Esquisito. É assim que os colegas de Cole Sear, oito anos, se referem a ele. Cole mora num bairro de Filadélfia, Estados Unidos. O apelido dado ao menino vem de seu estranho comportamento. Para os outros, ele faz desenhos agressivos, é quieto demais e, quando fala, diz coisas bizarras. Suas atitudes, porém, escondem um segredo. Cole vê espíritos e pode se comunicar com eles. Esse é o enredo do filme O sexto sentido, sucesso de bilheteria nos Estados Unidos, onde arrecadou US$ 272 milhões em 115 dias de exibição, que está repetindo sua performance no Brasil. Há seis semanas em cartaz, a história levou 3,7 milhões de pessoas aos cinemas de todo o País – é o maior público do ano. O segredo de seu desempenho, além de uma trama psicológica eletrizante, está também no mundo misterioso do qual ele trata. “O filme é bastante fiel ao kardecismo, com algum sensacionalismo”, avalia o sociólogo Walter Gomes da Silva, estudioso da religião espírita.

Nessa dimensão etérea retratada por Hollywood, a primeira avaliação do psicólogo infantil vivido por Bruce Willis é de que Cole, incorporado com talento por Haley Joel Osment, seria esquizofrênico. Mas há outras interpretações. Para os espíritas kardecistas, seguidores do filósofo francês Allan Kardec, o menino é um sensível médium vidente que consegue ver os espíritos. E sua história é muito mais comum na vida real do que se pensa. Segundo Kardec, que escreveu O livro dos espíritos e O livro dos médiuns em meados do século XIX, “toda pessoa que sente, em um grau qualquer, a influência dos espíritos é médium. Todo mundo é mais ou menos médium”. O que as bilheterias de O sexto sentido provam é que todo mundo se fascina com a possibilidade de a morte não ser o fim. Esse mistério fez o sucesso do filme e move milhares de pessoas ao encontro daqueles que se apresentam como a ponte entre a vida e a morte: os médiuns.

Roupa velha – Geralmente essa supersensibilidade é descoberta na infância. O consultor Eduardo Pocetti, 45 anos, sentiu a tal “presença dos espíritos”, pela primeira vez, aos cinco anos. “Eu tinha a sensação de que havia mais gente num lugar do que as pessoas que eu estava vendo. Sentia tanto medo que dormia de luz acesa.” De família católica, Pocetti não deu atenção ao fenômeno, mas, quando completou 20 anos, um amigo o levou ao centro espírita de sua mãe. “Nunca mais saí de lá. Comecei a estudar a filosofia e a entender melhor o que acontecia comigo”, conta. Dez anos depois, o amigo faleceu. “Quando o ambiente no centro está legal, ele vem e fala comigo. Pede para dar recados aos filhos, relembra passagens da nossa infância. É muito emocionante.” Pocetti explica que a comunicação entre vivos e mortos ocorre no intervalo entre encarnações, quando o espírito habita uma dimensão muito próxima à sua última encarnação. “Através da mediunidade é possível entrar nessa frequência espiritual”, explica ele. É como se fosse uma estação de rádio. Neste “dial sobrenatural”, a frequência dos suicidas é a mais difícil de sintonizar. “Os que se matam não se comunicam, pois ficam presos em um local muito triste”, afirma a médium Martha Gallego Thomaz.

Vó Martha, como é conhecida, trabalha há 57 anos com psicografia, cura e desobsessão – a tarefa de ajudar um espírito obsessivo a se comunicar com alguém vivo – num centro espírita de São Paulo. “O fenômeno chamado morte é deixar o corpo e continuar vivendo. O espírito não morre, ele vai ao lugar que consegue chegar. Aqueles que são médicos vão se encontrar com estudiosos da medicina, aqueles que são músicos vão para uma rodinha de músicos. Aqui não tem os sindicatos? Lá em cima é a mesma coisa”, explica a médium, que começou a ver espírito aos três anos e, como o protagonista de O sexto sentido, passou por maluca. “Não eram espíritos bons e me mandavam calar a boca, ou eu iria para um hospício. Minha infância foi muito triste, mas fui aprendendo a viver e, aos 33 anos, resolvi abraçar a mediunidade”, lembra Vó Martha. “Eu fugia dos espíritos e os xingava. Depois, comecei a conversar com eles, pois vi que, quando brigava, adoecia.”

Na fronteira entre a vida e a morte, espertinhos é o que não faltam. Existem charlatões que se passam por paranormais e se aproveitam do sofrimento das pessoas que procuram uma mensagem verdadeira. Para não se arriscar, costumam transmitir recados tão genéricos quanto a previsão do tempo. Preo-cupado em discernir o joio do trigo, o presidente da Federação Espírita Brasileira, Durval Ciampony, recomenda: “Em primeiro lugar, é necessário conhecer a índole do médium. Não se pode procurar qualquer um. Ele também nunca deverá cobrar por uma mensagem. Ganhar dinheiro com isso já demonstra certa má-fé. Uma vez recebida a mensagem, é preciso verificar se há relatos de fatos íntimos que só quem recebeu a comunicação conhece, se a linguagem se enquadra na do morto, se há citação de parentes desencarnados e se a descrição da morte é compatível”, ensina. O sociólogo Walter Gomes da Silva reforça. “Um bom médium é raro. Ele não é uma máquina. Ele entra em contato com a consciência do morto que não desaparece. Morrer significa apenas abandonar a roupa velha.”

O vazio – Há outros critérios para identificar a seriedade de um médium. “Quando a mensagem é satisfatória, o parente ganha confiança e preenche uma parte do vazio que sente. A partir daí, passa a ter outra perspectiva”, afirma Marlene Nobre, presidente da Associação Médico-Espírita de São Paulo. Ela fala com a certeza de quem acompanhou de perto, durante quatro anos, o trabalho de Chico Xavier, o médium mais importante do Brasil, e explica que desejar muitíssimo uma mensagem não é garantia de que ela venha. “Às vezes, o espírito está em tratamento e não pode falar”, afirma Marlene. Um estudo realizado pela Associação Médico-Espírita de São Paulo, coordenado pelo professor Paulo Rossi Severino, analisou 45 mensagens psicografadas por Chico Xavier. Aquelas enviadas por pessoas que tiveram mortes inesperadas somam 82,2% do total. Mais da metade tinha entre 20 e 30 anos. Na análise das mensagens que Chico Xavier recebeu, alguns dados são muito curiosos. Todos os parentes confirmaram a veracidade dos fatos ali relatados. Em 100% dos casos, registrou-se a presença de parentes e conhecidos que faleceram. A procura da mensagem diminui com o passar do tempo, depois da morte. A maioria das pessoas foi ao encontro do médium até seis meses depois de uma grande perda. Em 42,2% das vezes, a família recebeu a comunicação na primeira vez em que procurou Chico Xavier. O médium só conhecia 6,7% dos mortos que falaram com ele. Metade deles contava como é o mundo espiritual. Mais de 75% das das mensagens contêm descrição da morte.

Os médiuns não têm crédito junto à maioria dos cientistas. Os céticos são taxativos: comunicação com quem já morreu não existe. “A popularidade dos médiuns começou no Brasil e se deve a uma falta de conhecimento impressio-nante”, afirma Atílio Vanin, químico da Universidade de São Paulo. “Eu mesmo tive um tio que era médium e inventava coisas”, atesta ele. “Infelizmente, não há evidências de que exista espírito ou alma imortal, fisicamente falando. Isso só existe no sentido figurativo”, diz Vanin. Há quem diga, porém, que a mediunidade é, sim, um acontecimento físico. “É um fenômeno orgânico que se dá dentro do cérebro do médium”, diz o neurologista Nubor Facure. “O processo ocorre nos gân-glios da base, um agrupamento de neurônios responsáveis por gestos automáticos”, afirma o neurologista. Facure explica que a comunicação acontece quando o espírito de alguém que morreu emite seu pensamento e vibra um determinado comprimento de onda, captado pelo cérebro do médium. “A antena de sintonia é a glândula pineal, responsável, entre outras coisas, pela noção de dia e noite nas pessoas comuns.” Embora neurologista, Nubor Facure também é espírita. “Não existe nenhuma substância química que promova um comportamento ou uma atitude. A verdade é que as pessoas podem ser bem intencionadas, mas trabalham com as fantasias e com a falta de senso crítico dos outros”, sustenta Atílio Vanin.

Dores dilacerantes – Bem ou mal-intencionado, o trabalho dos médiuns funciona como um antídoto contra a dor dilacerante provocada pela perda de um ente querido. Toda semana, Vó Martha, por exemplo, é procurada por mais de 100 pessoas que buscam mensagens psicografadas. A sessão espírita dura cerca de duas horas e é acompanhada pela leitura do Evangelho. No final, as cartas são distribuídas. A emoção aflora. “Vindo aqui eu sinto a presença de minha mãe”, chora a secretária Julieta Prezotto, 63 anos, com uma mensagem de sua mãe nas mãos. Ao seu lado, em prantos, sua amiga Cleide Fernandes lê um recado do pai, morto há 15 anos. “O que tem mais é mãe pedindo mensagem do filho”, comenta Nádia Fayad, 51 anos, discípula de Vó Martha. Jandira Lima Bartolomasi era uma mãe inconformada. Não se despediu de seu filho Nélson quando ele morreu em um acidente de carro há quatro anos. Tinha 27 anos. “Meu filho gostava de viver. Não dava para entender o porquê daquilo”, lembra Jandira. “Eu só chorava.” O conforto veio de um centro espírita. Passavam-se dois meses do falecimento e Jandira recebeu a seguinte mensagem: “Mãe, ainda não estou bem, mas estou sendo cuidado pelos parentes. Eu tinha que passar por isso.” Jandira tem certeza de que a mensagem era de seu filho. “Ele falava de detalhes do acidente que só a família sabia.” Desde esse episódio, ela comparece ao menos uma vez por mês ao centro da Vó Martha. Sai de lá sempre com um novo recado do filho. “Ele diz que tudo que nós fazemos ele recebe em dobro. Por isso, todas as noites, eu, meu marido e minha filha nos reunimos e lemos o Evangelho.” Jandira afirma que, através dos trabalhos mediúnicos, aceitou a perda. “Acho que Deus libertou meu filho de muita coisa ruim que tem nesse mundo.”

A psicóloga Maria Helena Bromberg, especialista em luto, trabalha frequentemente com pessoas atormentadas pela perda. Segundo ela, a morte repentina é muito mais difícil de entender e aceitar. “A doença oferece ao menos a chance da despedida”, compara a psicóloga. “Para as pessoas que procuram mensagens, talvez seja essa a forma de se despedir.” A atriz Ana Rosa Corrêa perdeu dois filhos. O primeiro, Maurício, morreu de leucemia quando a atriz tinha 18 anos. Em função da tragédia, virou espírita. Há quatro anos, sua filha Ana Luíza foi atropelada na saída da escola e não resistiu. “É mais tranquilizador acreditar que meus filhos não acabaram simplesmente. Estou cada vez mais convencida de que ninguém desencarna na hora errada”, diz a atriz. Numa visita a um centro espírita no Rio de Janeiro, Ana Rosa conversou com sua filha, incorporada por um médium. “Isso ajudou a diminuir minha tristeza.”

Na madrugada de 1º de janeiro de 1973, Antônio César Nunes Cardeal sofreu um acidente de carro e faleceu aos 19 anos. “Eu não sabia em que pensar. Precisava acreditar em alguma coisa”, lembra sua mãe, Maria Odila Nunes Cardeal. Em março daquele ano, uma vizinha, muito amiga de Chico Xavier, a convidou para ir visitá-lo em Uberaba, Minas Gerais. “Eu me sentia tão angustiada que nem sabia por que estava indo lá.” Numa sala lotada, Chico começou a psicografar. Para surpresa de Odila, o médium a chamou e entregou a primeira mensagem de seu filho. “Depois disso, tudo mudou. Lembro dele todos os dias, tenho saudades e choro. Mas senti um enorme conforto com a mensagem”, afirma.

Mágica de verdade – Dorita Barroso do Amaral sabia quando seu marido, o colunista Zózimo, iria abandonar sua “roupa velha”. No livro Relatos de uma alma, lançado há um mês pela Lacerda Editores, ela fala de suas vivências espirituais e revela que já sabia o dia exato em que o marido iria morrer quando ele ainda agonizava no CTI de um hospital de Miami. Foi em 18 de dezembro de 1997. “Tive essa intuição numa quinta-feira. Saí do hospital e fui reservar passagem de volta para o Brasil. Liguei para meus dois filhos e disse que estava retornando ao Rio porque Zózimo iria morrer na terça-feira seguinte”, lembra Dorita. “É lógico que fiquei confusa, esperava um milagre. Zózimo passou 33 dias no CTI e eu fiquei lá com ele. Nesse tempo, minha sensibilidade se aguçou, algum canal se abriu”, afirma Dorita. Discípula da terapeuta e pesquisadora Carmem Viana, que trabalha com energização, Dorita não quer ser chamada de médium. “Não sei dizer de onde vem. Acredito que cada um tem dentro de si uma divindade e eu encontrei a minha através do contato com minhas próprias forças interiores”, explica. “Acho que a vida não acaba”, crê Dorita. Há dois anos, ela fez um cruzeiro marítimo com o médium americano James Van Praagh, um dos mais conhecidos dos Estados Unidos e que tem clientes famosos como a cantora Cher, e se surpreendeu. “Ele me transmitiu uma mensagem do Zózimo e me mandou um beijo com gestos que só meu marido sabia fazer.” Histórias como essa sempre provocam polêmicas. Podem ser reduzidas a uma questão de fé. Ou como prefere definir o pequeno Cole, do filme O sexto sentido: “Existem mágicas de verdade.”

Colaboraram: Valéria Propato e Liana Melo (RJ)