A vida lhe foi cruel. Primeiro, foi seu tio que se suicidou. Depois, ele viu seu pai se matar com um tiro e sua mãe enforcar-se no meio da sala de estar. Ninguém naquela pequena cidade do interior da Sérvia estranharia se ele resolvesse seguir o exemplo da família. Mas, não. Para a infelicidade de seus compatriotas, Slobodan Milosevic quis viver. Hoje, aos 57 anos, ele é presidente do que restou da Iugoslávia e continua a demonstrar uma obsessão em se vingar de sua história. Está agarrado ao poder há 11 anos, época em que, com um poderoso aparato de propaganda, ensinou os sérvios a odiar os vizinhos de outras etnias. Foi o principal mentor da guerra civil na Bósnia, conflito que ressuscitou horrores não vistos na Europa desde Adolf Hitler, como campos de concentração, genocídio e faxina étnica. Agora, Milosevic dá sinais de que quer repetir a dose na província separatista do Kosovo, onde 90% da população é formada por pessoas de origem albanesa e muçulmana.

Desde fevereiro do ano passado, forças de segurança sérvias enfrentam rebeldes do Exército de Libertação do Kosovo (ELK) e, sob esse pretexto, também torturam e matam civis. O terror sérvio provocou um êxodo de mais de 100 mil pessoas. Em outubro, graças à intervenção diplomática ocidental e a ameaça militar da Otan, conseguiu-se estabelecer uma trégua nos combates, para que se tentasse costurar um acordo de paz na região. Cerca de 750 observadores da Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) entraram na província para garantir um cessar-fogo e conseguiram, se não eliminar os conflitos, diminuí-los consideravelmente. Nos últimos dias porém, tudo voltou à estaca zero. Na sexta-feira 15, os habitantes da pequena aldeia de Racak, 24 quilômetros ao sul da capital provincial, Pristina, foram alvo do pior massacre de que se tem notícia na região. Segundo os sobreviventes, as forças de segurança sérvias chegaram ao local e separaram 45 pessoas, incluindo velhos, uma mulher, um bebê de 3 meses e um garoto de 12 anos. Em seguida, levaram o grupo para um morro próximo, onde todos foram assassinados, a maioria com tiros à queima-roupa na cabeça. Alguns tinham os olhos retirados da órbita, uma acontecimento comum entre vítimas dos sérvios. Os aldeões restantes, cerca de 60, conseguiram se refugiar numa caverna da montanha. No mesmo mês em que a Europa unifica sua moeda, os habitantes do Kosovo voltam às cavernas porque crêem que ninguém pode ajudá-los.

O chefe da Missão de Verificação, o diplomata americano William Walker, foi veemente na condenação ao ataque, que classificou como crime contra a humanidade. Seria de se esperar que Milosevic ordenasse uma investigação do massacre, com o auxílio dos membros das organizações internacionais. Mas, novamente, Milosevic optou pelo confronto. Decretou a expulsão de Walker, negou a entrada no país de Louise Arbour, procuradora-chefe do Tribunal de Crimes de Guerra das Nações Unidas, e, ainda, manteve a movimentação das forças sérvias na região, num flagrante desafio ao acordo de trégua. Assim, ao mesmo tempo que deixou mais distante a possibilidade de uma solução negociada para o conflito, voltou a brincar de gato e rato com a Otan, que colocou aviões e navios em estado de alerta. Ao final da semana, diante das ameaças de ataques aéreos da Otan e da possibilidade de todos os observadores internacionais deixarem o país, Milosevic voltou atrás na decisão de expulsar Walker. Com avanços e recuos, bem ao estilo do ditador iraquiano Saddam Hussein, o líder sérvio manipula os ocidentais e ganha forças, dentro de casa, para se manter no poder, coisa que se tornou sua especialidade. Continua, desta forma, a ser uma dor de cabeça para europeus e americanos e um fantasma a assombrar seus vizinhos.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias