Se depender dos supermercados, o rótulo de vilão da inflação vai mudar de dono. Depois de anos tentando lapidar sua imagem com os consumidores, os supermercadistas não estão dispostos a cair novamente em desgraça. A pressão por aumento de preços feita pelos fornecedores logo após a desvalorização do real não foi acolhida. "Os adeptos dos aumentos de preço estão culpando a alta do dólar, mas o principal responsável é a cultura inflacionária", afirma o presidente das Casas Sendas e da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), Arthur Antonio Sendas. Devoto de São Judas Tadeu, o empresário não perde as esperanças. A volta da inflação é um perigo iminente, mas ele acha que agora a arma está na mão do consumidor. "Basta trocar de marca." Dono da quarta maior rede do País, com 60 lojas e faturamento anual de R$ 1,9 bilhão, Sendas acredita que a melhor resposta para a crise é o trabalho. Este ano, promete abrir cinco novas lojas.

ISTOÉ – Os supermercados estão correndo o risco de voltar a ser os vilões da inflação?
Arthur Sendas – Muitas indústrias ainda pensam que o Brasil é aquele país de antes do Real. Hoje, ao contrário do passado, não existe espaço para aumentos de preços. E o motivo é só um: o poder de compra está bastante limitado. A situação está muito difícil. Se não bastassem os juros elevados, o desemprego é altíssimo, muitos setores não tiveram reajustes e outros ainda foram obrigados a aceitar redução de salário. Não existe justificativa para aumentar os preços. Os adeptos dos aumentos estão culpando a desvalorização cambial. Mas a principal culpada é a cultura inflacionária que ainda está muita arraigada na cabeça de alguns industriais.

ISTOÉ – Quais os setores que mais pressionam por aumento de preços?
Sendas – São vários. A Latasa, por exemplo, repassou um aumento de 20% para os fabricantes de cerveja e refrigerantes. Se o alumínio é fabricado no Brasil, o que a desvalorização cambial tem a ver com a fabricação das latas de alumínio? As companhias de cerveja e refrigerantes simplesmente aceitaram o aumento e o repassaram automaticamente para o consumidor. Conclusão: as vendas de janeiro caíram 12% em relação ao ano anterior. O mesmo ocorreu com a carne. Com a desvalorização do real, o pecuarista aumentou o preço da arroba do boi de R$ 25 para R$ 35. A resposta do consumidor foi deixar de comer carne. As vendas caíram 20% e agora o preço já começou a se acomodar novamente.

ISTOÉ – Mas e aqueles que dependem de insumos importados ou são considerados commodities?
Sendas – O pãozinho é um dos poucos produtos que poderiam usar a desvalorização cambial para justificar aumentos. Cerca de 80% do trigo consumido no País é importado. Mas, mesmo assim, acho a justificativa pouco consistente porque o preço do trigo no mercado internacional está caindo e não subindo. O mesmo ocorre com o café. A saca do café, depois da desvalorização cambial, pulou de R$ 140 para R$ 180. A alegação foi que o preço do produto é ditado pelo mercado internacional. Ora, se o dólar subiu, e essa era uma das principais reivindicações dos exportadores, os cafeicultores passaram a receber mais reais pela mesma quantidade de café exportado. Quer dizer, existia gordura para absorver o aumento de custos eventualmente provocado pela desvalorização cambial. O setor de laticínios é outro que está pressionando por aumentos. Estão querendo praticar aumentos entre 20% e 30% em pleno período das cheias, em que a produção leiteira praticamente duplica.

ISTOÉ – É difícil convencer o fornecedor que sua alegação não faz sentido?
Sendas – A queda-de-braço é dura. Alguns fornecedores, sobretudo os líderes de mercado, acham que têm condições de impor seu preço. Isso é uma besteira. O cliente hoje não tem mais fidelidade nenhuma à marca, só ao preço. Se antes, a dona de casa conseguia guardar os preços com uma inflação de 40%, imagine hoje, sem inflação.

ISTOÉ – Depois da desvalorização, as Sendas já sentiram alguma mudança nos supermercados?
Sendas – Estamos negociando com os fornecedores e dependendo do resultado das conversas alguns produtos podem perder espaço nas gôndolas. Acredito que a linha de marcas próprias vai sofrer uma mudança grande. Com a desvalorização do real não podemos vender produtos de marca própria mais caros que os nacionais, até porque esses produtos, tradicionalmente, são de 15% a 20% mais baratos que os concorrentes nacionais.

ISTOÉ – Nos últimos anos, o setor supermercadista foi invadido por estrangeiros. Como o sr. analisa essa mudança de perfil?
Sendas – A invasão era inevitável, somos o setor mais moderno da economia brasileira na área comercial. Hoje, das cinco maiores empresas, apenas duas são 100% nacionais: nós e o Pão de Açúcar.

ISTOÉ – Depois de tanta turbulência na economia, o sr. continua confiante no País?
Sendas – Sou uma pessoa de fé, que acredita em Deus. Acho que o Brasil vai superar essa fase difícil. Já vivi cinco planos econômicos, muitos dos quais como presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). Ainda acredito no Plano Real, mas lamento a maneira como o programa de estabilização tem sido conduzido. As principais providências deixaram de ser tomadas na hora certa, o que provavelmente acabou nos levando a esta situação.

ISTOÉ – Muitos economistas dizem que só há duas saídas para a crise atual: a recessão ou a inflação. Qual dos dois caminhos o sr. prefere?
Sendas – Nenhum dos dois, prefiro apostar numa terceira via. Sou uma pessoa otimista e acho que o País vai conseguir superar as dificuldades. Acredito que a situação deve se acomodar depois deste primeiro semestre. Não chego a imaginar que vamos conseguir crescer em 1999, mas acho que as exportações vão melhorar, o que vai acabar reduzindo o déficit da balança comercial.