Imagine entrar na farmácia e pedir, em vez de uma aspirina, um ácido acetilsalicílico. Em resposta, o vendedor trará algumas opções de medicamentos semelhantes à velha e boa aspirina, mas talvez um pouco mais baratas. Esse será um hábito que aos poucos irá entrar no cotidiano do brasileiro, a partir da aprovação, na terça-feira 26, do projeto de lei que obriga a indústria farmacêutica a estampar nas embalagens dos medicamentos o nome genérico da droga abaixo do nome comercial. Embora essa conduta só passe a valer a partir de agora, a idéia não é nova. Desde 1981, uma portaria da Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária pedia o uso do nome genérico em parceria com o nome fantasia. No entanto, como uma portaria não tem força de lei, muitos laboratórios simplesmente ignoraram a ordem. Com o projeto aprovado, passa-se a exercer, na prática, o direito adquirido desde 1981, de o paciente chegar na farmácia com uma receita médica e escolher, entre os medicamentos de mesma ação, a marca do que mais cabe no seu bolso.

Claro que não é um hábito que se conquista de um dia para o outro. Mas nos Estados Unidos e na Europa, por exemplo, pedir o medicamento pelo nome genérico já faz parte da vida do consumidor. No Brasil, como nunca houve estímulo por parte das autoridades nem dos médicos, poucos pacientes sabiam que o que vale não é o nome comercial, mas sim a fórmula do medicamento. E muitas vezes o doente paga mais caro sem saber que pode ter à mão um medicamento mais barato. A professora Elis Regina Pacheco, 54 anos, é um exemplo dos poucos que se rebelaram contra os preços abusivos. Ela teve de descobrir sozinha uma alternativa para o antibiótico que seu médico havia prescrito. "Tive pneumonia em junho do ano passado e precisava tomar sete injeções de Rocefin, um antibiótico que ia me custar R$ 50 a dose. Pesquisei qual era o princípio ativo do remédio e encontrei um único similar, o Triaxin, que custava R$ 35 a dose", relembra totalmente curada. O advogado Roberto de Camargo Zanini, 26 anos, também confessa que ganhou o dia quando economizou na compra de um antibiótico para o filho. O médico receitou Amoxil, um antibiótico à base de amoxicilina. Ele consultou o Guia dos medicamentos, foi à farmácia e pediu tudo o que havia com esse nome genérico. "Em vez de R$ 22, preço do Amoxil, encontrei uma opção por R$ 11. E fez o mesmo efeito", afirma. "Agora, nas consultas, cobro do médico algumas alternativas. A gente sente a diferença no bolso e aí é fácil pegar o hábito."

De fato, a nova lei só tende a beneficiar o consumidor. Ao não correr sempre para o medicamento mais famoso, o consumidor obriga os laboratórios a nivelarem os preços. "Nos países onde essa prática já existe, o remédio ficou entre 30% e 35% mais barato", diz o deputado estadual Eduardo Jorge (PT-SP), autor do projeto. Para que todos possam ser agraciados com o uso do nome genérico, médicos da USP, à pedido da Organização Mundial da Saúde, traduziram para a língua portuguesa os nomes de 13.504 substâncias farmacêuticas existentes no mundo. Os laboratórios antes argumentavam que, por falta de um nome oficial em português, não colocavam o nome do princípio ativo na embalagem. Agora, com uma nomenclatura única, vai ficar mais fácil fazer consultas científicas, controlar as importações e comparar os preços.

Apesar das vantagens, o paciente pode ficar com receio de comprar um medicamento produzido por uma indústria farmacêutica pouco conhecida. Mas não há motivo para isso. "Para um medicamento receber o nome genérico, tem que alcançar todo o padrão científico exigido", afirma Gonzalo Vecina Neto, secretário Nacional de Vigilância Sanitária. No entanto, muitas vezes os próprios médicos dão preferência para determinadas marcas porque já estão consagradas no mercado e garantem eficácia e segurança. A lei, entretanto, deve coibir outro problema sério: as falsificações. As grandes marcas são os principais alvos da indústria de falsificadores por serem mais vendidas. "Quando o preço dos medicamentos diminuir, o lucro deverá cair. Isso não evitará a falsificação, mas deverá reduzir o interesse dos bandidos", acredita Vecina Neto. Com a preponderância do nome genérico deverá ser atendido ainda um direito de informação ao consumidor. Numa emergência, se o doente apresentar uma reação adversa à droga poderá dizer prontamente a substância que está tomando, o que fica mais difícil quando só se sabe o nome comercial do remédio. Como se vê, a nova lei chegou para, finalmente, pôr ordem nas prateleiras das farmácias que há muito tempo pediam uma arrumação.