos 12 torcedores do Corinthians presos em Oruro, na Bolívia. Acusados pela morte de um jovem torcedor boliviano, os brasileiros são submetidos a humilhações e torturas. A embaixada em La Paz trabalha intensamente para conseguir a libertação do grupo, mas carece de apoio político de Brasília. ISTOÉ denunciou os maus-tratos e até a cobrança de propina a autoridades diplomáticas. Na quinta-feira 4, Patriota foi ouvido em audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado. Pressionado, deu declarações genéricas e disse ter “esperanças” de que o caso se resolva em breve. Para o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), que preside a Comissão, Patriota precisa de “um banho de povo”. “A coisa já ganhou forma de crise diplomática”, alerta.

No Palácio do Planalto e em embaixadas consultadas por ISTOÉ, a impressão de autoridades e diplomatas é de que falta um norte político para o Itamaraty. Foram relegadas as iniciativas de integração regional e desapareceu da pauta a briga por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Essas duas diretrizes alimentaram por anos as ações do Itamaraty, justificando a abertura de novas embaixadas. A esperança é que a candidatura de Roberto Azevedo à direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) possa cumprir parte desse papel, ainda que pontualmente. A eleição é em maio.

Foto: Adriano Machado