Toda unanimidade é burra." A frase, aparentemente ranzinza e rancorosa, era apenas uma desculpa do dramaturgo, escritor e jornalista Nelson Rodrigues (1912-1980) para explicar a dificuldade de agradar a gregos e troianos. Certamente, o velho Nélson ficaria feliz em saber que acaba de ser indicado o brasileiro mais importante do século 20 nas Artes Cênicas – categoria que inclui, além do teatro, também o cinema, a teledramaturgia e a dança – por um seleto júri convocado por ISTOÉ. A felicidade do anjo pornográfico, como ele próprio se intitulava, ficaria completa ao saber que, apesar de mais votado, não foi unanimidade, um claro indício de falta de inteligência que nossos jurados souberam evitar. Nelson Rodrigues é o primeiro nome de uma relação de 33 personalidades sobre a qual o leitor se debruçará para indicar quem é o Artista Cênico do Século. Caberá ao leitor decidir também os que terão suas biografias publicadas, em fascículo especial, em março, dando continuidade ao projeto O Brasileiro do Século – antes, no final de fevereiro, sairá o encarte de Música. A eleição do Esportista do Século já foi decidida, com a vitória de Ayrton Senna.

Como havia ocorrido nas categorias anteriores, a lista dos indicados ao prêmio em Artes Cênicas também excedeu o limite de 30 nomes inicialmente previsto, porque houve empate na última posição. O júri de ISTOÉ entendeu que a dramaturgia brasileira abriga muitos gênios. Do contrário, como explicar que a bancada de notáveis tenha citado, no total, 246 nomes, um recorde até agora – no Esporte, foram 148, e na Música, 220. A disputa foi acirradíssima. No Esporte, Pelé foi unanimidade e Torben Grael, o último da lista, recebeu dez indicações. Na Música, Tom Jobim ficou a um voto da condição unânime. Dolores Duran e Jacob do Bandolim, ambos com oito, fecharam a relação dos eleitos. Dessa vez, muito provavelmente por envolver quatro mundos distintos numa só categoria (teatro, cinema, teledramaturgia e dança), o grande número de indicados fez com que o vencedor alcançasse apenas 24 votos. No pé da lista, o patamar mínimo para se classificar baixou para sete votos. É de se registrar a ausência de bailarinos entre os classificados, mesmo com a presença de dois dançarinos no júri, Ana Botafogo e Rodrigo Pederneiras.

A preocupação de não esquecer ninguém pautou o voto de Bárbara Heliodora, a diva da crítica teatral do País. Ela gostaria que a relação fosse de 50, e não de 30 indicados, como estabelecia a regra. Mas, como sempre, houve quem achasse exagerado o número de 30 personalidades. Querem um exemplo? O diretor de teatro Gerald Thomas pediu desculpas, mas enviou uma lista de apenas oito pessoas, entre as quais, ele próprio. Thomas, que vive em Nova York, a princípio não aceitou ser jurado. "Como posso fazer parte do júri se eu sou um dos brasileiros mais importantes do século? Eu deveria estar do outro lado, na relação dos eleitos", explicou. Convencido a integrar o júri, para justificar o voto em si mesmo, escreveu no e-mail: "Eu revolucionei a estética do teatro nacional." Thomas não contou, no entanto, com a falta de colaboração de seus colegas de júri. Recebeu apenas cinco indicações, número insuficiente para concorrer ao prêmio. A atriz paranaense Denise Stocklos também esquivou-se logo de cara de participar do júri, só que não voltou atrás. "Não participo de nada que seja coletivo", justificou. Coerente, a atriz nunca realizou espetáculos que não fossem monólogos. O júri inclui representantes de todos os cantos do País, como o amazonense Aurélio Michiles, o gaúcho Giba Assis Brasil, o paranaense Marcelo Marchioro e o pernambucano Rodrigo Carrero. A intenção de ISTOÉ era justamente formar uma comissão eclética, buscando personalidades de diferentes gerações que atuam em todas as regiões do País.

A lista será motivo de polêmica e algumas surpresas: nem todos os escolhidos nasceram no Brasil. Mas como ignorar a votação expressiva do russo Ziembinski, do italiano Guarnieri e do espanhol Oscarito? Para quem não sabe, Guarnieri nasceu em Milão, na Itália, e Oscarito, em Málaga, na Espanha. Figuras importantes não foram eleitas. Na televisão, por exemplo, Janete Clair, autora das novelas mais comoventes dos anos 60 e 70, não se classificou. O que dizer da ausência de Tônia Carrero, uma das atrizes mais conceituadas de nosso teatro? Lima Duarte também deveria estar na lista, dirão seus fãs. Sem esquecer da musa Leila Diniz e de cineastas respeitabilíssimos como Joaquim Pedro de Andrade. Mas só cabiam 30, ou melhor, 33 passageiros nesse trem repleto de estrelas. A sorte está lançada. Agora cabe ao leitor decidir quem é o brasileiro do século nas Artes Cênicas. Como Ayrton Senna venceu Pelé no Esporte (nesse caso, o leitor contrariou a opinião da bancada de notáveis), o jogo pode virar de novo, embora sempre haja o risco de acontecer, como diria Nelson Rodrigues, o óbvio ululante.

 

 

E o prêmio vai para …
Escolha os brasileiros do século nas Artes Cênicas

 

Nelson Rodrigues Desafiador, o dramaturgo pernambucano era um transgressor da moral e dos bons costumes. Escandalizou as platéias com personagens trágicos, incestuosos, mentirosos, adúlteros e amargurados. Deixou clássicos como Engraçadinha, Beijo no asfalto e A dama do lotação, muitos deles transformados em filmes nos anos 70 e 80. Além de dramaturgo, foi um brilhante cronista esportivo. Morreu em 1980, aos 68 anos, vítima de insuficiência cardíaca e respiratória. 24 votos.

 

Fernanda Montenegro A carioca Arlete Pinheiro Esteves da Silva, 69 anos, filha de um funcionário da Light, é um talento luminoso. Em quase meio século de carreira, fez dezenas de novelas e quase 60 peças. No cinema, atuou em Tudo Bem (1978), de Arnaldo Jabor, e Eles não usam black-tie, de Leon Hirszman, que ganhou o Festival de Veneza, em 1981. Seu último sucesso foi Central do Brasil, que lhe valeu a indicação ao Globo de Ouro de melhor atriz (o filme ganhou o Globo de Ouro de melhor fita estrangeira). 23 votos.

 

José Celso Martinez Corrêa Fundador do Grupo Oficina, de São Paulo, que dirige há 40 anos, Zé Celso revolucionou o teatro brasileiro no final da década de 60 com a montagem de Roda viva, de Chico Buarque de Hollanda e Rei da vela, de Oswald de Andrade. 22 votos

 

Cacilda Becker Atriz de inquestionável talento e líder da classe teatral. Uma lenda do teatro brasileiro, morreu no palco, ao interpretar Esperando Godot, de Samuel Becket, em 1969, aos 57 anos. 21 votos.

 

Antunes Filho O paulistano José Alves Antunes Filho, 69 anos, tem quatro décadas de carreira como ator e diretor. Fundou o Centro de Pesquisa Teatral, na capital paulista, onde formou centenas de atores. 20 votos.

 

Glauber Rocha Uma idéia na cabeça, uma câmera na mão, era o lema do baiano que liderou o cinema novo e abriu o mercado internacional para os filmes nacionais. Terra em transe e Deus e o Diabo na terra do sol foram seus maiores êxitos. Polêmico, dizia que a precariedade técnica, se utilizada de modo criativo, poderia retratar as mazelas sociais do País. 19 votos.

 

Grande Otelo Sebastião Bernardes de Souza Prata era a imagem fiel do Brasil. Mineiro de Uberlândia, ganhou o apelido de Pequeno Otelo, mas preferiu chamar-se Grande por ironia, já que era baixo e mirrado. Com Oscarito, formou a dupla de matutos genuinamente brasileiros em chanchadas da Atlântida nos anos 50. Morreu em 1993 aos 77 anos. 17 votos.

 

Ziembinski O russo Zibignew Ziembinski introduziu no Brasil, nos anos 40, o método Stanislawski de intepretação. Inovou na marcação dos atores no palco e na iluminação dos espetáculos. 17 votos.

 

Nélson Pereira dos Santos Cineasta paulistano que filmou o histórico Rio, 40 graus, dando início ao movimento do cinema novo, na década de 50. Fez ainda Vidas secas, em 1964, outro marco do cinema brasileiro. 16 votos.

 

Paulo Autran Este carioca nascido em 1922 formou-se em Direito, mas nunca chegou a atuar nos tribunais. É considerado até hoje um dos maiores atores brasileiros de todos os tempos.16 votos.

 

Oduvaldo Vianna Filho Foi um dos autores mais representativos da moderna dramaturgia nacional. Refletiu o panorama político do Brasil durante os governos militares dos anos 60 e 70. 14 votos.

 

Humberto Mauro Cineasta pioneiro, nascido em 1897, deixou sequências antológicas que inovaram no enquadramento e nas angulações da câmera. Um de seus clássicos é A voz do carnaval, em que Carmen Miranda estréia cantando marchinhas de Lamartine Babo. 13 votos.

 

Oscarito Oscar Lourenço Jacinto da Imaculada Conceição Tereza Dias fez teatro de revista no início do século e no cinema interpretou tipos caipiras em chanchadas. Morreu aos 74 anos em 1970. 13 votos.

Marília Pêra A atriz carioca começou a carreira como bailarina de circo. Faz sucesso no teatro, no cinema e na televisão. Um de seus principais filmes é Pixote, de Hector Babenco. 12 votos.

 

Plínio Marcos Foi buscar inspiração no submundo de prostitutas, presidiários e outros malditos. Nos anos 60, escreveu uma de suas principais peças, Dois perdidos numa noite suja. 11 votos.

 

Augusto Boal Dramaturgo e teórico carioca de 67 anos, fez parte do Teatro de Arena até 1971. Idealizou o Teatro do Oprimido, teoria segundo a qual todas pessoas são atores. 11 votos.

 

Ariano Suassuna Dramaturgo paraibano de 71 anos, uniu a cultura popular do sertão a clássicos gregos e ibéricos. Criador do movimento armorial, escreveu clássicos como Auto da compadecida e O santo e a porca. 10 votos.

Procópio Ferreira Carioca nascido em 1898, estreou como ator em 1916, na peça Amigo, mulher e marido. Um dos maiores sucessos foi Deus lhe pague, na década de 30. Morreu em 1979. 10 votos.

 

Mário Peixoto Aos 20 anos, fez seu primeiro e único filme, Limite, em 1931, considerado uma obra-prima. 10 votos.

 

Gianfrancesco Guarnieri Italiano de Milão, veio com a família para o Brasil aos dois anos, em 1936. É autor dos premiados Eles não usam black-tie e Arena canta Zumbi. 10 votos.

 

Dias Gomes O baiano Alfredo de Freitas Dias Gomes, 76 anos, foi um dos inovadores da dramaturgia na televisão na década de 70. Escreveu O bem-amado, Bandeira 2 e Roque Santeiro. 9 votos.

Dercy Gonçalves A rainha do improviso e do escárnio nasceu em Santa Maria Madalena (RJ). Tem 91 anos e 70 de carreira. Já fez 52 filmes e 55 peças de teatro. 9 votos.

 

Dulcina de Moraes Seu talento costumava deixar as platéias do Teatro Municipal do Rio de Janeiro de queixo caído. A atriz carioca nasceu em 1908 e interpretou clássicos como Bodas de sangue e César e Cleópatra. Arrastava multidões para o teatro. Morreu em 1996 aos 88 anos. 9 votos.

 

Maria Clara Machado Atriz, dramaturga e diretora, fundou em 1952 o Tablado, companhia de teatro carioca que até hoje dirige e forma sucessivas gerações de atores. É uma das mais talentosas autoras de textos infantis para o teatro. 8 votos.

 

Sérgio Cardoso Estreou como ator em 1948, com 23 anos, interpretando Hamlet. Seus maiores sucessos foram Arlequim, servidor de dois senhores e A raposa e as uvas. Morreu em 1972, quando participava da novela O primeiro amor, da Globo. 8 votos.

 

Leon Hirszmann Cineasta carioca, nascido em 1938, dirigiu documentários e ganhou o Grande Prêmio do Festival de Veneza, em 1981, com o filme Eles não usam black-tie. 8 votos.

 

Bibi Ferreira Filha de Procópio Ferreira, a atriz Abigail Isquierdo Ferreira começou em 1941 com a peça O inimigo das mulheres. Seu maior êxito é Gota d’água, de Chico Buarque de Hollanda, nos anos 70. 8 votos.

 

Flávio Império Cenógrafo que participou de montagens inovadoras dos grupos Oficina e Arena nos anos 50 e 60. 7 votos.

 

Décio de Almeida Prado Teatrólogo e crítico, escreveu vários livros, entre eles Teatro em progresso. 7 votos.

 

Luís Carlos Barreto Produziu obras-primas da cinematografia brasileira como O padre e a moça (1965) e sucessos como Dona Flor e seus dois maridos e O quatrilho. 7 votos.

 

Paschoal Carlos Magno Foi um dos primeiros mecenas do teatro brasileiro. Promoveu festivais a partir da década de 30 e descobriu talentos no movimento teatral. Era diplomata, dramaturgo e crítico. 7 votos.

Franco Zampari Foi um grande empresário do teatro. Italiano, veio para o Brasil nos anos 40 e fundou o Teatro Brasileiro de Comédia, em São Paulo. 7 votos.

 

Paulo José Estreou como ator em 1965 no filme O padre e a moça e atuou em Macunaíma, ambos de Joaquim Pedro de Andrade. Consagrado também no teatro e na televisão. 7 votos.

 

 

Elenco de primeira
Uma verdadeira constelação indicou os candidatos

 

Ana Botafogo Primeira-bailarina do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, se apresenta nos palcos do mundo inteiro.

 

Carlos Reichenbach Cineasta paulistano, dirigiu longas como Alma corsária e Anjos do Arrabalde.

 

Renato Borghi Um dos principais atores brasileiros, foi um dos fundadores do Teatro Oficina, de São Paulo.

 

Sylvio Back Cineasta e escritor catarinense, dirigiu 34 filmes, entre eles A guerra dos pelados.

 

Carla Camuratti Atriz e cineasta, atuou em A estrela nua e dirigiu o premiado Carlota Joaquina, princesa do Brasil (1995).

 

Fernanda Torres Atriz carioca, estrelou O que é isso, companheiro?, de Bruno Barreto, entre outros filmes.

 

José Wilker Ator e crítico de cinema pernambucano. Fez Dona flor e seus dois maridos e Canudos.

 

Astrid Fontenelle Jornalista, foi eleita pelos críticos paulistas, em 1998, a melhor apresentadora do ano.

 

Gerald Thomas Polêmico diretor de teatro, trabalha no Brasil, em Berlim e Nova York, onde vive.

 

Marcelo Rubens Paiva Escritor e jornalista paulistano, é autor de Feliz ano velho e Blecaute.

 

Tizuka Yamasaki 50 anos. Cineasta, filmou Gaijin, caminhos da liberdade (1980) e Lua de cristal (1990).

 

Marcelo Marchioro Diretor de teatro paranaense. Montou O vento do Minotauro, de Dalton Trevisan.

 

Rodrigo Pederneiras Coreógrafo e bailarino mineiro, 44 anos, lidera o Grupo Corpo.

 

Fernando Bicudo Ator e encenador de óperas, dirige o Teatro Arthur Azevedo de São Luiz, no Maranhão.

 

Ugo Giorgetti Cineasta paulistano, diretor de Sábado e Boleiros.

 

Marcos Fayad Ator e diretor goiano, dirigiu a histórica montagem de Dois perdidos numa noite suja em 1972.

 

Rodrigo Carrero Jornalista, é editor de Cultura e Variedades do jornal Diário de Pernambuco, do Recife.

 

Jean-Claude Bernardet Crítico de cinema e roteirista de filmes como Um céu de estrelas e Através da janela.

 

Gabriel Priolli Jornalista, diretor e crítico de tevê, dirige o Canal Universitário de São Paulo.

 

Renata Pallottini Dramaturga e ficcionista, é professora da Escola de Comunicações e Arte da USP.

 

Luiz Carlos Maciel Jornalista, diretor de teatro e roteirista. Assinou a coluna Underground, em O Pasquim.

 

Giba Assis Brasil Professor de cinema gaúcho, dirigiu o longa Verdes anos e montou o premiado Ilha das Flores, de Jorge Furtado.

 

Bárbara Heliodora Crítica e tradutora das obras de Shakespeare.

 

Sérgio Mamberti Ator de extenso currículo, participou de mais de 60 peças, 25 longas e 15 novelas.

 

Aurélio Michiles Cineasta amazonense, realizou seis documentários, entre eles Que Viva Glauber!

 

Marcelo Tas Ator e apresentador do programa Vitrine, na Rede Cultura.

 

Cacá Rosset Ator e diretor de teatro paulista, fundou o grupo Ornitorrinco, que montou sucessos como Ubu e Sonho de uma noite de verão.

 

Maria Tereza Vargas Pesquisadora e escritora, foi diretora da Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo

 

Nelson Nadotti Gaúcho, 40 anos, é co-autor das novelas A Indomada, Quem é você? e Meu bem querer.

 

PX Silveira Cineasta e diretor da Funarte em São Paulo.