A poeira baixou e o mercado financeiro começou a apontar quem ganhou e quem perdeu depois da desastrada desvalorização do real. "Os bancos e as grandes empresas vão sofrer pouco porque compraram títulos públicos ou dólares", conta Octávio de Barros, diretor-técnico da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais, uma organização não-governamental. A percepção de operadores do perigo iminente, a sorte de outros ou até as dicas passadas ao pé-do-ouvido aos amigos possibilitaram a alguns bancos, empresas e investidores livrar-se do mico que virou o real nas duas últimas semanas. Mas um dos principais personagens misteriosos deste episódio foi o próprio Banco Central (BC). Nos dias que antecederam a desvalorização da quarta-feira 13, alguns operadores curiosamente já davam como certa a substituição de Gustavo Franco por Francisco Lopes e a introdução da nova banda cambial. Na manhã de segunda-feira 11, a Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F) abriu sob intenso movimento de venda de dólares, comandado por algumas corretoras que agiam em nome do Banco do Brasil. Nada menos do que cinco operadores confirmaram essas transações. É neste mercado que os investidores fazem contratos de compra ou venda de dólares para serem honrados no futuro. Por exemplo: eles calculam uma determinada cotação e se comprometem a adquirir certa quantidade de dólares por esse preço numa data pré-determinada. Se a moeda se valorizar mais, lucra-se com a diferença entre o que foi acertado e o valor de mercado. Com os dólares jorrando na BM&F, os mais afortunados trocaram seus reais pela moeda americana na cotação camarada da era do real forte. Na terça-feira 12, o movimento foi ainda mais intenso. Ao cabo de dois dias, o BB vendeu cerca de US$ 4 bilhões no mercado. Os operadores se surpreenderam com a espantosa soma negociada em apenas dois dias, já que, a partir de setembro, o BC vendia nesse mercado cerca de US$ 6 bilhões a US$ 7 bilhões ao longo do mês inteiro.

 

Sortudos Mas o que causou maior estranheza aos operadores foi um movimento de pessoas físicas, gente que arrisca o próprio dinheiro na BM&F. Investidores que tinham contratos para venda futura de cerca de R$ 70 milhões em dólares inverteram suas apostas, comprando dólares na ordem de R$ 350 milhões. No final da tarde de terça-feira, quem correu atrás da moeda americana não encontrou mais. A fonte havia secado. Apesar de ter obtido prejuízo vendendo dólares no mercado futuro antes da desvalorização, o Banco do Brasil aparentemente não perdeu dinheiro. As operações teriam sido lastreadas por títulos públicos – NTN-B e NBC-E –, todos eles indexados ao dólar e longe da farofa que virou o real. "É possível até que o Banco do Brasil tenha tido lucro na operação", diz um operador. "Quem perdeu feio foi o Banco Central." Procurado por ISTOÉ, o Banco do Brasil disse, por intermédio de sua assessoria, que opera apenas para seus clientes – um dos quais é o próprio Banco Central. As corretoras que atuaram para o BB – Comercial, Omega, Sudameris e Fleming Graphus – não quiseram se manifestar.

Desde que o Brasil entrou no olho do furacão, a maioria das grandes empresas e instituições financeiras vinha se ajustando a uma eventual desvalorização. O Grupo Gerdau, do empresário Jorge Gerdau Johannpeter, tinha uma dívida de US$ 400 milhões que foi garantida por ativos, também em moeda forte, de US$ 380 milhões além de exportações de US$ 100 milhões por ano. Teve sorte quem deve em reais e recebe em divisas estrangeiras. A Bombril-Cirio, do empresário italiano Sergio Cragnotti, havia emitido no mercado brasileiro uma nota promissória de R$ 100 milhões. Como a empresa está em pleno processo de reestruturação no exterior, vendendo patrimônio em dólar – a área de leite na Itália está sendo negociada com a Parmalat –, Cragnotti viu sua dívida em reais encolher quase 30% depois da desvalorização.

 

Perdas dos fundos Quem estaria numa posição de meio-vencedor, ou dependendo do ponto de vista, meio-perdedor, seria o empresário Benjamin Steinbruch, acionista das ex-estatais Vale do Rio Doce e Companhia Siderúrgica Nacional, parcialmente protegidas por aplicações em dólar. O tombo de Steinbruch ocorreu na Light, presidida pelo francês Michel Gaillard, que deve cerca de US$ 2 bilhões, usados na compra da Metropolitana, a concessionária de energia da Grande São Paulo. Na área financeira, a maioria dos bancos conseguiu evitar perdas, mas pelo menos três se deram mal. Os bancos Fonte-Cindam, Marka e Boavista viram boa parte dos seus fundos de investimentos virar poeira. "Em nenhum momento, o governo sinalizou uma mudança tão brusca", defende-se César Trotte, gestor de um fundo do banco Fonte cuja rentabilidade despencou 32%. No final da semana, o BC ainda procurava uma solução ao Banco Marka, que tem perdas estimadas em US$ 500 milhões. Os controladores do Boavista – entre eles, o empresário Olavo Monteiro de Carvalho – sentiram a crise no próprio bolso: injetaram US$ 10 milhões na instituição para cobrir prejuízos.

EM BAIXA

BANCO CENTRAL
No último ato de Gustavo Franco, o BC vendeu dólares a R$ 1,21 para segurar cotação e agradar a poucos

OLAVO MONTEIRO DE CARVALHO
Junto com os sócios, teve de dar R$ 10 milhões para cobrir prejuízos nos fundos de investimentos do Banco Boavista

LIGHT
A dívida de US$ 2 bilhões da empresa presidida pelo francês Michel Gaillard, usada para comprar a Metropolitana, cresceu 30%

EM ALTA

BANCO DO BRASIL
Vendeu dólares para o BC, mas se protegeu comprando títulos públicos indexados ao câmbio

JORGE GERDAU
A partir de outubro, fez diversas operações para evitar perdas com dívidas em dólares

SERGIO CRAGNOTTI
Emitiu títulos em reais para pagar com o lucro da venda de empresas no Exterior R$ 350 milhões foi quanto os investidores comuns bem-informados tinham aplicado em dólar na BM&F antes da cotação do real desabar