Se não der certo, a culpa não poderá ser jogada de novo nas costas dos parlamentares. O Congresso julga ter cumprido seu dever cívico e agora devolve a batata quente para a equipe econômica. Depois da decisão de flutuar o câmbio, o presidente Fernando Henrique Cardoso, pendurado no acordo com o FMI, criou a expectativa de que a salvação do País dependia de uma vitória na Câmara durante a votação do projeto que estabelece a cobrança previdenciária dos aposentados e pensionistas da União, além de aumentar a contribuição dos servidores públicos ativos. Pressionados pelo Palácio do Planalto, os deputados governistas fizeram o que FHC queria e aprovaram o mais polêmico projeto do ajuste fiscal.

A paciência dos líderes aliados com o ministro da Fazenda, Pedro Malan, está se esgotando. Na reunião da quinta-feira 21, no dia seguinte à aprovação, líderes e ministros pediram ao presidente soluções em 90 dias para que os juros baixem. FHC se restringiu à promessa de dar prioridade às ações do Ministério do Desenvolvimento e tentou infundir otimismo. Fernando Henrique baseia-se em avaliações como a transmitida na última semana pelo embaixador do Brasil em Londres, Rubens Barbosa. O embaixador ouviu do ministro das Finanças do Reino Unido, Gordon Brown, que a livre flutuação do câmbio no Brasil surtirá os mesmos efeitos positivos da época em que a decisão foi tomada na Inglaterra, em 1992, e não a derrocada ocorrida no México, em 1994. "O Brasil está mais para Inglaterra do que para o México", tenta se convencer FHC, embora o mercado ainda ache que o País esteja mais apto a desfilar um sombreiro do que a tradicional peruca dos lordes.

A vitória acachapante da última quarta-feira não foi comemorada pelas hostes governistas, apesar de a decisão da Câmara representar o fim de um tabu. Desde 1995, a proposta tinha sido rejeitada quatro vezes. Na manhã da quinta-feira 21, durante a reunião no Planalto, os aliados insistiam que enfrentaram o desgaste de aprovar uma medida impopular e exigiram que a equipe econômica mostre resultados. "Ninguém pode cobrar do Congresso a responsabilidade pelo agravamento da crise. O que podíamos fazer, já fizemos", alfineta, o líder do PSDB na Câmara, Aécio Neves (MG).

 

Descompasso A partir de maio, um aposentado que ganha R$ 3 mil, por exemplo, vai passar a descontar 26% do salário para pagar a Previdência e o Imposto de Renda. "É um confisco com os velhinhos, mas se não aprovássemos seria um caos", justifica o deputado Delfim Netto (PPB-SP), um dos que eram contra e votaram a favor do projeto. Na operação vira-voto, o governo montou uma blitz para assediar os deputados. Durante dois dias, os ministros Pimenta da Veiga (Comunicações), Eliseu Padilha (Transportes), Renan Calheiros (Justiça) e Waldeck Ornellas (Previdência) praticamente transferiram seus gabinetes para o Congresso. Os governadores aliados foram acionados para conseguir votos com suas bancadas. Até mesmo o governador Itamar Franco liberou seus liderados, mas nesse caso foi Newton Cardoso quem se empenhou pelo ajuste fiscal. Afinal, o Planalto ameaçou demitir a cúpula do DNER de Minas, área de domínio estratégico do vice-governador.

A vitória da última semana está longe de significar que o governo vai ganhar a guerra. Com as novas regras a arrecadação deveria ser acrescida de R$ 4,1 bilhões ao ano. Há estudos que indicam, porém, que as contas do Ministério da Previdência não consideraram que a contribuição deve ser isenta da base de cálculo do Imposto de Renda. Segundo a Consultoria Legislativa do Senado, o aumento da arrecadação anual não vai passar de R$ 2,015 bilhões. Esse descompasso aritmético não deixa ninguém satisfeito. Muito menos o mercado.