Agora mesmo, milhares de megabytes de música estão trocando de mãos pela Internet. Mas não há dinheiro envolvido, apenas a natural vontade humana de compartilhar gostos musicais. Isso está deixando a indústria fonográfica com as orelhas em pé – especialmente as grandes gravadoras, os fabricantes de CD e as lojas varejistas. Para essa turma, a Internet é uma ameaça. E o que a torna mais assustadora é um pequeno aparelho chamado Rio, um walkman que funciona por 12 horas com uma única pilha. Fabricado pela Diamond Multimedia, o Rio é o primeiro aparelho de áudio portátil que toca canções baixadas da Internet. A tecnologia que o tornou possível e que dá à indústria fonográfica dor de cabeça é um novo padrão de áudio digital chamado MP3, que comprime arquivos sonoros para menos de um décimo do seu tamanho original. Ou seja, com o programa adequado, qualquer um pode colocar um CD no computador, copiar uma música e enviá-la para um amigo em cerca de 20 minutos. Sem o MP3, a operação levaria três horas.

Até hoje, o uso desse padrão digital estava restrito à quem tinha disposição para ouvir música nas caixas do PC e paciência ilimitada para procurar o que ouvir. Mas, com o sedutor Rio, à venda por R$ 499 (US$ 199 nos EUA), isso pode mudar. Plugue-o no computador, copie 60 minutos de arquivos MP3 e pronto. É um sonho para os consumidores e um pesadelo para os executivos das gravadoras americanas, que abriram guerra contra o produto antes mesmo do seu lançamento em outubro, acusando-o de "instrumento da pirataria" e pedindo na Justiça que a tecnologia MP3 fosse banida do mercado – algo semelhante a cortar a cabeça para acabar com a caspa.

A verdade é que o Rio e a novíssima linha Yepp da Samsung, a ser lançada em breve, não são aparelhos para gravação, mas para reprodução. Então por que tanto rebuliço com esses brinquedos? Um computador ligado à rede é um meio muito mais fácil de copiar arquivos MP3. E um PC equipado com um drive de CD regravável – um periférico cada vez mais popular – é uma solução ainda mais simples para o problema de retirar músicas do disco rígido. É certo que incontáveis milhares de canções em MP3 têm sido comercializadas ilegalmente, mas pelo menos nos EUA o número de websites legalizados está aumentando, e o maior deles, MP3.com, recebe 100 mil visitas por dia e oferece três mil canções licenciadas, a maior parte de bandas desconhecidas querendo aproveitar essa onda para se promover e descolar um contrato com uma gravadora. Mas estão surgindo novos caminhos. GoodNoise, que se apresenta como "a primeira gravadora da Internet", vende canções em MP3 por menos de US$ 1 cada.

Apesar da chiadeira, algumas gravadoras também passaram a experimentar o novo sistema. Os Beastie Boys colocaram de graça na Web remixes e faixas ao vivo e viram uma delas disparar para o primeiro lugar na parada do MP3.com, o que motivou outros grupos a seguir o exemplo. As gravadoras, afinal, não são burras. Novos formatos sempre deram a elas a chance de injetar vida nova em catálogos esquecidos. E um formato pronto para distribuição na Web tem um charme todo especial. Só lhe falta segurança. Formatos alternativos, com mecanismos antipirataria que evitam que as músicas se espalhem para além dos ouvidos dos compradores, já apareceram. O Liquid Audio (www.liquidaudio.com), por exemplo, é usado para vender discos em sites como o Internet Underground Music Archives. Mas ainda possui poucos usuários, enquanto o MP3, estima-se, conta com cinco milhões. MP3, aliás, é o termo mais pesquisado nas máquinas de busca da Internet depois de "sexo".

É por essas e outras que houve uma trégua com as gravadoras, que anunciaram a convocação de um fórum reunindo as indústrias musical e tecnológica para estabelecer um padrão para a música digital. Já não era sem tempo. Há quase 20 anos, quando as gravadoras morderam a maçã digital (popularmente conhecida como compact disc), deixaram de vender gravações para vender softwares: as faixas contidas nos CDs. E se a história do software nos ensina alguma coisa, é que o sonho de proteção contra cópias é apenas isso – um sonho. Durante anos, os fabricantes de programas testaram dispositivos anticópia, mas no final aprenderam a conviver com a pirataria.

Defensores do MP3 diziam que as gravadoras estavam atirando nos próprios pés. Um dos pré-requisitos para se vender música na Internet, argumentam, é aceitar a pirataria como parte da equação. As pessoas sempre irão copiar canções ilegalmente. Mas, se for fácil comprar pela Internet, a maioria irá sacar o cartão de crédito. Estabelecido um padrão, a Internet pode transformar-se num enorme armazém musical, vendendo canções através de um sistema semelhante ao pay-per-view da tevê a cabo.