Brasileira que fez carreira no Vale do Silício diz que habilidades empresariais devem ser aplicadas no dia a diae afirma que fracassar é normal

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INICIATIVA
Para entrar no MIT, Bel apareceu de surpresa na casa de um ex-aluno

Com apenas 25 anos, a empresária paulistana Bel Pesce é o perfeito exemplo de mulher brasileira bem-sucedida no Exterior. Já estudou no Massachusetts Institute of Technology (MIT), o prestigiado instituto de tecnologia americano, trabalhou no Google e na Microsoft e montou sua própria empresa, a Lemon, que criou um aplicativo para celulares que funciona como uma carteira digital. Seu livro, “A Menina do Vale”, foi lançado online – de graça – e baixado dois milhões de vezes. A versão impressa vendeu 50 mil cópias e ficou durante semanas na lista dos mais vendidos do País. Depois de seis anos vivendo nos Estados Unidos, ela voltou ao Brasil para lançar um novo projeto, o FazInova, uma escola de empreendedorismo que vai ensinar a colocar ideias em prática, buscar soluções e desenvolver habilidades úteis para a vida e para o trabalho, como a capacidade de se comunicar e negociar. Aplicar no dia a dia as lições do mundo dos negócios, aliás, é uma das filosofias de Bel, que afirma ter “quebrado a cara” várias vezes antes de chegar ao sucesso. “Eu aprendi mais com as iniciativas que deram errado”, afirma a jovem, que ainda enfrentou o desafio de lidar com as burocracias e a politicagem das gigantes da tecnologia. “É uma pena gastar tempo com isso, mas é assim.”

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"Se você procurar algo em comum, vai ver
que Steve Jobs e Ayrton Senna eram
alucinados e apaixonados pelo que faziam”

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“Empresas como o Google são boas para
aprender a navegar por hierarquias. É uma
pena gastar tempo com isso, mas é assim"

Fotos: Ayla Safir/divulgação; Justin Sullivan/Getty Images/AFP; Ariel Zambelich/Wired

ISTOÉ

Como começou sua história empreendedora?

Bel Pesce

Eu sempre gostei muito de escola, de estudar, sempre fui muito nerd e curiosa. Com 10 anos, fazia bijuteria para vender, procurava computadores que empresas jogavam fora, desmontava, fazia máquinas novas e dava para pessoas carentes.

ISTOÉ

Então você tinha esse tipo de motivação desde criança?

Bel Pesce

Sim, mas eu nem conhecia a palavra “empreendedorismo”. Daí fui crescendo e desenhando a escola dos meus sonhos. Mas era algo muito ambicioso. Depois fui para os EUA, comecei a empreender e percebi que o que me fazia passar em uma entrevista de emprego ou lançar um projeto eram essas habilidades.

ISTOÉ

Como você entrou no MIT?

Bel Pesce

Eu venho de família simples, nunca aprendi sobre oportunidades lá fora. Gostava muito de matemática e consegui uma bolsa no (colégio) Etapa para o ensino médio. Queria entrar no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e, por isso, fui fazer um curso específico. Comecei a ir bem nos testes de matemática e o coordenador veio me falar do MIT. Fiquei alucinada e fui atrás. Mas eu tinha perdido os prazos de inscrição para etapas intermediárias da seleção, como o teste de múltipla escolha e a entrevista com um ex-aluno. Aí percebi que tinha que ser criativa. Soube de outro aluno que estava prestando MIT, pedi o endereço da pessoa que o tinha entrevistado, e apareci na casa dele.

ISTOÉ

Como foi esse encontro?

Bel Pesce

Levei à casa dele uma caixinha com bijuterias que eu havia feito, medalhas de esporte, um livro que escrevi sobre a minha cachorra – tosquíssimo, mas levei –, uma pastinha que eu tinha com ideias de jogos de videogame, e virei a caixa de ponta-cabeça na mesa dele. Ele foi muito bacana e, mesmo com o prazo encerrado, enviou um ótimo relatório sobre mim ao MIT.

ISTOÉ

E como você contornou o problema do prazo da prova para o MIT?

Bel Pesce

No dia da prova, fui à escola que aplicava o teste e literalmente me expulsaram de lá. A organizadora ficou bravíssima comigo e me botou para fora. Não fui embora e pedi para ficar e ver se alguém faltava para eu fazer a prova no lugar. Uma pessoa faltou e fiz o teste.

ISTOÉ

Logo no primeiro ano você entrou na Microsoft. O que fazia lá?

Bel Pesce

Primeiro, fazia aplicativos para telefone. Então, em 2008, toquei um projeto muito legal. Era um aplicativo para webcam que rastreava cores. Se eu pegasse um objeto e mandasse o computador rastrear a cor dele, podia escrever coisas no ar e o texto aparecia na tela, ou podia usar como um joystick de videogame. Virou o terceiro projeto de software aberto mais popular da Microsoft. Era um projeto que estava engavetado e eu ia ficar só três meses e meio lá naquele ano. Disseram que eu não ia conseguir fazer em tempo. Mas saí pelos corredores procurando gente para me ajudar e deu certo.

ISTOÉ

E qual era seu trabalho no Google?

Bel Pesce

Fiz um mestrado lá, em uma parceria que a empresa tinha com o MIT. Era desenvolvedora e pesquisadora de matemática e ciências da computação. Trabalhei para melhorar o funcionamento da ferramenta de tradução. Meu trabalho era identificar os gargalos no processamento das informações, o que fazia o sistema travar, antes que eles acontecessem. Depois decidi sair de lá e fui para uma empresa de plataforma de vídeos chamada Ooyala.

ISTOÉ

Por que você quis sair do Google?

Bel Pesce

Porque a empresa era muito grande para o que eu desejava. Eu queria empreender. A Ooyala deixava eu fazer o mestrado, que era extremamente técnico, e desenvolver produto. Minha equipe começou comigo e um engenheiro e depois virou três times de cerca de 20 pessoas.

ISTOÉ

Como foi liderar um grupo como esse com apenas 22 anos?

Bel Pesce

A gente usa a palavra liderar, mas era muito mais um trabalho de equipe. Na prática, eu não era chefe deles, mas tinha responsabilidade sobre o trabalho.
 

ISTOÉ

O que você aprendeu trabalhando nas empresas grandes?

Bel Pesce

Muita coisa. Empresas como o Google são boas para aprender a navegar por hierarquias. É uma pena gastar tempo com isso, mas é assim. Se você tiver uma startup e quiser negociar com grandes empresas, tem que aprender a lidar com isso. Você pode ser um empreendedor dentro da sua empresa, pode inovar. Para mim, o empreendedor é alguém que toca vidas, com produtos ou serviços. Se eu sou um adolescente de 15 anos e monto um clube do livro na minha escola, eu sou um empreendedor. Eu tenho uma visão mais ampla. Você pode usar o jeito empreendedor de pensar no seu dia a dia.

ISTOÉ

Você sofreu resistência por ser mulher, brasileira e jovem no Vale do Silício?

Bel Pesce

Não, só ajudou. O Vale é muito aberto. Se você mostra resultado, as pessoas acreditam em você. Isso funciona em qualquer idade. A mulher brasileira é bem-vista no Vale do Silício. Não sofri preconceito, mas pessoas do sexo feminino ainda são minoria na área de engenharia e tecnologia. Acho que é um problema cultural, de base. A meninada cresce sem ver exemplos. Deve existir um monte de engenheiras maravilhosas, mas a gente não vê exemplos. É preciso disseminar mais a ideia de que as mulheres podem fazer coisas muito legais.

ISTOÉ

E como nasceu a vontade de criar uma escola?

Bel Pesce

Comecei a perceber que as habilidades que eu usava no dia a dia, para conseguir alguma coisa, negociar, não eram ensinadas na escola. E essas são coisas muito importantes. Eu sempre sonhei com essa escola. Quando o meu livro fez sucesso, vi que as pessoas estavam interessadas no assunto e percebi que era hora de concretizar a escola. E quis fazer no Brasil.

ISTOÉ

Como a escola vai funcionar?

Bel Pesce

No longo prazo, quero disponibilizar o material e as aulas online, para qualquer um acessar. Mas, para o material ser bom, tenho que testar com gente, então o presencial é muito importante. Vou começar com três cursos-piloto para testar duração e didática. Também vou fazer alguns workshops de um dia. Quero testar formatos.

ISTOÉ

O que vai ser ensinado nos cursos?

Bel Pesce

Um é bem focado em empreendedorismo. Há dois problemas em relação ao tema. As pessoas acham que empreendedor é uma pessoa com visão de futuro que se tranca num escritório, lança a ideia e dá certo. Isso não existe. Empreender é ir para a rua, testar suas ideias e hipóteses. É dar um monte de minipassos. Você vai cair e vai se levantar. Ninguém faz sucesso sem quebrar a cara. O segundo problema é que o ato de empreender está glamourizado. As pessoas veem os exemplos positivos e, quando a ideia delas começa a dar errado, desistem, porque acham que todo mundo que acertou conseguiu em três meses. Outro módulo importante é o de inovação. Tem muito curso bom por aí, mas são muito teóricos. Vamos ensinar técnicas de inovação com problemas reais.
 

ISTOÉ

Como você desenvolveu essa metodologia?

Bel Pesce

Peguei feedback de muita gente e juntei com experiências da minha vida. Fiz muitos cursos, no MIT, em Stanford, visitei muitas empresas, li muitos livros. Estou tentando trazer o que aprendi de mais relevante.
 

ISTOÉ

Antes da Lemon, sua empresa de carteira digital, dar certo, você também fracassou?

Bel Pesce

Tive cinco empresas no MIT, você ouviu falar de alguma? Mas eu aprendi mais com as iniciativas que deram errado. Quando isso acontece, quero entender por que, peço retorno das pessoas. Por exemplo, no começo eu era muito engenheira, só pensava no produto. Mas tem o mercado, tem a forma de distribuição, politicagens, apresentação e marketing. Isso eu fui aprendendo aos poucos.

ISTOÉ

Quais são as principais diferenças entre começar um negócio no Brasil e nos EUA?

Bel Pesce

Acho que a maior diferença é no modo de pensar, em como se aprende com o fracasso. O Andrew Mason, CEO do Groupon (empresa de compras coletivas na internet), por exemplo, foi demitido recentemente. O cara errou para caramba, a empresa perdeu muito dinheiro. Ele escreveu uma carta em que falou brincando que ia  tirar umas férias, mas depois pediu desculpas, assumiu o erro. Ele está sendo idolatrado lá fora. Aqui, ele nunca mais ia conseguir um emprego.

ISTOÉ

Em seu livro, você cita pessoas que serviram de inspiração, como Steve Jobs, Ayrton Senna, Silvio Santos e Richard Branson (fundador do grupo Virgin). Para você, eles têm algo em comum?

Bel Pesce

Admiro essas pessoas por razões bem diferentes. Se você procurar algo em comum, vai ver que Steve Jobs e Ayrton Senna eram alucinados e apaixonados pelo que faziam. Claro que não adianta só fazer de coração, mas, se você fizer, as chances de dar certo são muito maiores, você se esforça mais.