O mecânico olha o motor e afirma: "O problema é o eixo da borboleta." O cliente balança a cabeça e finge que entende o diagnóstico. A cena, exata ou parecida, provavelmente já ocorreu com muitos motoristas que embicaram seu carro avariado em uma oficina e, em vez de ver seu problema resolvido, atolaram num pântano de graxa. Mas, se for confirmada a previsão da associação brasileira das oficinas independentes, que representa a categoria dos mecânicos em todo o País, as relações com os clientes vão melhorar muito.

"Em 1992, havia 250 mil oficinas no País, hoje são 172 mil e acredito que em três anos restem 90 mil. O mecânico de fundo de quintal vai acabar, assim como aquele que não entende de eletrônica", aposta Geraldo Santo Mauro, presidente da associação e do sindicato dos reparadores de automóvel de São Paulo. Ele lembra que as novas tecnologias reduzem o mercado ao produzir materiais mais duráveis e ao exigir das oficinas equipamentos sofisticados. "Há também a inspeção veicular, prevista no novo código de trânsito, que vai avaliar o serviço prestado em cada automóvel." Outra forma de seleção já em curso é o certificado ASE. Importado dos Estados Unidos, onde existe desde 1972, o ASE é concedido por representantes de sindicatos, associações e empresas do setor. Há dois anos no Brasil, o certificado foi procurado por 19 mil mecânicos, mas obtido por pouco mais de oito mil. "Quem quiser um serviço de qualidade deve buscar essa identificação", recomenda Santo Mauro.

Enquanto isso não acontece, muita gente sofre. "Eu já fui tapeada várias vezes", garante a aposentada Victória Procópio, 65 anos, dona de um Fusca 73. Há um ano, Victória fez um curso amador de mecânica. "Agora não me assusto com qualquer barulhinho", afirma. Para ela, o pior das oficinas é o machismo. "Ainda bem que meu Fusquinha não me deixa na mão a toda hora, porque os mecânicos não explicam nada só porque sou mulher", acredita Victória. Ela não é a única a pensar assim. "Muitos mecânicos pressupõem que nenhuma mulher entende de mecânica e, portanto, não merece um bom atendimento", afirma Sônia Amaro, assistente de direção do Procon de São Paulo.

De acordo com o código, o consumidor não tem obrigação de entender do assunto, que deve ser resolvido e explicado pelo prestador de serviço. Se fosse mais obedecida, a lei poderia ter poupado à estudante Marina Dias, 21 anos, um transtorno que se arrasta há cinco meses. A estudante bateu seu carro em outubro do ano passado e o levou a uma oficina indicada pela sua seguradora. Recebeu o automóvel de volta quase três meses depois, e com defeito. "No começo eles falaram que em 15 dias ficava pronto. Liguei para a seguradora e soube que a oficina demorou uma semana só para fazer a vistoria", diz. Marina reclama também de falta de atenção. "Nunca me ligaram para dar satisfação pelo atraso." José Roberto Davi, dono da oficina, se justifica. "O modelo do carro dela saiu de fabricação e as peças não existiam mais, por isso a demora. E não posso ficar ligando para o freguês por falta de tempo." Quando o carro finalmente chegou, a porta trocada estava torta e, de tão desbalanceado, o automóvel não podia passar de 40 quilômetros por hora sem risco de se desgovernar. Marina teve de procurar outra oficina.

Mas nem só as mulheres penam. O ajudante-geral Aguinaldo Rocumback, 26 anos, procurou o Procon após ser enganado durante seis meses. "Fui a uma oficina para retificar o motor, mas lá me induziram a comprar outro, usado. Só que o motor instalado não tinha força nem para subir ladeiras", lembra Aguinaldo. "O carro ficou mais de dois meses parado e só depois que fui ao Procon eles trocaram o motor." Para completar, o novo motor queimava óleo.

O Procon recomenda que os cidadãos sejam exigentes. Poucos reclamam. Em 1998, o Procon de São Paulo foi procurado por 411 consumidores insatisfeitos. "O consumidor consciente de seus direitos gera o mecânico consciente de seus deveres", conclui Sônia Amaro. Em tempo: borboleta é o nome de uma válvula localizada no carburador, ou na injeção de combustível, que gira sobre seu próprio eixo para regular a quantidade de ar aspirada pelo motor.