Estava todo mundo lá. Ou quase. O presidente americano Bill Clinton foi acompanhado por três de seus antecessores (George Bush, Jimmy Carter e Gerald Ford). O russo Boris Yeltsin contrariou ordens médicas e apareceu de surpresa, assim como também foi surpresa a presença de outro adoentado, o presidente sírio Hafez Assad, um não-religioso que rezou trechos do Corão junto ao caixão de seu antigo desafeto. Um representante do movimento extremista islâmico Hamas caminhava a poucos metros do chefe do Mossad, o serviço secreto israelense, que acompanhava o premiê Beniamin Netanyahu. Só faltou mesmo o ditador iraquiano Saddam Hussein, que despachou seu vice. Além dos mais de 40 líderes mundiais, cerca de um milhão de pessoas saíram às ruas de Amã, nasegunda-feira 8, para dar o último adeus ao rei Hussein, da Jordânia, morto na véspera vítima de um câncer linfático. Não se via nada parecido desde 1980, na cerimônia fúnebre do marechal Josip Broz Tito, presidente da Iugoslávia.

A grande comoção internacional dava uma amostra da importância política que a Jordânia adquiriu no Oriente Médio durante os 47 anos do reinado de Hussein, que em 1994 assinou um acordo de paz com Israel e tornou-se o mediador por excelência entre o Ocidente e os países árabes. Agora que Hussein se foi, a perturbadora incógnita é se seu filho mais velho e sucessor, o novo rei Abdullah II, vai conseguir continuar o legado do pai. Ele não tem, obviamente, a experiência de Hussein. Mas herda algum prestígio.

Filho da segunda mulher de Hussein, a inglesa Toni Gardiner, Abdullah tem 37 anos, foi educado desde os quatro na Grã-Bretanha e nos EUA, e fala árabe com um pouco de sotaque. Estudou Assuntos Internacionais em Oxford e Georgetown, antes de entrar numa academia militar britânica e servir ao Exército daquele país. Homem-rã, piloto de helicópteros e aviões caça, Abdullah comandava até o mês passado as Forças Especiais da Jordânia – responsáveis pela segurança interna. No ano passado, causou furor uma aparição sua na tevê: vestido com trajes especiais, ele liderava uma ação cinematográfica contra um grupo de assassinos que depois de matar um diplomata iraquiano se refugiou nas cercanias da capital. Abdullah, pouco conhecido pela população, estava na linha de frente do tiroteio e fez sucesso na captura do bando.

Sua nova missão, entretanto, é infinitamente mais difícil. A economia do país está estagnada. A taxa de desemprego é de 30% e a renda per capita é 15 vezes menor que a do vizinho Israel. No campo político, a coisa não é menos complicada. Pouco antes de assumir o trono, Abdullah prometeu que faria uma reforma democrática radical e isso é sempre um processo delicado. A princípio, ele conta com a boa vontade da população e é respeitado nas Forças Armadas. Mas boa parte dos jordanianos não engole o acordo feito pelo seu pai com os israelenses e desejaria ver o país mais alinhado ao Iraque, seu vizinho a Leste. É certo que sofrerá o assédio de Saddam e do sírio Hafez Assad, inimigos dos judeus, para que estreite os laços entre seus países. "Quando se tem uma transição dramática depois de 47 anos de estabilidade, uma mudança como essa sempre preocupa", diz o cientista político Gerald Steinberg. Com a expectativa de que haja uma série de trocas de poder por todo o mundo árabe na próxima década, a entrada do novo monarca na Jordânia pode estar marcando o início de profundas mudanças no turbulento Oriente Médio.