As explosões das embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia, no ano passado, serviram para colocar em alerta máximo os serviços de inteligência e defesa americanos. Supostamente patrocinados pelo líder radical muçulmano Osama bin Laden, esses atentados seriam apenas o começo de uma série de ataques a alvos americanos. Os EUA revidaram bombardeando a central de treinamentos de terroristas nas montanhas do Afeganistão, mas também uma fábrica de medicamentos no Sudão, que teoricamente servia de fachada para produzir armas químicas. Desde então, o próprio Bin Laden vem dando sinais de que sua vingança será prodigiosa, ao estilo do apocalipse causado por armas de destruição em massa. A última notícia que se tem deste terrorista saudita é que, semana passada, ele sumiu do Afeganistão que até então o protegia. "O que me assusta é o fato de ele ter saído de lá", diz Andrew Keltner, veterano do departamento antiterrorista da polícia de Nova York. "É como se Bin Laden estivesse se escondendo para evitar retaliações depois de alguma grande ação terrorista. Quando não se sabe o paradeiro de seu inimigo, é melhor começar a rezar", disse ele a ISTOÉ.

No verão do ano passado, Nova York teve um avant-première do apocalipse. Mas não foi o fim do mundo. Para milhares de testemunhas e protagonistas, aquele foi apenas uma espécie de aperitivo do juízo final, tendo como cenário as ruas do Lower Manhattan – na parte sul da ilha. A visão de multidões esparramadas pelo chão, gemendo ou se fazendo de mortas, causou frisson até mesmo nos cínicos jornalistas chamados para cobrir o evento. Os exércitos de policiais, bombeiros, paramédicos, agentes federais e militares da Guarda Nacional, vestidos com roupas anticontaminação e máscaras filtrantes, ajudaram muito no clima. Felizmente, apesar do realismo dramático da ocasião, ninguém passou deste para o outro mundo. Quem olhasse com atenção a cena notaria certa ordem naquele caos. Na verdade, a confusão se tratava de um exercício para operações de emergência em caso de ataque terrorista utilizando armas de destruição em massa, como artefatos químicos ou biológicos. O treinamento, porém, fez vítimas. Milhões de pessoas viram reforçadas oficialmente suas paranóias escatológicas. Para eles, o fim está próximo e começará em Nova York.

A paranóia é uma praga que os terroristas já conseguiram inocular em muitos americanos. Máscaras contra gás ganharam o status de "acessório", sendo vendidas como acompanhamento de bolsas e mochilas em butiques transadas no Soho. E, para os que dispensam o glamour da moda do juízo final, as lojinhas de Canal Street, no bairro chinês, têm equipamentos protetores convencionais – como uniformes e máscaras – a preços que variam entre US$ 30 e US$ 1.000. A famosa loja Center Spy Shop, na Madison Avenue, vende em média 30 máscaras israelenses contra gás a cada semana. E para os mais paranóicos oferece o SAW Minicad MK II, no valor de US$ 7.000. Trata-se de um capacete dotado de sensores capazes de detectar elementos que vão dos gases nervosos às substâncias causadoras de erupções epidérmicas. Tom Felice, o gerente da loja, diz que as vendas aumentam a cada mês. "Desde o atentado químico no metrô de Tóquio, em 1995, vendemos cada vez mais destes kits. A partir daí as vendas explodiram. Somente neste início de ano, já vendemos 20 destes equipamentos. Esperamos vender muito mais até o ano 2000, que é a marca cabalística para um ataque em Nova York. As pessoas estão apavoradas", diz.

 

Medo x liberdade Em Manhattan, o epicentro desta guerra de nervos, os sinais do medo estão em toda parte. O prédio da prefeitura de Nova York, que sempre foi considerado um marco da cidadania, está cercado de barreiras de concreto e tela de aço com dezenas de sentinelas. Um verdadeiro bunker. Segundo a União de Defesa das Liberdades Individuais (Udli), nada menos do que 12 mil câmeras de vídeo foram espalhadas pela cidade como medida de segurança. "E este número não conta as outras milhares de câmeras particulares que estão filmando fregueses de lojas, armazéns e restaurantes na cidade", diz o advogado Thomas Lagace da Udli. Esta bisbilhotice, segundo as autoridades, serve para garantir a integridade física dos habitantes. "Na verdade, isto é um atentado contra o direito de privacidade dos cidadãos. Estas câmeras transformam todos em suspeitos terroristas", diz Lagace. "O pior é que as pessoas não têm voz decisória neste processo. Estão todos sendo levados pela corrente de paranóia terrorista que nos engolfou. Parace haver um esforço planejado para deixar todos com medo e usar isso como justificativa para o cerceamento de liberdades", diz Lagace.

O Departamento de Defesa dos EUA ajuda este clima promovendo trailers do cataclismo que pode ser um ataque químico-biológico em território americano. O pontapé inicial neste jogo de faz-de-conta foi dado com os treinamentos no último verão nova-iorquino, com resultados considerados satisfatórios pelos analistas. Ou seja: se os terroristas tivessem detonado uma arma de destruição de massa na Big Apple, milhões de pessoas teriam morrido. A boa notícia é que outros milhões teriam sido salvos pela defesa civil. Já é um consolo. O problema é que se Nova York mostrou alguma boa performance frente à tragédia, outros lugares, como Washington revelaram grandes deficiências.

"Não são apenas os árabes que representam ameaça à segurança nacional dos EUA. Muita gente neste país também odeia o governo e deseja derrubá-lo. Para todas essas pessoas, os fins justificam os meios" diz Erwin Strauss, autor do livro Basement Nukes (Bomba atômica de porão), um guia tipo faça você mesmo, onde ele explora os meios e a moralidade da construção caseira de artefatos termonucleares, químicos ou bacteriológicos. O autor faz parte da imensa legião de ativistas das franjas radicais de direita no país. E o seu livro é apenas um exemplo de uma biblioteca de escritos propondo ações terroristas contra o governo americano. E ele está certo, pois foi um americano, Tim McVeight, quem perpetrou o maior atentado terrorista em território americano, em Oklahoma. Ele aprendeu a fazer sua bomba através de manuais caseiros como o Basement nukes e o popular Guia para a guerra biológica.

Em 1995 Larry Waynes Harris, um biólogo racista e com ligações com grupos americanos radicais de extrema direita, foi preso por ter comprado uma remessa de bactérias (butolismo) num banco de germes da Flórida. Suas palavras na época foram sombrias: "Em todo o mundo existem grupos que estão atrás de bactérias para transformar em armas. Não há como vocês evitarem uma guerra bacteriológica." E, para comprovar esta teoria, o terrorista islâmico Nasser Asad Al-Tamimi alardeia que seu exército conta com esses pesadelos em seus arsenais. Há meses um jornal jordaniano publicou entrevista onde Al-Tamimi disse que a "Jihad" (guerra santa) seria vencida através de germes letais, que já estavam nas mãos dos "Mártires de Maomé."

Em dezembro, o presidente Clinton reconheceu publicamente o perigo iminente de novos ataques. Tanto que anunciou iniciativa envolvendo bilhões de dólares em recursos públicos para fazer frente às ameaças químico-biológicas. Mas os mais paranóicos continuam a esperar o apocalipse. "Não tenho dúvidas de que um ataque destes ocorrerá. Só nos resta saber quando", diz John Gannon, funcionário da CIA. E Nova York é a marca da mosca no alvo dos terroristas. "Esta cidade já sobreviveu à Aids e sobrevive às hordas de turistas. Vai sobreviver também a um ataque químico-biológico", garante a otimista dra. Jenna Zebrowski, uma das maiores autoridades em bio-terrorismo no país.