A fila de espera no guichê do sucesso pode durar a vida toda para um estilista, sobretudo se ele viver no Terceiro Mundo. Mas para Luis Claudio Silva, 26 anos, aluno do curso livre da Moda da Universidade Federal de Minas Gerais, a carreira adquiriu a velocidade de um tobogã. Luis Claudio, que nunca foi ao Rio, só esteve em São Paulo uma vez e até setembro nunca tinha andado de avião, tirou o terceiro lugar no concurso Smirnoff Fashion Awards, realizado dia 30 de novembro em Hong Kong. Foi selecionado com o filipino Inácio de Loyola, o primeiro lugar, e com o ucraniano Savchenko Fedir, o segundo, entre 29 estudantes de Moda escolhidos num universo de 12 mil inscritos de cinco continentes. Luis Claudio não ganhou, como sonhava, a bolsa de estudos na escola St-Martin’s de arte e design, em Londres, reservada ao primeiro colocado, mas desfruta, desde a semana passada, do olhar atento do mercado e da imprensa especializada. Faz a maior diferença.

Office-boy na adolescência, Luis Claudio ganhou a vida até há pouco como desenhista numa fábrica de armários de cozinha em Belo Horizonte. Por três vezes, a partir de 1996, inscreveu-se no concurso Smirnoff, inicialmente aberto a todos os estilistas. Depois que o regulamento passou a só aceitar estudantes de Moda, Arte ou Design, fez um supletivo e conseguiu entrar num curso da Universidade Federal de Minas Gerais. Este ano, finalmente, foi aceito. Depois que venceu a etapa brasileira em setembro, em Salvador, abriu, com um amigo, uma pequena loja, batizada de Santos Óleos, no bairro da Savassi, em Belo Horizonte, para escoar a produção de estudantes de Moda. Seu público não pára de crescer.

Em Hong Kong, de onde voltou na semana passada, ele apresentou seu trabalho na passarela e numa sessão individual para oito jurados. Entre eles estavam o estilista inglês Antonio Berardi, uma das marcas da nova geração londrina; Michiko Koshino, considerada a introdutora da street fashion na moda japonesa; e John Rocha, nascido em Hong Kong e, ele também, uma grife de Londres. Luis Claudio, o caçula de dona Wanda, costureira, encantou o júri com uma autoridade inesperada para sua figura miúda (1, 66m e 49 quilos). Com a ajuda de um executivo brasileiro da Smirnoff, ele contou que imaginou o vestido como a roupa de uma mulher que viveu 200 anos e o remendava, ao longo do tempo, com os materiais disponíveis. Aos poucos, o junco deu lugar a fios de plástico e a trama ficou mais flexível sem perder o ar de matéria-prima natural. “Ficamos tocados”, disse Antonio Berardi.

Como se viu pela produção dos estudantes, a moda deixou há muito de ser um território de frufru e alfinetadas para se tornar, qualquer que seja o tema, uma linguagem internacional. O vencedor, Inácio de Loyola (que tem esse nome porque nasceu numa família católica de Manila no dia de Santo Inácio), inspirou-se em costumes de uma aldeia filipina; o iugoslavo Sasa Marincovic usou a roupa como metáfora das camadas de pele que é preciso criar para sobreviver num mundo bombardeado. E o polonês Wojcieh Dziedzic mostrou que até as idéias do filósofo francês Gilles Deleuze sobre o papel da dobra na arte barroca podem se transformar em vestidos. “Ele me inspirou a falar sobre o conteúdo que se esconde sob as superfícies, sobre não sermos aquilo que parecemos ser”, diz Dziedzic, que levou à passarela trajes escuros e deslumbrantes, que deixam entrever babados de colorido vivo em fendas na silhueta. “Os criadores de todos os continentes guardam forte identidade pessoal, mas nem por isso são menos internacionais”, observou o jurado Antonio Berardi.

Levados a Hong Kong, os estilistas do futuro tomaram um banho cosmopolita e um choque arquitetônico, numa paisagem de aço e vidro que vira néon a cada entardecer. Zanzaram por uma cidade de clima ameno (outono de 25 graus) e ar-condicionado implacável, onde só faz frio dentro de casa. Como pretendiam os organizadores, ocidentais e orientais sentiram-se igualmente longe de casa, num vibrante formigueiro humano. A moda é uma vitrine poderosa, intuíram os dirigentes da Smirnoff ao criar há 15 anos um prêmio para estilistas. Ao contrário do rock ou do jazz, é um campo pouco marcado por festivais e prêmios e, diferentemente do esporte, sujeito a paixões locais, é traduzível em todas as culturas. Perfeito para ajudar a criar um sentimento positivo em relação a um produto que, em alguns países (entre eles a Polônia, um dos seis grandes mercados consumidores de Smirnoff, ao lado do Brasil), encontra forte resistência legal para a publicidade. Uma vodca pode dar a maior força a um jovem estilista. Mas ninguém melhor do que um estilista para dar uma força a uma marca.