Alguém precisa de um majestoso relógio que não mede as horas nem os segundos, move o ponteiro uma única vez por século e, em vez de badaladas, toca um tema do músico inglês Brian Eno no fim de cada milênio? Considerando-se a duração média de uma vida em cerca de 70 anos, um mecanismo de precisão com essas características não faz o menor sentido. Apesar disso, um protótipo está sendo montado em Los Angeles pelo cientista da computação Daniel Hillis. O Relógio do Milênio foi idealizado para desafiar a sucessão das eras e a ascensão e queda das civilizações, funcionando até o ano 12000. "Depois disso, vence a garantia", brinca Hillis. Apesar de irônico, é melhor levá-lo a sério. Ele é uma das figuras mais brilhantes da informática. Aos 42 anos, é o vice-presidente de tecnologia dos estúdios Disney, mas quando tinha 28 anos, em 1985, foi saudado pelo The New York Times como gênio por ter construído o primeiro supercomputador em paralelo da história. Batizada Connection Machine, a máquina distribuía os cálculos de uma operação complexa entre 64 mil chips. Com isso, acelerava em até mil vezes a obtenção do resultado final em relação às máquinas mais poderosas da época. O conceito deu tão certo que hoje todos os supercomputadores operam em paralelo. É o caso do Big Blue da IBM, que derrotou o campeão mundial de xadrez Gary Kasparov em 1997.

Nos anos em que esteve imerso nesse universo digital, em que cada cálculo é executado em bilionésimos de segundo, Hillis começou a refletir sobre a importância do tempo. "Quando era criança, a virada do milênio parecia distante", diz. Passados todos esses anos, é curioso ver que o futuro não avançou para além do ano 2000. É como se estivesse encolhendo ano após ano. 2005 ainda está longe para entrar em nossos planos e 2030 distante demais até mesmo para ser imaginado." Hillis teme que, rompida a barreira do século XXI, a humanidade fique sem uma referência para balizar o tempo. Daí a idéia do relógio: ser um marco temporal nos séculos que virão. Foi por isso que seu idealizador decidiu fazê-lo totalmente mecânico e não movido a eletricidade. Essa fonte de energia, pondera o cientista criado nos bits e bytes da informática, foi dominada há apenas 150 anos. Nada indica que continuará sendo usada daqui 500 anos, quanto mais dez mil.

No momento, Hillis monta um protótipo de 2,43 metros de altura. Quer acabá-lo em dezembro. O passo seguinte é obter US$ 500 mil para criar sua obra-prima. Nessa tarefa, conta com a ajuda de amigos como Brian Eno e Peter Gabriel, ex-líder do conjunto Genesis, além do cineasta David Lynch. Para tocar o projeto, criaram a Fundação Longo Agora (www.longnow.org). Quando o relógio ficar pronto, seu criador pretende instalá-lo no alto de um edifício no deserto, criando um local que ajude as pessoas a repensar o sentido do tempo. Justamente por isso, o mecanismo não será automático. Não faz sentido projetá-lo para funcionar sem ajuda humana, receita certa para ser abandonado e esquecido. Uma equipe terá que dar corda nele todos os anos. E outras a sucederão por, no mínimo, dez mil anos.