Crente que estava abafando e cheio de boas intenções, o presidente do Comitê Rio 2004, Ronaldo Cezar Coelho, escolheu o Copacabana Palace, na Avenida Atlântica, para hospedar os 20 membros do Comitê Olímpico Internacional que visitaram a cidade-candidata em novembro de 1996. Além disso, avisado pelos consultores catalães responsáveis pela indicação de Barcelona como sede da Olimpíada de 1992, evitou dar presentes caros para não exceder o valor de US$ 150 estabelecido pelo COI com relação às inevitáveis lembrancinhas. Os gringos vieram, o líder da tribo, o alemão Thomas Bach, ganhou um cocar e os demais voltaram para casa com amostras do artesanato local, pastas de couro vegetal e jóias cafonas de Copacabana. Um mês depois, numa visita à Europa, um grupo do Comitê Rio 2004 foi procurado por um jornalista francês. Na maior cara-de-pau, como lembra um integrante do comitê presente ao encontro, o gaulês propôs: "Nesta fase com 11 cidades-candidatas não será preciso, mas na próxima fase, com a escolha das cinco, vocês vão ter que dar dinheiro. E eu posso intermediar, se quiserem." Os cariocas estranharam. "É assim que a banda toca?", indignaram-se. "Eles são macacos velhos. Só vão na certa. Quando viram que a nossa candidatura não ia comprar ninguém, desistiram do Rio", lembra o mesmo integrante. Convicto, Ronaldo decidiu: "Não vou comprar ninguém." E partiu para uma estratégia maluca de mobilização interna. Era a única chance. Três anos depois, o economista Luiz Martins, principal responsável pelo projeto estratégico da Rio 2004, recorda que "os argumentos técnicos não vencem a escolha política". Martins não ficou de queixo caído ao saber das acusações de corrupção a 13 membros do COI durante o processo de escolha de Salt Lake City como sede da Olimpíada de Inverno de 2002. "Eram tantos boatos que mais cedo ou mais tarde isso iria explodir", constata.

Para o torcedor bobo que acompanha o esforço dos atletas bobocas em busca de recordes, os Jogos Olímpicos, segundo a tevê ensina, são o píncaro dos ideais defendidos pelo seu criador, o Barão de Coubertin, em 1896. Nas saletas dos hotéis, e muitas vezes nos quartos de bordéis, valores como esportividade, lisura e honestidade são varridos para baixo do tapete em troca de presentes de verdade. Revoltado com as denúncias recentes, o nadador canadense Mark Tewksbury, que veio ao Rio na missão de 1996, exigiu, na quarta-feira 27, a renúncia da cúpula do COI e do presidente Juan Samaranch. E, simbolicamente, arremessou numa mesa a medalha de ouro que ganhara em Barcelona nos 100 metros costas. Foi demais, para alguém que nadava seis horas por dia em busca da auto-superação, saber que o presidente do Comitê Olímpico Australiano, John Coates, confessou ter dado R$ 70 mil a dois delegados africanos do COI (um do Quênia e outro de Uganda), às vésperas da escolha da cidade-sede da Olimpíada de 2000. Sydney, na Austrália, venceu Pequim na disputa final por 45 votos a 43. "Como qualquer outra área do Terceiro Mundo, o continente africano é particularmente vulnerável à corrupção. Um suborno de US$ 15 mil que compre um voto na África parece café pequeno para alguém do Primeiro Mundo. Mas pode representar dez anos de salários", associa o jornalista David Yallop, autor do recém-lançado Como eles roubaram o jogo. O livro acusa o presidente da Fifa e membro do COI, João Havelange, de ter feito coisas feias durante seu mandato de 24 anos à frente da entidade suprema do futebol.

São 365 páginas de sujeira no ventilador. E, claro, há respingos olímpicos de lama. Segundo Yallop, em 1985, durante uma reunião do COI em Berlim, o ex-prefeito de Paris, Jacques Chirac, subiu nas tamancas ao ver Havelange fisgar votos para Barcelona, nos bastidores, em prejuízo da cidade francesa, também candidata. "O estilo usado por Havelange implicou lautas recepções, despesas pagas e mimos que começavam com relógios Rolex", escreve Yallop. Chirac, enfurecido, teria ameaçado Havelange: "Se o senhor não acabar com esses subornos, vou começar a usar minha influência na África para impedir a sua reeleição na Fifa!" Havelange foi reeleito, a África continuou sua fiel eleitora e Barcelona ganhou a parada. Os compradores de votos, aliás, sabem que os delegados africanos e os do Leste Europeu costumam esquecer os princípios de Coubertin em alguns momentos. Depois do escândalo de Salt Lake City, o presidente do COI, Samaranch, se viu envolvido em outras acusações, juntamente com o amigo do peito Havelange. O brasileiro foi acusado por um jornal holandês de pertencer a um grupo seleto que recebeu, em 1986 na cidade de Amsterdã, US$ 7 milhões (cerca de R$ 13 milhões) em presentes para apoiar a cidade-candidata dos Países Baixos. Já Samaranch, que ensaia uma caça às bruxas, expulsando dois corruptos e suspendendo seis, deixou uma conta de US$ 80 mil no luxuoso hotel em que se hospedou em Nagano, nas Olimpíadas de Inverno do ano passado, no Japão. O catalão, ex-colaborador do ditador espanhol Francisco Franco, ganhou também uma espada de samurai avaliada em US$ 14 mil, que preferiu guardar em casa a doar ao arquivo do COI.

Os americanos são reincidentes. Atlanta, escolhida para a centenária Olimpíada em 1996, venceu Atenas, a primeira sede dos Jogos. A Coca-Cola, que tem sede na cidade de Scarlett O’Hara, foi acusada de subornar a turma do COI com milhões. E não foram milhões de latas de Coca. A escolha de Atenas para 2004 seria um arrependimento tardio de Samaranch e seus amigos. Para ser escolhida como sede dos próximos Jogos Olímpicos de Inverno, no ano 2002, Salt Lake City não poupou recursos para comprar votos. Negócios imobiliários escusos, empregos e bolsas de estudo para familiares dos delegados do COI, presentes caros, tratamentos de saúde, dinheiro vivo e até prostitutas foram as armas usadas para garantir o direito de sediar os jogos. "O que mais me estranha é o Comitê de Salt Lake City ter arranjado prostitutas para fazerem programas com os delegados. Sendo uma cidade mórmon, num Estado mórmon, onde é que eles foram arranjar estas moças de vida torta?", perguntou o humorista entrevistador David Letterman, entre irônico e abismado. O fato é que vários membros do COI foram comprados e até mesmo Samaranch entrou na dança. O pior é que admite: seus asseclas tiveram suas mãos molhadas. O escândalo começou com uma denúncia feita por um ex-voluntário do comitê organizador dos jogos em Salt Lake City. John Miller, um mórmon que parece levar os ditames de sua religião a sério, ficou revoltado ao saber que os delegados exigiam propinas para dar seu aval a qualquer cidade. O COI, que sempre distribui ouro, prata e bronze, em breve vai estar levando chumbo grosso.

 

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

A guerra da bola

Enquanto o COI sorri amarelo para o mundo, as duas maiores entidades esportivas brasileiras voltam a cruzar os bigodes. A CBF enviou na terça-feira 26 um comunicado ao Comitê Olímpico Brasileiro informando que a seleção de futebol não participará dos Jogos Pan-Americanos de Winnipeg, no Canadá. O motivo alegado foi a coincidência de datas. Winnipeg acontece de 23 de julho a 8 de agosto e a Seleção estará participando da Copa América, no Paraguai, entre 29 de junho e 18 de julho. Depois, o escrete ruma para o México, onde joga a Copa das Confederações. Foi uma ducha de água fria no COB, que estará enviando 450 atletas, um recorde, para o Pan-Americano. "Eu respeito a posição da CBF. Paciência. É uma pena", lamenta, de forma polida, o presidente do COB, Carlos Arthur Nuzman.

A versão oficial da CBF são as datas. Porém, a relação azedou desde o papelão na Olimpíada de Atlanta, em 1996, quando Ronaldinho e cia. perderam para a Nigéria, receberam o bronze um dia antes e nem sequer deram as caras na Vila Olímpica. Os inimigos de Ricardo Teixeira lembram que nos Pan-Americanos os direitos de tevê pertencem a Organização Desportiva Pan-Americana (Odepa), reduzindo o lucro da entidade. Os amigos de Teixeira contemporizam e acham que é mais uma tentativa de agradar ao ex-sogro Havelange, com quem está rompido, pois a Fifa anda também cabreira com o COI.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias